Texto publicado a 10/02/17 no Jornal Económico
Em boa hora decidiu a Quetzal, insígnia da Bertrand, reeditar em Portugal, no final de 2016, o belíssimo ‘Seda’, de Alessandro Baricco, estreado 20 anos antes e editado pela primeira em Portugal pela extinta Difel. Mario Vargas Llosa, prémio Nobel da Literatura em 2010, sintetiza este best seller assim: “É uma história misteriosa, lacónica, perfeita”. Em mais um exemplo do fascínio do Ocidente pelo Oriente, o autor de Turim traça-nos aqui a intrigante vida de Hervé Joncour, cujo pai lhe idealizava “um brilhante futuro no Exército”, mas que acabaria por ganhar a vida com um ofício insólito.
“Hervé viveu numa determinada região do sul de França, numa vila de nome Lavilledieu. Hélène era o nome da sua mulher”. Com as epidemias a grassar, viu-se obrigado a procurar os ovos dos bichos-da-seda, na Síria ou no Egito. Numa noite “sincopada por periódicos tragos de Pernod”, Balbadiou, seu amigo de idade incerta, amante de golfinhos, convence-o que, para sobreviver, “temos de conseguir chegar lá acima”. Ao Japão, “ao fim do mundo”.
A obra de Baricco retrata o fascínio pela viagem – na prática, quatro viagens ao longo da vidade Hervé Joncour entre o Sul de França e o Japão – do fascínio pelo outro, pelo contraste de culturas. E, por isso, se torna amigo do “mais inalcançável homem do Japão”, Hara Kei, “dono e senhor de tudo aquilo que o mundo conseguia levar para fora daquela ilha”. Hervé conta a sua vida a Hara Kei. O comércio dos bichos-da-seda entre os dois continentes está garantido. Mas não a paz de espírito do personagem principal deste livro porque se intromete na vida de Hervé uma jovem rapariga. Real, diáfana, mudou tudo. E Hervé volta cada vez mais depressa ao Japão, consumido pelo amor e pela paixão, mas regressa sempre a França e a Helène, senhora de pacientes esperas.
“Em Takaoka, Hervé Joncour embarcou num navio de contrabandistas holandeses que o levavam até Sabirk. Dali, percorreu a fronteira até ao lago Baical, atravessou quatro mil quilómetros de terra siberiana, transpôs os Urales, alcançou Kiev e percorreu de comboio toda a Europa de leste a oeste, até chegar, após três meses de viagem, a França. No primeiro domingo de abril - a tempo da grande missa - chegou às portas de Lavilledieu”. Foi sempre assim, menos na última viagem. Os bichos apodrecem no caminho e Hervé, vindo da guerra e da desilusão, perde a grande missa na terra-natal. O princípio do fim, enquanto o mundo acelera.
Um sobrescrito que Hervé recebe com carimbo da Flandres vai surpreender, mas, no final, ficam as imagens de uma luva e de um vestido laranja, e o afogar da solidão junto à campa de Hèléne, entretanto falecida. Ver a vida desenhada no lago e “morrer de saudade de uma coisa que nunca se irá viver”.