é o de ouvir Feeder.
Feeder . Daily Habit
sábado, novembro 30, 2019
sexta-feira, novembro 29, 2019
Como humilhar um campeão do mundo.
Por uma qualquer pipa de massa a Polyphony conseguiu convencer Lewis Hamilton a marcar tempos em vários circuitos do GT Sport. Erro monumental para o actual campeão do mundo de Fórmula 1, competição que conquistou pela sexta vez, já que está a ser copiosamente batido por montes de gente. Gente como Steve Brown, o célebre youtuber Super GT, que dizima todos os tempos do seu glamoroso compatriota com uma calminha incrível, enquanto conversa com a malta e, em boa parte dos casos, depois de umas poucas tentativas apenas. Convenhamos: não há moeda no mundo que pague este bailareco.
Lewis Hamilton, que precisa de dinheiro como o diabo de um micro-ondas, podia ter poupado o ego a esta exposição pornográfica. Apesar de ser a primeira vez que a Polyphony disponibiliza um DLC pago para o GT Sport, e de este update não ter mais que 48 horas, já foram registados online centenas (milhares?) de tempos inferiores, em todos os circuitos da competição. É um bocado triste, pensando bem. Porque na sua profissão Hamilton também tem que correr - e corre - em simuladores. E, pelo menos no campo dos simuladores, perde 1 segundo por volta para muita gente, pá.
Sinceramente.
Lewis Hamilton, que precisa de dinheiro como o diabo de um micro-ondas, podia ter poupado o ego a esta exposição pornográfica. Apesar de ser a primeira vez que a Polyphony disponibiliza um DLC pago para o GT Sport, e de este update não ter mais que 48 horas, já foram registados online centenas (milhares?) de tempos inferiores, em todos os circuitos da competição. É um bocado triste, pensando bem. Porque na sua profissão Hamilton também tem que correr - e corre - em simuladores. E, pelo menos no campo dos simuladores, perde 1 segundo por volta para muita gente, pá.
Sinceramente.
quarta-feira, novembro 27, 2019
Os convidados eléctricos do costume estão em grande forma.
Electric Guest. O duo dinâmico que é amigo deste blog desde 2013 está de volta com "Kin". O tema de abertura cai lindamente no ouvido, logo à primeira audição. É groovy à brava. É feliz nos tímpanos e alegre nos tornozelos. É um chá dançante, que dá vontade de acordar para a vida.
Electric Guest . Dollar
Electric Guest . Dollar
terça-feira, novembro 26, 2019
Impeachment bullshit.
São todos diplomatas, os quatro cabeças de cartaz das audições do impeachment ao actual Presidente dos Estados Unidos da América, acusado de usar apoio militar e financeiro à Ucrânia em troca de uma investigação às muito suspeitas relações entre a família Biden e este país.
William Taylor, o actual embaixador para a Ucrânia, testemunhou que ouviu alguém dizer que Trump estava a fazer chantagem.
Alexander Vindman, Tenente-Coronel com assento no National Security Coucil, veio dizer que também ouviu falar nisso. E que o Presidente é um tipo horrível.
Marie Yovanovitch, a ex-embaixadora na Ucrânia, jurou que estava muito magoada e triste por ter sido despedida por Donald Trump e assustada por causa dos tweets do Presidente.
Gordon Sondland, o embaixador para a União Europeia, depôs que nunca recebeu instruções directas de Donald Trump para fazer chantagem com a Ucrânia. Que ele chegou sozinho, em exercício especulativo, à conclusão de que a intenção do seu patrão era essa. E que julgava que fazer chantagem com a Ucrânia não era um crime. Que era natural nas bárbaras relações entre estados a que chamamos eufemisticamente diplomacia.
Portanto, as audições acabaram sem produzir um vestígio de evidência que possibilite a prova de crime praticado e um impeachment de carácter legal, ou a demonstração directa e inequívoca de matéria de tal forma censurável que justificasse um impeachment de carácter político.
Ouvir dizer não faz prova de nada, como o mais medíocre dos juristas sabe bem; o carácter dos presidentes não é constitucionalmente mensurável; os sentimentos feridos dos diplomatas não contam para o totobola e matar o tédio com tweets inconvenientes e de mau gosto retórico também não é um crime, até ver. Por fim, despedir diplomatas é um privilégio constitucional de qualquer presidente americano. Obama despediu todos os nomeados por Bush e a prática é, historicamente, recorrente.
