sábado, setembro 30, 2006

A walk down Memory Lane.

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1986. Entro para dentro da faculdade que ia ser minha. Eu digo: toda minha. Tirei um curso superior em matraquilhos e outro em saber levantar-me às 6 da manhã para chegar à Junqueira a tempo de ir jogar matraquilhos. Foi aqui, neste palácio de verdade que me formei. Quero dizer: o meu copo formou-se. O meu fígado formou-se. O meu coração formou-se. O meu cérebro também. O meu currículo não. Não ia nada às aulas e tive os melhores professores que um parvo de um paulo hasse paixão pode um dia sonhar que vai ter. O Senhor Professor Marques Bessa. O Senhor Professor Luís Bettencourt. O Senhor Professor Reboredo Seara. O Senhor Professor Adriano Moreira. Não era de todo um popular da faculdade e experimentei, mesmo assim, a alegria absoluta de ser de companhia. Cresci imenso. Diverti-me muito. Namorei deveras. De vez em quando fui feliz, feliz como só podemos ser felizes: sem dar por isso mas deixando memória para que 20 anos depois se perceba a felicidade. Saí sem tubo nem estatuto, saí ignorante na mesma, inadaptado como sempre, mas saí um gajo mais giro (é garantido). Um gajo com mais amigos e mais estórias. Um gajo com património de barriga e pontapé certeiro de avançado no espeto. Tive muita sorte em ter ido parar ao I.S.C.S.P.

Hoje jantei com uma certa malta da faculdade. Não completamente a minha malta, mas completamente pessoas de quem gosto e que já nem me reconhecem ao primeiro reconhecimento, dada a falta de cabelo e os 20 anos de distância. Hoje jantei com a malta que já lá estava quando fui para lá e - o que é mais - que já lá estava muito acima daquilo que eu nunca serei. Malta que deixou o liceu com médias de 18, de 19, de 20 valores. Malta que sabia que raio estava a fazer na universidade. Malta que (estava-se mesmo a ver) ia aonde queria ir e - 20 anos depois - chegou lá. São vencedores e eu gosto deles e eu gosto de saber que estudei (quase nada) no sítio que pariu estrategicamente* esta gente boa, esta gente sã, esta gente válida que produz proles e riquezas e sorrisos desinteressados, que se casa e que se divorcia com elegância, que conduz empresas como quem não quer a coisa, que faz notícia, que é a notícia, que está nos bastidores, que está na ribalta, que é influente, que é realizadora. Eu, que não sou nada disto, juro que gosto disto.

* A tradição pedagócica do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa é a de educar líderes.

quinta-feira, setembro 21, 2006

O melhor disco pop da história universal do libido.

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"I decided I'd write one hundred love songs as a way of introducing myself to the world. Then I realized how long that would be. So I settled on sixty-nine."

"69 Love Songs is not remotely an album about love. It's an album about love songs, which are very far away from anything to do with love."


-Stephin Merritt-

Os Magnetic Fields não vêem nada a propósito mas o senhor Stephin Merritt é um magnífico herói e eu já há muito que lhe devo um post. Paneleirão grandiloquente, é um artista. Compositor indomável, é um palhaço rico no circo dos imortais. Poeta inspirado, Merrit é um músico daqueles que nascem de 10 em 10 milhões de músicos.
Lançado no já distante ano de 1999, 69 Love Songs debita um volume prodigioso de criatividade só para aí comparável a uma obra prima do barroco ou coisa que o valha. Estes 3 discos guardam autênticas maravilhas folk, supremas epifanias punk, pungentes suicídios grunge, espectaculares orgias beatnick, desesperados lamentos blues, violentas paixões soul e intermináveis traições rock n'roll. Da canção medieval ao registo grunge, do orgasmo esquecido à redenção da entrega, está lá tudo dentro do pacote. É impressionante. Nem vale a pena falar da beleza das melodias porque é preciso ouvir, ouvir e ouvir até saber trauteá-las todas no duche. Sobre as letras, o melhor mesmo é dar um exemplo:

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I DON'T BELIEVE IN THE SUN

They say there's a sun in the sky
but me, I can't imagine why
There might have been one
before you were gone
but now all I see is the night, so

I don't believe in the sun
How could it shine down on everyone
and never shine on me
How could there be
such cruelty.

The only sun I ever knew
was the beautiful one that was you
Since you went away
it's nighttime all day
and it's usually raining too

I don't believe in the sun
How could it shine down on everyone
and never shine on me
How could there be
such cruelty.

