domingo, janeiro 05, 2014
Haverá Sangue
No principio era o Atlântico: uma promessa de abismo.
Haverá depois uma jangada portuguesa, uma vela árabe e algum optimismo.
Haverá depois, misteriosa, a vontade de aventura
e aquela espécie de medo que faz da coragem droga dura.
Teremos um príncipe e dois reis e, eventualmente, uma horda de marinheiros,
e depois teremos sábios, cartógrafos e os indispensáveis banqueiros.
Haverá sangue, por deus, haverá glória e heróis e outrossim bandidos;
haverá até um poeta que mergulha na tempestade por uns versos perdidos.
Haverá um Adamastor em cada santa curva continental,
que será dobrada na ganância do próximo entreposto comercial.
Haverá negócios tantos como pelejas, haverá impossíveis e improvisos.
Haverá um cosmos que se abre em terríveis paraísos.
Mas sobretudo teremos abundante a companhia dos outros, os alienígenas.
Os que são estranhos de todas as maneiras, os infiéis, os índios, os indígenas.
Mas sobretudo haverá sexo de culturas, movimento erótico entre a guerra e a paz,
Haverá troca de fluídos como de destinos em corretagem voraz.
Haverá por certo uma herança de palavras na cumplicidade genomática:
mais que fazer história, far-se-á a gramática,
um código do Império Efémero que sirva a Preste João como ao califa de Judá,
que domestique o escravo, que evangelize o marajá.
Haverá zulus e samurais, sarracenos e mongóis e um conflito virulento
Entre a a condição humana e o novo testamento.
Triunfará a diplomacia em Nagasaki e o xicote na Costa do Marfim.
E faremos filhos às mulheres deles, no fim.