segunda-feira, agosto 16, 2010

Bravo Velho Oeste.



Ao contrário do que a maior parte dos bonanzas da televisão e do cinema nos querem fazer querer, os grandes heróis do velho oeste não passavam de bandidos, batoteiros, alcoólicos, psicopatas, gananciosos e débeis mentais. Wyatt Earp, provavelmente o príncipe perfeito dos pistoleiros novecentistas, liquidou impunemente mais almas que qualquer serial killer contemporâneo. Este intrépido personagem, muito bem acompanhado pela sua virtuosa família, comprava juízes, extorquía comerciantes, exercia a bigamia, impunha frequentemente a lei da bala e assim subindo na escadaria social, chegou até xerife da mais infame - e também iconográfica - cidade do Oeste americano: Tombstone.


Compincha destas aventuras e personificação do trunfo na manga, grande glória do poker, "Doc" Halliday enriqueceu a enganar os pobres de espírito que cometiam o erro fatal de se sentarem com ele numa mesa de jogo e a assassinar os outros, que ousavam ganhar.




Billy The Kid era um adolescente impertinente, ignorante e impetuoso, para quem a dúvida cartesiana se consubstanciava em cuspir no whiskey ou matar o barman. Calamity Jane não passava de uma maria rapaz com uma imaginação prodigiosa, fraca pontaria e medo do escuro. Jesse James roubava aos ricos para pagar as contas do saloon e as meninas do espectáculo.





Gerónimo - o último dos renegados - era conhecido por beber o sangue das crianças brancas, não sem que antes - demonstrando um espírito caridoso - lhes retirasse delicadamente o escalpe.



Sitting Bull, o Sioux visionário, depois de chacinar todos - mas mesmo todos - os soldados do Sétimo de Cavalaria, em Big Horn, acabou os seus dias como palhaço na grandiosa produção teatral de uma outra lenda do wild, wild west: Buffallo Bill. Este condutor de diligências, caçador feroz e batedor supersticioso, protagonista das mais inverosímeis aventuras e actor de si próprio, chegou até a receber a medalha de Honra do Congresso Americano.



By the way: a grande maioria dos duelos no velho Oeste eram travados a curta distância, com disparos à queima-roupa. A ideia do duelo ao sol, com um sacana no fim da rua e um herói no outro extremo, pode ser muito cavaleiresca, muito fotogénica e tudo isso, mas simplesmente não cola sequer com a realidade tecnológica das armas em presença.



O que sobra, porém, desta corja de foras da lei, artistas de circo e facínoras profissionais é mesmo a sua humanidade. Se são eles os eleitos da memória colectiva é precisamente pela sua crueldade, a sua fanfarronice, a sua ignorância. É precisamente por serem, afinal, heróis de carne e osso, gente parecida com a gente que existe, parte integrante da realidade ontológica que conhecemos. E é isso que faz grande e bravo o velho Oeste. O resto são fitas.

O destino segundo Kleist.



Jeronimo Rugera encontra-se preso numa cela em Santiago do Chile. Quando sabe que a sua amada fora condenada à morte, pelo adultério que num mosteiro os dois haviam praticado, desespera e pretende enforcar-se. Feitos os preparativos, sobe a um banco que coloca o seu pescoço à altura da forca e prepara-se para o impulso final quando se dá um terramoto. Perdendo o equilíbrio, Jeronimo esquece o desespero e agarra-se à corda da forca que no instante anterior o iria matar.
Mesmo quando tudo o que queremos é morrer, não queremos morrer por vontade dos deuses. Queremos morrer por livre arbítrio. Bem vindos à literatura de Heirich von Kleist.

Anti-telejornal | A utilidade do saber filosófico.


"Estudar filosofia é aprender a morrer."
Michel de Montaigne