The only stars there really are
were shining in your eyes
There is no sun except the one
that never shone on other guys
The moon to whom the poets croon
has given up and died
Astronomy will have to be revised

I don't believe in the sun
How could it shine down on everyone
and never shine on me
How could there be
such cruelty.
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Nada mau, hã? Agora é só multiplicar por 69. A verdade conclusiva é só uma (e que me desculpem os visados): quem ainda não ouviu esta Obra está por fora da verdadeira história da pop.

quarta-feira, setembro 20, 2006

7 pérolas da Colecção do Dr. Rau.

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3 - JAN VAN GOYEN - Tempestade
1637, óleo sobre madeira, 23.5x36.5 cm.

É uma pena, mas esta pérola assim, em reprodução mínima e digital, não se percebe. Não se percebe o encanto, não se percebe a intensidade cénica e não se percebe sobretudo a solidão quieta do camponês. Observada na parede do M.N.A.A., percebe-se melhor: ele está de costas mas eu cá vi perfeitamente o fascínio despreocupado que ilumina o seu olhar. A tempestade aproxima-se, ameaçadora sobre os restos de luz solar que obstinadamente o iluminam ainda. As árvores corroboram a ameaça, o horizonte sopra sarilhos e a paisagem toda movimenta-se atormentada. Mas ele não. Está de perna traçada, contemplando a borrasca. Não tem pressa de chegar a lado nenhum e parece encontrar-se num ermo distante, a milhas de um abrigo que o redima. Este facto é que, para ser sincero, nem no Museu se percebe. E foi precisamente o mistério dessa permanência, como uma espécie de atitude zen sobre o abismo; foi precisamente esse despreocupado olhar sobre a tempestade que me violentou a imaginação.
Jan van Goyen pintou mais de mil e duzentas coisas destas nos sessenta anos que passeou pelo planeta: paisagens urbanas e paisagens fluviais e mais paisagens bucólicas e outras tantas paisagens rurais, sempre dentro do espírito naturalista de que foi um seguidor inveterado. Mestre na criação de atmosferas poderosas e monocromáticas, que na verdade dominam e animam todo o conteúdo imagético, van Goyen não é propriamente um génio do seu tempo e, apesar de ter deixado algumas marcas na escola holandesa do século XVII, nunca alcançou grande reputação em vida (muito porque somava à ocupação de artista a de homem de negócios, para a qual, segundo parece, não tinha talento nem carácter).
Seja como for, este boneco é magnífico, caramba, e eu sou-lhe muito grato, Sr. Jan van Goyen.

domingo, setembro 10, 2006

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Chegou ao court com um vestido de noite arrebatador e ganhou o U.S. Open limpinho, 6-4, 6-4 contra uma excelente adversária, Justine Henin-Hardenne, que até não jogou nada mal. É terrivelmente bela, e hoje foi terrivelmente demolidora. Sharapova vai fazer história porque sabe jogar ténis, porque é muito forte mentalmente e porque torna mais bonitos os monitores televisivos de todo o mundo, o que, convenhamos, não é dizer pouco.
Agora vou de férias uma semaninha e já volto.

quarta-feira, setembro 06, 2006

A biblioteca dos silêncios.

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Se há uma merdinha que me chateia à brava nisto de ter um blog, é a de não ter tempo - ou espírito - para escrever sobre tudo e mais alguma coisa. É uma vergonha ficar para aqui calado dias a fio com tanta cena desinteressante e desinteressada que me passa por esta cabeçorra cota, já um bocado afanada no juízo e na memória.
E se há falha grande nestes conteúdos bizarros do blogville, a primeira é de certeza esta triste: escreve-se aqui muito pouco sobre livros. Que chatice de blog onde se escreve tão pouco sobre livros. Mas, caramba, que vos hei-de dizer eu, alma ociosa e ignorante, sobre Edward Gibbon? De que vos posso falar se estiver para aqui a falar do Mediterrâneo segundo Braudel ou do Tempo segundo Proust? Como posso eu, mesmo que num momento de raro esclarecimento, explicar a glória da História Universal da Infâmia? Alguma sugestão? Que palavras podem ser usadas para comentar a verdadeira Obra ao Branco que é esta mulher a quem chamavam Marguerite Yourcenar (a única belga com um lugar na história)? Sim, expliquem-me por favor como é que é isto de esgalhar um post sobre Os Doze Césares (já tentei e desisti) ou sobre As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia, ou até, de forma mais descontraída, sobre O Vermelho e o Negro do meu querido Stendhal, sobre o Cândido do meu amado Voltaire ou o Memorial do Convento do canalha do Saramago.
É muito complicado para mim, que escrevo sobre quase tudo aquilo em que sou iletrado, escrever sobre a minha ileteracia e não é por ter lido e sonhado com o Admirável Mundo Novo, com o regresso de Ulisses, com o delírio em tempo real de Joyce, com os relatos mercenários de Cícero ou com as rimas de Dylan Thomas que deixo de ser valentemente ignorante.
Eu lamento imenso, mas é para mim muito difícil falar-vos de Álvaro de Campos. Outrossim de Walt Whitman. É deprimente, mas não sou audaz quanto baste para despejar umas certezas sobre a literatura russa, o teatro isabelino, a grande novela anglosaxónica e o estranhíssimo comunismo místico do romance sul-americano.
Serei sempre incapaz de vos aborrecer com aquilo que possa considerar sobre o génio paneleiro de Oscar Wilde, a virtude de Somerset Maugham, o negro coração de Joseph Conrad, as aguarelas beatnick de Allen Ginsberg ou os manifestos do bravo do Almada. Não percebo sequer como é que alguém tem o desplante de fazer crítica sobre a obra de Nietzsche, de Bachelard, de Anaxágoras ou de Filo de Alexandria.
Pois é: não sou gajo para isto. O máximo que consigo é conversar. Até porque, sobre livros, podíamos muito simplesmente ficar a conversar durante a noite toda da vida. É deliciosamente mais irresponsável por causa de não haver registo e é muito mais divertido por conta dos copos.