As audições correram tão mal que o Partido Democrata está agora perante uma muito complicada questão operacional: se deixa cair o processo, admite a derrota, depois de ter prometido a vitória, que foi previamente anunciada ad nauseum pela CNN e pela MSNBC e pelo Washington Post e Pelo New York Times. Se prossegue com a votação necessária em Congresso para que o processo transite para o Senado, corre sérios riscos sem nenhum benefício. Para já, porque não é líquido que todos os congressistas democratas votem a favor da impugnação (terão depois que prestar difíceis contas ao seu círculo eleitoral). Por outro lado, a maioria republicana no Senado nunca irá votar favoravelmente, com total ausência de provas, a remoção de um presidente eleito e o processo pode rapidamente virar-se contra os procuradores iniciais. Adam Schiff (o Intelligence Committee Chairman e never trumper que lidera e iniciou o processo), os Biden e outros figurões ligados à intriga, não querem ser apanhados no banco de testemunhas do actual Senado americano. Ou vão mentir, o que na situação dá cadeia, ou vão passar um péssimo bocado. Isto é certo.
Mais a mais, as sondagens apontam neste momento para uma significativa descida na percentagem dos cidadãos americanos que apoiam a intenção de correr com Trump da Casa Branca, desta forma assim niilista.
Em conclusão, este impeachment não passou na verdade de uma péssima manobra política de que os democratas se vão arrepender amargamente em novembro de 2020. A não ser, claro, que Michelle Obama decida entrar na corrida das primárias. É que não há mesmo mais ninguém capaz de tirar Donald Trump da Sala Oval.
Uma última nota: se queres saber o que se passa nos Estados Unidos - ambição complicada, gentil leitor - não acredites em nada, mas nem numa vírgula dos jornais portugueses. E não acredites também numa só entidade da imprensa americana. Como 90% dela ainda mente mais do que a redacção do Observador consegue mentir (e são bastante mentirosos, estes rapazinhos), tens que passar umas boas horas a ler mentiras da esquerda e mentiras da direita para chegares a ter uma vaga ideia do que realmente se passa. Começa a ser bastante nítido que o jornalismo morreu, algures no fim do século XX.
domingo, novembro 24, 2019
Dirt 2.0: nos limites da simulação.
Este jogo está a matar-me, basicamente. A física é excelente (a melhor de sempre para um simulador de ralis), os gráficos melhoraram bastante, as condições climatéricas e de piso são diversas, complexas e imprevisíveis e o potencial de imersão é brutal, mesmo sem PSVR, porque a CodeMasters, inexplicavelmente, decidiu desta vez oferecer a realidade virtual apenas aos clientes PC.
O problema é que a coisa começa a ficar muito difícil a partir do nível Elite. Cometes um erro e já foste. Nem quero pensar no stress que vai ser quando chegar ao Masters.
O problema é que a coisa começa a ficar muito difícil a partir do nível Elite. Cometes um erro e já foste. Nem quero pensar no stress que vai ser quando chegar ao Masters.
Orquestra Folk.
Nesta interpretação alucinante de "Foggy Mountain" divertem-se loucamente 13 músicos. Até Steve Martin, o comediante de Hollywood, dá um jeitinho. Reina a boa disposição, o virtuosismo e, imperial, o banjo do grande Earl Scruggs. A energia e a alegria desta música funciona como uma espécie de Prozac. Uma espécie de jazz jovial que é absolutamente espectacular. Cada vez gosto mais de Folk americano.
Earl Scruggs and Friends . Foggy Mountain Breakdown
Earl Scruggs and Friends . Foggy Mountain Breakdown
Mais Haikus do Tempo Suspenso
A melga é insignificante.
Mas a picada
não.
Vivi uma vida boa e cheia e
podia morrer agora e
no entanto.
O Facebook não se cala
e eu também não.
Fazemos uma barulheira enorme.
Às escondidas do seu polido humanismo
o Presidente da República
coça os tomates.
O grande estadista é vizinho
do torneiro mecânico.
No cemitério.
Não consigo escrever versos
tão curtos como o Kobayashi -
Tagarela!
O talento é uma virtude
para aqueles que não têm
outra.
O besouro é um bicho horroroso.
Ainda assim,
tem asas.
Se tivesse nascido no Japão
era mais íntimo
de Deus.
Não há um Sapiens igual ao outro.
