Já há tanto tempo que não respeito a rotina de deixar, aqui no blog, registo das minhas leituras, que tenho uma pilha enorme de livros na secretária, à espera de serem cadastrados e depois arrumados na estante. Como a pilha está a ficar periclitante, vou ter que despachar isto de forma telegráfica antes que os tomos me caiam em cima da cabeça. E por partes, porque são muitos livros. Vamos a isso.
Em Busca do Tempo Perdido . Marcel Proust . Volumes I a IV . Relógio d'Água
A leitura da tradução que Pedro Tamen fez da obra eterna de Proust vai demorar mais tempo do que eu imaginava (já estou a ler isto desde 2005). Vai durar todo o tempo do mundo. E mais não digo porque sobre estes livros sempre vou deixando, de uma maneira ou de outra, notas de leitura aqui no blog.
Obras Completas . Jorge Luis Borges . Volumes I a III (1923 - 1985) . Editorial Teorema
Apesar de também se tratar de uma obra sem fim, literalmente sem fim, a sua leitura tem sido substancialmente mais rápida (estou a ler desde 2014). É claro que já tinha lido muita coisa deste deus da literatura antes de adquirir estas "Completas", mas Borges é Borges e vale sempre a pena reler. Também neste caso, o melhor é remeter para o que tenho escrito sobre o bibliotecário de Buenos Aires aqui no blog.
O Tango . Jorge Luis Borges . Quetzal
Muito a propósito, o meu querido amigo José Aguiar ofereceu-me este magnífico conjunto de quatro conferências que, curiosamente, perfazem uns bocados de literatura que não estão integrados nas "Obras Completas". Um detalhe muito saboroso desta feliz edição é o de captar com rigor a oralidade do velho mestre, a sua espontânea erudição, o processo alquímico do seu discurso, que é o mesmo que dizer, do seu pensamento. O assunto das conferências, por acaso, não é daqueles que mais me interessam no imaginário do autor, mas, outra vez, Borges é Borges e ler Borges - ou no caso, ouvi-lo - é uma das coisas realmente maravilhosas que a vida tem para oferecer.
Enciclopédia da História Universal . As Reincarnações de Pitágoras . Arquivos de Dresner . Mil Anos de Esquecimento . Biblioteca de Brasov . Afonso Cruz . Alfaguara
"Os monges bibliofitas não dizem que fecham um livro. A expressão usada para este gesto é 'apagar a luz'."
Por falar em Borges, o projecto labiríntico do genial Afonso cruz continua a bombardear os meus dias. Aos dois volumes que já registei em duas anteriores entradas da rubrica Jornal de Letras, somei a leitura destes quatro em titulo. Não sei, sinceramente, onde é que o Afonso vai buscar a imaginação para esta aventura híbrida entre a realidade e a fantasia, entre os vivos e os mortos, entre a improvisação do passado e a história do futuro. Rendo-me simplesmente ao talento enorme e tiro prazer incontável das páginas desta enciclopédia.
Amok . Stefan Zweig . Relógio d'Água
A história de um médico vítima de Amok, expressão indonésia que significa "lançar-se furiosamente na batalha" e que curiosamente faz parte do universo idiomático português ("deu-lhe um amok"). Apesar de tudo, trata-se de uma história de amor, contada por um dos mais atípicos novelistas alemâes da primeira metade do século XX. A novela não é de fácil digestão, apesar de ser breve, mas tem uma ambição clara e meritória: a descida vertiginosa às profundezas da alma humana.
Os Escritores Também Têm Coisas a Dizer . Carlos Vaz Marques . Tinta da China
Tenho sentimentos antípodas sobre Carlos Vaz Marques. Todo o meu ser se fecha na certeza de que se trata de um imbecil de primeira água, mas depois analiso o percurso e os projectos do sujeito, da direcção da revista Granta à moderação do Governo Sombra, e sinto claramente que devo refrear a velocidade dos meus instintos, porque alguma coisa de decente o tipo deve ter. Este livro de entrevistas, porém, encoraja-me a má língua. Carlos Vaz Marques entrevista uma dúzia de autores de língua portuguesa, de Saramago a Dulce Maria Cardoso, só para revelar que os meus instintos estão certos: se o entrevistador é um imbecil rematado, não há entrevistado que sobreviva. Um livro sofrível (até o título é bera) e ponto final.
Fisiologia do Gosto . Brillat-Savarin . Relógio d'Água
Advogado, juiz, presidente da Câmara de Belley, deputado girondino durante a primeira fase da Revolução Francesa, violinista virtuoso e afamado comensal, Brillat-Savarin deixou para a posteridade este livrinho que pretende dissecar cientificamente a cultura gastronómica humana. É um projecto pomposo, mas falhado e aborrecido, por muito que Roland Barthes, na introdução, tente salvar a coisa. Vale a pena, talvez e apenas, pela linguagem pseudo-científica do século XVIII, que dá vontade de rir.
I Think You're Totally Wrong . David Shields and Caleb Powell . Penguin Random House
Dois amigos, um pragmático e outro intelectual, decidem tirar uns dias de férias para se enfiarem numa cabana em nenhures de forma a terem total disponibilidade para discutirem sobre política, arte, religião, sexo e outras coisas assim disruptivas. Como a ideia fundamental é a do prazer da discórdia, o resultado é este divertido e dialéctico livrinho, carregado de um certo tipo caótico de inteligência, mas também de tolerância (não a tolerância de plástico que está em voga, mas a outra, que é própria dos espadachins). Nos dias que correm, em que é cada vez mais difícil manter a civilidade sobre as divergências, esta é uma edição deveras pedagógica.
Deste livro saiu um filme (ainda não vi). Eis o trailer: