domingo, junho 10, 2012

Melancolia

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POR ARTUR PAIXÃO

Sem razão que aparentemente o justifique, acordei hoje melancolicamente voltado para uma remota viagem a imagens do tempo que me passou ao lado, dos anos perdidos em coisa nenhuma realmente substantiva, como se só sustentado pelo oxigénio que se respira ainda sem taxa. Magoado pelo peso das coisas perdidas, mas de momento iluminado pelo fulgurante raio de sol que me aquece a calva num canto da minha varanda, circundado numa doce explosão de tons vermelhos, amarelos na base dum verde discreto e, em fundo, o Sinatra, envolvendo o espaço, gemendo que as flores não morrem e se renovam por um curto espaço de tempo que medeia a morte duma paixão e logo desabrocham numa aurora de cor e perfume encontradas a cem metros na esquina seguinte da decepção de cem metros atrás.
Tenho metido o sombrio carão no espelho enquanto raspo tufos embranquecidos da barba, salientes e pesados os papos sob os olhos como que mortos e os sulcos cavados, terrosos, na queixada caída. Por onde paira o garboso jovem, de juba farta, o seu sorriso, a sua natural elegância a rebentar de solicitações, a afirmação duma personalidade sem compromissos, irradiante, de alegria de viver; o tipo macho latino, lustroso de corpo ardendo ao sabor dum lânguido tango na mansarda do velho Olímpia ou revolteando ao som das maviosas valsas do Maxime ou rumbando no saudoso Ritz? Os amores ganhos e perdidos na voragem do tempo? Talvez fantasma ainda hoje reflectido nas molduras douradas de espelhos velhos como eu.
O Sinatra murmura neste exacto momento que nada se perdeu. Só contam os ganhos. Resta-me sair para a rutilante luminosidade que beija as flores da minha varanda, navegando no sonho de encontrar na esquina que se desenha cem metros adiante uma rosa que não tenha ainda murchado. Alindei-me com um cravo rubro, flamejante, na lapela do meu fato novo. Quem sabe?
Antes de sair, parti a porcaria daquele espelho.