Por Nuno Miguel Silva
Texto publicado a 20/01/17 no Jornal Económico
1523. A Ordem dos Hospitalários de São João Jerusalém, uma organização que foi contribuinte líquida para as Cruzadas, é expulsa da ilha de Rodes pelo sultão otomano Solimão, o Magnífico. A Ordem muda-se com armas e bagagens para a ilha de Creta, onde permanece sete anos.
Em 1530, convencem o imperador Carlos V, líder do Sacro Império Romano-Germânico, a ceder-lhes as ilhas de Malta, Gozo e Trípoli. O imperador aceita com uma condição: todos os anos, a Ordem teria de lhe pagar o tributo de um falcão, fazendo sentir-lhes que Malta fazia parte de Espanha.
Com recursos vastos decorrentes dos saques sistemáticos a que se dedicava, a Ordem aceita o trato. E como prova da sua gratidão a Carlos V, em vez de lhe entregar um simples falcão, em versão natural, oferece ao imperador um maciço falcão de ouro, com 30 centímetros de altura, incrustado com as mais preciosas pedras.
Quatrocentos anos e inúmeras peripécias depois, ninguém sabe onde pára o valioso
falcão. Ninguém, não é bem o caso, como poderão descobrir depois de lerem a trama arquitetada por Dashiel Hammett no delicioso “O Falcão de Malta”, também conhe- cido por “A Relíquia Macabra”.
No desenrolar do enredo, surge-nos um dos detetives com a história mais fulminante da ficção policial (Miles Archer), uma verdadeira femme fatale (Miss Wonderly, aliás, Miss O’Shaughnessy) e um detetive impassível (Sam Spade).
Na procura da centenária estatueta andam ainda criminosos de diversos recortes. E não podia faltar um célebre par de polícias (o bom e o mau) que tentam investigar os assassinatos que vão pingando no decorrer da genial ação engendrada por Hammett, tendo São Francisco por pano de fundo.
O suspense vai subindo à medida que estas e outras personagens se vão cruzando, sendo surpreendente o desenlace, como convém. Sam Spade foi poupado, na trama, para nosso deleite em outras aventuras.
“O Falcão de Malta” regressou recentemente às livrarias portuguesas pelas mãos da Livros do Brasil, uma chancela que agora pertence à Porto Editora, numa coleção que replica a famosa Coleção Vampiro, que encantou leitores desde o final dos anos 40 do século passado até 2010.
Esta referência da literatura policial universal foi publicada pela primeira vez em 1930 e logo no ano seguinte foi passada ao cinema, mas só 10 anos mais tarde gerou outra obra-prima na tela: Sam Spade terá para sempre a pose e a voz de Humphrey Bogart, a femme fatale foi encarnada por Maryh Astor, Peter Lorre fez a sua estreia, assim como o realizador, um tal de John Houston. É considerado um dos melhores filmes de sempre.