terça-feira, janeiro 18, 2005

O Senado da Nação.

No deprimente momento televisivo - como é sempre deprimente ver a Fátima Campos Ferreira a esbracejar como quem não consegue estar calada - a que a RTP decidiu pomposamente chamar o debate dos senadores, foi a audiência premiada com a sabedoria paleolítica, a dignidade de sacristia e a visão iluminada por discutível néon dos senhores professores doutores (da esquerda para a direita) Diogo Freitas do Amaral, Mário Soares, Francisco Pinto Balsemão e Adriano Moreira. Dado o ilustre elenco, não é de espantar que a única pessoa que conseguiu dizer alguma coisa de jeito foi um outro senhor professor doutor, de nome Miguel Cadilhe. Mas adiante.
Aquilo que devia ser uma conversa sobre o lastimável estado da nação, não passou de um desmaio. Muito por culpa de
FREITAS DO AMARAL , que chegou nitidamente ao estado Monty Python, um ponto ontológico de tal forma dadaísta que, a julgar pelo discurso, podiamos muito bem estar a ouvir um dirigente sindical, um bloquista ou um outro qualquer monumento à dialéctica bolorenta de Chomsky. Freitas do Amaral é um personagem que merece alguma atenção clínica. Deixado a sós com a dívida astronómica da campanha "P'ra Frente Portugal", afastado pelo partido que fundou, reduzido à insignificância pela diplomacia americana, quando em desempenho das suas funções como grande chefe da Assembleia das Nações Unidas (um dos organismos mais inócuos da história da humanidade), o homem perdeu a razão pura, a razão prática, o juízo, o bom senso e a sanidade. Um dos mais carismáticos protagonistas da direita cristã portuguesa é hoje um excêntrico que não consegue esconder o ódio. Para seu rídiculo, a primeira intervenção que teve no debate sobre a condição nacional foi dedicada à ameaça Bush. Desculpou o pesadelo da administração pública com a incompetência dos empresários e clamou por justiça social. Demonstrou um enorme autismo perante as insatisfações dos portugueses e preocupou-se sobretudo em manter coerente o seu tributo póstumo à herança ideológica de Maria de Lourdes Pintassilgo. Não foi por acaso que foi sentado à esquerda de
MÁRIO SOARES, que fez - nas palavras de um realmente sábio amigo meu - o favor imenso de se conseguir manter acordado. Não falou uma vez na Europa (logo ele - o grande europeísta) mas trouxe por duas vezes os americanos à má língua. Recusou-se a falar de soluções, preferindo invariavelmente o esquema politiqueiro que lhe agrada tanto (os velhos hábitos têm morte lenta). Fez, descaradamente, campanha eleitoral, dando um magnífico exemplo de sentido patriótico, só mesmo suplantado por
PINTO BALSEMÃO, que chegou ao cúmulo banditista de dizer: ainda bem que não são os portugueses a tomarem conta das suas contas. Entre outras vulgaridades deste calibre 55, disse o senhor também que o melhor, o melhor, não era bem um pacto de regime no decorrer do próximo mandato, mas sim um acordo de cavalheiros sobre duas ou três questões mais pertinentes, apenas possível - na sua sagaz e experimentada opinião - se for concretizado antes das eleições (a ingenuidade roça a demência). Pinto Balsemão é, na verdade, um zombie desinteressante, principalmente quando ao seu lado está um homem chamado
ADRIANO MOREIRA, velha raposa do deserto lusitano que despachou a coisa com uma mão cheia de afirmações escolásticas, do género: mudou o paradigma, vamos mudar de cuecas. Este homem foi meu professor, é um ser humano enorme, tenho carinho por ele e total confiança na sua honestidade intelectual. Mas nunca conseguiu deixar de ser um académico e o país, que nem acabou o liceu, não percebe nada do que ele diz.
Por isso, quando Miguel Cadilhe, que felizmente não pertence ao senado e estava ali em video-conferência, começou a dizer da sua verdade, pareceu-me que tinha afinal cedido à tentação de mudar de canal. Mas não. Houve de facto alguém com coragem para dizer que é preciso reduzir o Estado a dois terços e que se isso não acontecer podemos estar perante a ruptura regimental.
E só por estes dois minutos de coragem suprema, valeu a pena levar a seca do p'rós e contras desta noite, programa que, excepção feita, tenho o higiénico escrúpulo de não frequentar.