sábado, setembro 02, 2006

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O Anacleto, mais conhecido pelo Gadelhas, é um típico produto da sobrevivência de solavanco; homem movido por acasos e azares de má fortuna, nú de ambições, sem horizontes nem perspectivas nem luzes no fim do túnel. Um amigão de infância e da Escola 6 do bom professor Carrilho, que distribuía generosamente sandes de atum pelos olheirentos famintos da 3ª classe, pelos descalços de fundilhos fanados, de olhos esbugalhados de medo de tudo e de nada, coxos de frieiras gretadas e nódoas roxas por tudo o que era orelha.
Fizemos juntos a instrução primária. Sabíamos a tabuada na ponta da língua, discutíamos, hesitantes, as horrorosas coisas da gramática e a impenetrável questão dos quebrados, mas rompemos, afinal, triunfantemente, os odiosos portões da escola, ofendidos e humilhados pelo duro percurso de uma instrução ganha frequentemente de mão estendida à pesada régua do castigo, aplicado conscenciosamente por gente crescida, educada na mesmíssima escola, dentro dos mesmos trilhos de intolerância.
Figura popular do Bairro, aceite com benevolência e pelo menos 2 taças de vinho tinto pelas esquinas atascadas do costume, Anacleto foi enrugando naturalmente, vende agora lotaria e pensos rápidos e namorisca preserverantemente uma multidão de miúdas da praça do peixe, o que lhe tem valido, amiúde, algumas contundências e equimoses de monta.
O último desaguisanço sentimental do Gadelhas, num dramático rompimento de relações muito comentado no sitio, traduziu-se numa declaração escrita, devidamente selada e remetida via CTT, à Anastácia dos Cogumelos, última mas muito sofrida paixoneta, cujo teor exibiu junto da rapaziada mais próxima e que vale por uma honrosa afirmação de intransigência. Transcrevo, em pleno acordo com o amigo Gadelhas, a dramática missiva.

"Bolinhas, juro-te pela minha rica saúde e à fé de quem sou que não vou gramar que esse emplastro do Farturas seja agora o teu ai jesus e que não vai passar copo e meio que não tenha as ventas tratadas à maneira. Não passa dum ranhoso de tola abaulada, de chinelo roto e fundilho no cú. O 1º Prémio do Tango que sacou nos Alunos de Apolo foi tanga. Mas já que não distingues um macho sério de um petinga ordinário, acabaram-se os marmelanços na escada da manhosa da tua avó e está arrumado o tarantantan do costume. O anel que desempenhei para te dar no Natal vais fazer o favor de o meteres onde muito bem sabes e que tem largueza de sobra. Olarilas!
Para já, digo-te que os óculos escuros que te dei, feito camelo, pela Páscoa, não valem um chavo e para dizer a verdade ficas um horror com essa porcaria espetada no nasal nojento. Vê mas é se engordas essas gâmbeas, penteia esse monte de sebo casposo que te cobre a estúpida cabeçorra e passa pelo Chanfrado das Dentaduras para ver se consegues matar esse bafiento hálito de gata prenha. E, já agora, agradeço que faças o favor de fugir, para que não me topes com a malta da tasca, por via das bocas.
E mais nada que não estou para estes faróis e garinas como tu, de cueca a tresandar a fénico, papo eu à dúzia, ao pequeno almoço."


Parece claro que o Gadelhas tem convicções muito fortes sobre como tratar estas delicadas questões e o tom folclórico da peça parece afirmá-lo como um cronista popular a ter em conta, logo que sair do hospital onde o visitei recentemente, acamado e maltratado, depois de uma pouco satisfatória troca de argumentos com o ordinário do Farturas.