Creio bem que o ecossistema literário português sofreu um abalo terra-transformador com o genial, surpreendente, assertivo e gargalhante texto que João Pedro George publicou a semana passada no Observador. Reparem só neste parágrafo:
"Em Portugal, pelos vistos, o único talento necessário para escrever 
livros é ser possuído, como aconteceu com a Virgem Maria, por uma 
espécie de sopro que engendra, sem os próprios escritores darem bem por 
isso, vindos não se sabe donde, romances, livros de poemas (incluindo 
edições de autor, edições críticas, edições definitivas, edições 
póstumas, etc.), temas, estilos, intrigas, personagens, diálogos, 
comparações, intertextualidades, polifonias, etc. Por exemplo, Caminho Como Uma Casa Em Chamas,
 o último romance de Lobo Antunes, apareceu-lhe há meses quando estava a
 descer o estore da sala (ao mesmo tempo que coçava os dedos dos pés na 
alcatifa, fazendo estalar as articulações). António Lobo Antunes sentiu 
uma reverberação, um repentino arrebatamento de energia. Algo 
golpeou-lhe depois a retina, os olhos moveram-se debaixo das pálpebras e
 lacrimejaram. Sem conseguir controlar a sua expressão e os músculos 
faciais, o corpo do escritor português começou a aumentar. Lobo Antunes 
empalideceu, benzeu-se e o suor correu-lhe pela cara. Sentiu uma 
vertigem e desmaiou. Quando despertou – “onde estou eu?!”, bradou –, viu
 em cima da secretária o novo livro."
Há momentos em que se percebe que ainda vive alguma inteligência, neste país Portugal.