A não ser quando se sentam
na sanita.
De serem tão populares
os santos
são laicos.
Não estamos sós,
diz a National Geographic.
Ninguém responde.
Os meus haikus são tão beras
como o rock
alemão.
Não faço contas às 17 sílabas
do cânone nipónico -
Barco à vela, com motor.
O preço de um lugar ao sol:
as putas das moscas
não me largam.
sábado, novembro 23, 2019
Folk de verdade.
1972. Earl Scruggs, o grande virtuoso do banjo, faz uma visita a Joan Baez. E é claro que esta visita só podia ficar para a história do Folk americano, até porque Scruggs traz consigo o cineasta David Hofman, que regista o momento para a posteridade. Neste excerto, Baez interpreta um famoso tema composto para ela por Bob Dylan, Love Is Just a Four Letter Word, que me deixa completamente arrepiado. E nostálgico de uma era que não foi a minha. Seis estrelas em cinco possíveis.
Seems like only yesterday
I left my mind behind
Down in the Gypsy Cafe
With a friend of a friend of mine
She sat with a baby heavy on her knee
Yet spoke of life most free from slavery
With eyes that showed no trace of misery
A phrase in connection first with she I heard
That love is just a four-letter word
Outside a rambling store-front window
Cats meowed to the break of day
Me, I kept my mouth shut, too
To you I had no words to say
My experience was limited and underfed
You were talking while I hid
To the one who was the father of your kid
You probably didn't think I did, but I heard
You say that love is just a four-letter word
I said goodbye unnoticed
Pushed towards things in my own games
Drifting in and out of lifetimes
Unmentionable by name
Searching for my double, looking for
Complete evaporation to the core
Though I tried and failed at finding any door
I must have thought that there was nothing more
Absurd than that love is just a four-letter word
Strange it is to be beside you
Many years and tables turned
You'd probably not believe me
If I told you all I've learned
And it is very, very weird indeed
To hear words like forever plead
Those ships run through my mind, I cannot cheat
It's like looking in the teacher's face complete
I can say nothing to you but repeat what I heard
That love is just a four-letter word
Seems like only yesterday
I left my mind behind
Down in the Gypsy Cafe
With a friend of a friend of mine
She sat with a baby heavy on her knee
Yet spoke of life most free from slavery
With eyes that showed no trace of misery
A phrase in connection first with she I heard
That love is just a four-letter word
Outside a rambling store-front window
Cats meowed to the break of day
Me, I kept my mouth shut, too
To you I had no words to say
My experience was limited and underfed
You were talking while I hid
To the one who was the father of your kid
You probably didn't think I did, but I heard
You say that love is just a four-letter word
I said goodbye unnoticed
Pushed towards things in my own games
Drifting in and out of lifetimes
Unmentionable by name
Searching for my double, looking for
Complete evaporation to the core
Though I tried and failed at finding any door
I must have thought that there was nothing more
Absurd than that love is just a four-letter word
Strange it is to be beside you
Many years and tables turned
You'd probably not believe me
If I told you all I've learned
And it is very, very weird indeed
To hear words like forever plead
Those ships run through my mind, I cannot cheat
It's like looking in the teacher's face complete
I can say nothing to you but repeat what I heard
That love is just a four-letter word
quinta-feira, novembro 21, 2019
De P20 a P3 ou uma corrida perfeita.
Carlos Sainz jr. tem dado nas vistas, ao volante do seu Mclaren F1. Mas no fim de semana passado, em Interlagos, excedeu-se, nitidamente. Relegado logo na primeira qualificação para a última posição da grelha por motivos mecânicos, o espanhol fez pela vida, ultrapassou uma quantidade significativa de gente, foi feliz na paragem nas boxes e cruzou a linha de meta num circense quarto lugar. Com o (mais que justo) castigo aplicado a Lewis Hamilton, acabou por subir ao pódio.
A Fórmula 1 está finalmente a oferecer momentos de espectáculo aos seus dedicados fans e a época de 2019 tem sido prolixa em emoção e condução. Sainz, o smooth operator, é muito responsável por isso.
A Fórmula 1 está finalmente a oferecer momentos de espectáculo aos seus dedicados fans e a época de 2019 tem sido prolixa em emoção e condução. Sainz, o smooth operator, é muito responsável por isso.
Insane pit stop.
Os recordistas mundiais da operação de boxes, experimentam a imponderabilidade. É uma idiotia. Mas é uma idiotia espectacular.
No safe sounds.
A bombar pop/rock alternativo desde 1988 (!) os Ride fazem parte da minha juventude e, pelos vistos, da minha meia idade também. Disco espectacular, este "This Is Not a Safe Space". Entre New Order e Jesus and Mary Chain, havia espaço para estas músicas. Não é um espaço seguro. E ainda bem.
Ride . Future Love
Ride . Future Love
sexta-feira, novembro 15, 2019
Antes do destino, a precipitação.
Pensei que o meu querido amigo Márcio Candoso, insigne jornalista, máximo poeta, estrela do Facebook e esporádico colaborador deste blog, tinha desistido de editar o seu magnífico segundo livro de Poemas, que ele me pediu para prefaciar, e como já tinham passado uns bons dois anos sobre a redacção desse texto introdutório, publiquei-o no outro dia aqui no blog. Precipitei-me, nitidamente, porque "Antes do Destino" foi lançado ontem, na Ler Devagar.
Os versos do Márcio são de um tamanho enorme, apesar de se tratar de um pequeno livro. Se o virem numa livraria, e se gostam de poesia, comprem, que vale muitíssimo a pena.
Como retirei o post precipitado, volto a publicar o prefácio desta feliz edição da Orfeu.
____________
A obra como destino. Um prefácio inútil.
Se é maior ser um Deus, que diz apenas
Com a vida o que o Homem com a voz:
Maior ainda é ser como o Destino
Que tem o silêncio por seu hino
E cuja face nunca se mostrou.
Fernando Pessoa
O Márcio não simpatiza com Pessoa por aí além e não vai gostar que o prefácio a este seu segundo livro de poemas comece como começa. Mas o Márcio, como qualquer outro grande poeta, não percebe realmente nada sobre a própria e sobre a alheia grandiosidade. É aliás precisamente por isso que os poetas devem agradecer à humanidade pela esquizofrénica existência de críticos literários e outros inócuos escribas que conseguem escrever coisas tão inócuas como prefácios.
Há no entanto uma verdade que permanece na lírica do célebre antagonista: o destino tem mais poder que deuses e homens. E, aqui, o Márcio estará certamente de acordo comigo e com o bom e velho Fernando: o seu primeiro livro de poemas queria ser - e verdadeiramente era - uma pedrada de tal forma permanente no charco efémero das letras escritas em Português que lhe decidiu chamar "Antes do Destino". Estas coisas não acontecem por acaso, e se há coisas que não acontecem por acaso são os versos do Márcio Alves Candoso. Pelo contrário, há uma probabilidade estatística de surgirem como surgem, dada a aversão que a natureza tem pela página em branco e apesar da arbitrariedade das variáveis inclusas na equação do poema.
Na Física e no amor
Não há espaço para vazios
(Sejam de volume ou de área)
E p'ra esvaziar a dor
A ordem de qualquer factor
É por demais arbitrária!
Leis naturais à parte, o leitor mais esclarecido, mesmo que ainda no seu primeiro café da manhã, reparará inevitavelmente que este é um compêndio de versos imensamente carregado de um sentido existencial - não necessariamente existencialista - que é, no século XXI, de uma raridade arrepiante. Este fervor da vida concreta é, claro, para-ideológico: o poeta é de esquerda e de direita, nacionalista e internacionalista, conservador e liberal, reaccionário e revolucionário consoante a raiva que viaja no verso.
Eu vou
Vou de camisa preta, sangue vermelho
e dignidade imaculada
Vou de preto - a cor do meu luto por este
País que me estragaram
Vou de vermelho - porque é a minha força e guerra
(...)
Não vou à esquerda, nem à direita
nem muito menos ao centro... Vou acima
Levo comigo Viriato, comer a carne e o osso
Levo Afonso, que não quer
ser protectorado de ninguém...
Levo o Gama que me ensina o vento
Levo a pena e a espada
Levo os meus porque sou deles.
Levo os que não admitem
menos do que ficar na História
Este recurso recorrente à contradição em favor da coerência lírica é menos diletante do que militante. O Márcio Alves Candoso faz parte daquela espécie de cosmopolitas ao contrário que Voltaire gostava de convidar para jantar fora e esse cosmopolitismo de pernas para o ar torna-se de tal forma niilista, de tal forma inquiridor, que arrasa com os semáforos do bom senso e deixa o leitor com os pontos cardeais embrulhados num novelo electro-magnético de difícil resolução técnica.
