Maquiavel e a Dama . Somerset Maugham . Livros do Brasil
Uma obra meio biográfica, meio ficcional, que relata uma paixoneta que Maquiavel entretém em Imola, enquanto procura desesperadamente convencer César Bórgia a não incluir Florença nos seus planos de conquista. Sendo escrito por quem é, um dos grandes mestres da novela, não admira que o leitor esteja perante um bocado magistral de literatura. Acresce que a tradução desta edição dos anos cinquenta é assinada por Erico Veríssimo, o que transforma este livrinho numa rara e preciosa jóia. Cinco estrelas.
Fanny Owen . Augustina Bessa-Luís . Guimarães Editores
Nunca tinha lido nada da Augustina e pensava que isso era uma lacuna grave. Depois de ler este enfadonho romance, percebi que fiz muitíssimo bem em ingorá-la durante tantos anos. Até Camilo Castelo Branco, um dos protagonista da rábula e que seria a todos os títulos um personagem literário de grande potencial, se torna um chato irrecuperável. Sendo que a obra, se assim lhe podemos chamar, tem como génese uma encomenda do Manuel de Oliveira para o seu filme "Francisca", não é de estranhar que se trate de uma estopada das antigas, mas ainda assim acho que não vou repetir o erro de voltar a pegar num livro escrito por esta senhora.
Mistérios de Lisboa . Camilo Castelo Branco . 3 vols . Parceria A. M. Ferreira Lda.
A propósito do Camilo, desde que descobri que tinha na cave as obras completas desta figura monumental (a propriedade da colecção é do meu sogro), tenho procurado ler alguma coisa para além d'O Judeu e da Queda de um Anjo, que já tinha lido há muitos anos, embora, claro está, tenha perfeita consciência que morrerei sem consumir nem um terço da coisa, porque o homem escreveu muito para lá daquilo que é admissível dar conta. Comecei por esta trilogia, que é deliciosa: um vasto conjunto de pequenas novelas sobre os intestinos emocionais, psicológicos e sociais da Lisboa do Século XIX, naquele registo ultra-romântico e meio decadente que caracteriza o imortal autor. Adorei, para dizer a verdade.
A Lógica do Dinheiro . Niall Ferguson . Temas e Debates
Este é um autor que sigo com zelo de discípulo porque se trata claramente de um dos mais brilhantes intelectuais ingleses da sua geração. Fiz a recensão crítica do seu "Colosso" aqui há uns três anos atrás, para o Deus Me Livro, e esta obra também merecia semelhante dedicação, para a qual não tenho vagar neste momento. Fica em vez disso - e se calhar melhor do que isso - um documentário poderoso que Ferguson realizou em 2016 sobre o tema do dinheiro. E uma nota só: alguma vez te passou pela cabeça, gentil leitor, que o dinheiro é o único elo de confiança verdadeiramente unânime que é possível estabelecer entre todos os povos da Terra? Sobre o dinheiro, e o seu valor não nominal, parecemos estar todos de acordo. É, na verdade, a única coisa sobre a qual todos concordamos no correr da história universal.
O Pátio Maldito . Ivo Andric . Cavalo de Ferro
Ivo Andric é um dos poucos Nobel que de facto mereceram o prémio nos últimos 70 anos. É claro que este Pátio Maldito não está no patamar olímpico de Uma Ponte Sobre o Drina, mas não deixa de ser uma novela intensa, saborosa e multi-dimensional sobre um monge cristão que é enfiado, por erro judicial, na pior prisão de Instambul. Excelente bocadinho de literatura.
O Arquipélago Gulag . Aleksandr Soljenítsin . Sextante Editora
Sempre tive uma enorme admiração por Soljenítsin, depois de ter lido O Pavilhão dos Cancerosos na adolescência. Mas, tendo absorvido posteriormente muita informação sobre a vida e a obra deste grande herói russo, este enorme guerreiro da liberdade, nunca mais li nada escrito por ele. Isso aconteceu só agora com este monumental documento que constitui factualmente um dos mais importantes contributos para a queda do Império Soviético.
Soljenítsin relata, com fôlego enciclopédico e coragem épica, todo o indiscriminado e absoluto horror dos campos de trabalho do regime dos sovietes. E fá-lo graças à recolha de milhares de casos concretos, de pessoas reais apanhadas na teia da mais sinistra aranha do século XX: a do totalitarismo comunista.
Testemunho impressionante da brutalidade e do niilismo a que chegou o poder soviético, O Arquipélago Gulag devia ser leitura obrigatória para os millenials deste mundo (e outros parvos mais velhos), que encaram o socialismo como uma receita plausível para os males da civilização.
Jordan B. Peterson redigiu o prefácio para uma recente edição em Inglês desta obra imortal. Aqui fica esse prefácio, lido por ele mesmo:
Curvas Ideais, Relações Desconhecidas e Outras Histórias da Matemática . Jorge Buescu . Gradiva
O meu estimado amigo Jorge Buesco é sem qualquer dúvida o grande divulgador da Matemática e da Física no nosso país e já aqui muito escrevi a propósito dos volumes que o emérito professor da FCUL tem editado pela Gradiva. Este novo conjunto de ensaios não foge à boa regra de ensinar ciência a leigos através do recurso às histórias que estão por trás das descobertas, dos cálculos e dos teoremas. Das ondas gravitacionais (e respectivas hesitações de Einstein) aos problemas do tráfego automóvel, da geometria de Almada Negreiros ao Bitcoin, mergulhamos com o Professor num universo de charadas e enigmas, de falhanços e de glórias, de ideias terra-transformadoras e episódios recambulescos para ficarmos um bocadinho mais sábios.
Se gostas de ler sobre ciência, gentil leitor, compra e lê todos os livros do Professor Buescu.
Cem Provérbios Chineses . Recolha e comentários de Fan Wixin . Instituto cultural de Macau
Os proverbios chineses não são bem um equivalente dos provérbios como os entendemos em Portugal. Os nossos provérbios têm origem na sabedoria popular. Os provérbios chieneses tâm origem na erudição histórica. O que os torna bem mais interessantes.
Por exemplo, para dizer que não se deve julgar ninguém de forma definitiva, sem ter em conta a sua capacidade de evoluir no tempo, um chinês recorre ao seguinte provérbio: "ao fim de três dias sem ser visto, um homem deve ser olhado com outros olhos". A máxima tem origem numa história que decorre entre os anos 20 e 80 da nossa era, no chamado Período dos Três Reinos. Um general analfabeto, Lu Mong, valente mas intelectualmente desconsiderado, é destacado pelo seu rei para um palco operacional de grande complexidade. Três anos depois é visitado por Lu Su, o Ministro da Guerra, que verifica, espantado, que Lu Mong tinha resolvido os problemas militares com mestria táctica, inovando sobre a doutrina da guerra. Perante o pasmo do ministro, Lu Mong contrapõe a frase proverbial, que fica para a posteridade.
Este livro é uma verdadeira montanha de sabedoria e erudição oriental, cuja leitura me deu um prazer enorme.