quinta-feira, janeiro 03, 2008

Ciência económica de sacristia.

"Devo à providência a graça de ser pobre."

António de Oliveira Salazar

Por curiosidade mórbida - ou falta de inspiração - fui à procura do que tinha escrito aqui nos anteriores janeiros. Acontece que, no de 2005, tive o desplante de prosar umas opiniões muito simpáticas sobre o Dr. Aníbal Cavaco Silva, por ocasião da oposição divertida que fazia a certas pretensões inconscientes do Dr. Santana Lopes, na circunstância e desgraçadamente primeiro ministro da minha pátria. Agora que temos um outro desgraçado primeiro ministro e o Dr. Aníbal como Chefe de Estado, estou deveras envergonhado do que escrevi. Em Portugal, estamos sempre pior a cada dia que passa. É mais ou menos como o S. L. e Benfica: nunca mais conseguimos chegar ao ponto zero.
Vem esta conversa sobretudo a propósito do discurso de ano novo com que o Sr. Presidente da República decidiu presentear a infeliz plateia. Tive o privilégio de não assistir à missa, mas já percebi que algures por entre a liturgia sugeriu o Dr. Cavaco Silva que os ordenados dos administradores e altos executivos das grandes empresas privadas lhe incomodam o débil sistema moral. Se calhar, o Dr. Cavaco Silva estava a falar na qualidade de accionista destas empresas, mas se foi esse o caso não creio que a utilização do seu outro emprego para canalizar estas preocupações de algibeira seja correcta. Quando muito, que mandasse como agente plenipotenciário o chefe de gabinete da Presidência da República às assembleias gerais do psi 20. Já não dava tanto nas vistas. O problema é que o dr. Aníbal não falou como accionista, mas como Presidente da República e, assim, o dislate é realmente grave. O Chefe de Estado de um dos estados mais imorais do mundo civilizado não tem legitimidade absolutamente nenhuma para comentar o que se ganha ou deixa de ganhar nas empresas privadas, grandes ou pequenas, generosas ou avaras. O Chefe de Estado deve antes estar grato pela missão patriótica que é administrar uma empresa em Portugal e reconhecido pela contribuição draconiana a que são sujeitas estas empresas que lhe pagam a luxúria do cargo e a babilónia toda de que é máximo representante. O Dr. Aníbal Cavaco Silva devia ter vergonha na cara e protestar ao invés com os ordenados astronómicos do infeliz governador do Banco de Portugal, dos administradores da Caixa Geral de Depósitos e restantes máfias de outras empresas públicas que vivem à custa de roubar os portugueses que trabalham... em empresas privadas. O Dr. Aníbal Cavaco Silva deveria fazer o favor de se meter na sua vidinha anódina de enfatuadinho de Boliqueime e ficar calado que é assim que serve os interesses da nação e da decência.
Eu, que não sou patrão nem accionista nem administrador de coisa alguma, para além da minha alegre barriguinha, eu, que não ganho ordenado nem terei algum dia direito a subsídios, eu que não custo nada a ninguém e que hei-de morrer falido mas nem por isso vergado à indigência, estou muito à vontade para dizer isto: o meu país não gosta de ricos. Não gosta de empresários bem sucedidos e desconfia dos investidores. O meu país roi-se de inveja quando vê dinheiro em alguém, ignorando ou escondendo a verdade que é só uma: são os detentores do capital aqueles que mais capacidade têm para gerar riqueza e prosperidade para todos.
Portugal é uma nação de invejosos, e mesmo os que chegam a ricos da pior maneira possível (através do tributo medieval sobre um povo de tesos), continuam a invejar os ricos, inclusivamente aqueles que enriqueceram de formas muito mais civilizadas, como por exemplo, investindo os seus ganhos e trabalhando a sério e criando riqueza e originando empregos. Cavaco Silva, como a maior parte dos seus súbditos, acredita que é mais fácil a um elefante passar por entre o buraco da agulha que a um rico aceder ao reino dos céus. Assim, há-de esta eminência contribuir, mesmo que ao seu pequeno jeito, para um país cadáver. E eu desejo-lhe, para 2008, que caia do banco a baixo, como o outro conhecido sacristão que, ao contrário do que muitos teimam em pensar, também não gostava nada que se ganhasse muito dinheiro em Portugal.