O Mataboches, o que deixou os alemães
passarem em sucessivas vagas,
para, depois, do seu buraco, os dizimar pelas costas,
está que não pode.
Reformado da fábrica onde, até há poucos anos,
aproveitando as espertinas de ex-gaseado,
guardava as larápias sombras da noite,
o Mataboches já nem à taberna vai.
A filha, antes de sair para o trabalho,
deixa-o sentado à janela, entre canário e sardinheira,
com um mata-moscas à mão.
E o Mataboches passeia o curto-alcance dos seus olhos
do amarelo ao rosa,
vigiando mosca e varejeira.
Às vezes apanha chuva e larga a rir
(por ser regado ao mesmo tempo que as sardinheiras?)
um riso que põe o canário, espavorido,
a harpejar as barras da gaiola.
Penugem amarela rodeia o Mataboches.
Ele não dá por nada; dá a filha,
que lhe ralha e lhe faz ciúmes com o Hilário, o canoro.
Passa-se, então, um curioso ritual:
a filha tira o canário da gaiola, diz-lhe:
“Ele foi mau prò meu Hilário!”,
e enquanto o pai se agita, regouga, troca e destroca
seus gestos de meio paralítico,
ela, com um olho no velho, beija o passarinho,
alisa-lhe as penas, quase o come.
E o ritual só acaba quando o Mataboches
mistura a sua baba com o seu ranho.
O Mataboches, o do C.E.P.,
peneira o ar com o mata-moscas
e erra a última mosca.
ALEXANDRE O'NEILL
- A saca de Orelhas - 1979