Se eu fugir atordoado
para as montanhas do Nepal
e me passar para o Dalai la-rai-la-rai-lai-lai-Lama
serei mais feliz do que fumando
Lucky Strike numa reunião em Roma?
Mas atenção: diversos, intrincados e intrinsecamente paradoxais como são, os poemas aqui constantes não são passatempos, charadas, sudokus. Não são exercícios estilísticos ou panfletários; deseducados desafios à sensibilidade ou irritantes provocações à inteligência. Não são textos ensaísticos e armados em espertos nem trazem a promessa de uma qualquer terapia. Estes poemas não são de auto-ajuda nem recomendam dietas. Não são atenciosos com a forma como, por exemplo, são escravos do ritmo (o Márcio chama-lhe jazz). Não são preocupados com axiomas como são, assumida e distraidamente, enormes esponjas da história universal das boas ideias literárias venham-lá-elas-de-onde-vierem. Não respeitam especialmente as escolas, os maneirismos, os comodismos e as outras todas e resignadas abstrações da identidade. São cimento concreto, armado, com ferro lá dentro. São substanciais como um bife mal passado, prestes a ser devorado por Schopenhauer. São densos como as alegorias de Platão, mas sem a pretensão da fábula. São intensos como a cerveja de Rimbaud, mas não clamam pelo inferno. São sábios como os ensinamentos dos profetas, mas sem o LSD que foi preciso para umas semanas de deserto. São como os auto-retratos condenados à imperfeição do perfeccionista que era Rembrandt. Procuram, afinal como todos nós procuramos, um justo caminho para a salvação.
Não és nada, apenas um retrato a sépia de trunfa
mal iluminada, betume de interior do espaço
tão vazio como a cabeça dos que param
contigo à mesa dos medíocres orçamentos
do bafio dos ventos condicionados,
e do esquiço da aguarela mal pintada.
E interessa, isso? É postiço, praga!
E entesa? Não entesa nada!
Poesia lapidar, uma especialidade da apurada cozinha do autor. Mesmo quando se escrevem mais palavras, sempre, do que aquelas que surgem na impressão do menu. A maior parte das palavras que o Márcio despeja por cima do leitor nem precisam sequer da cumplicidade tecnológica de Gutenberg. Não têm necessidade do pigmento para estarem lá explícitas e para serem alegremente despejadas. Ficam gloriosas no que o verso deixa por dizer. E é por isso que tantas das estrofes deste livro são na verdade fantasmáticas. O poeta é uma manipulador único do fenómeno poltergeist a que usualmente chamamos magia negra. E o máximo feitiço desta poesia é que transcende até a necessidade da entrelinha. Ao invés da interpretação académica, temos a íntima, e assim profusa, liberdade de intuição. A leitura destas páginas traz a carne de cada um para fora da pele:
Quando pintaste a sacada, lembras-te?
Era eu que recitava a cor do Douro
E o Rio de la Plata, e o tango,
e a minha gravata e os teus chinelos
E esta é a pedagogia que toda a literatura deve trazer agarrada. Porque todos nos lembramos dos chinelos de cada situação, mesmo a mais romântica. Até a mais ridícula. Somos todos o Márcio, com a diferença absoluta de que só o Márcio é que soube escrever um poema com os chinelos e a gravata da comédia que todos nós guardamos em nós. O leitor será, prometo, invariavelmente apanhado em cuecas.
Neste sofisticado showroom da roupa interior da alma, não deixa, claro, de se exibir o grande romântico. Mas, convenhamos, a atitude romanesca que nos é sugerida em “Quando Tudo Era Tanto” deixaria Petrarca em estado de choque. A eterna Laura, musa medieva dos sonetos de métrica perfeita, é agora, setecentos anos depois, atingida com versos carregados electricamente com a alta voltagem do pragmatismo cínico - e todavia sincero - do homem pós-moderno.
Desculpa-me se te perco,
desculpa se não te chamo
eu descuido-me, incerto
na certeza que te tenho.
Deve porém o prefaciador alertar o paciente leitor: articular sobre o amor segundo o poeta Candoso é uma tarefa por demais ambiciosa e, porventura, vã. O diagnóstico do papel da mulher na sua poesia é, no mínimo, reservado. Gentil e paciente, materialista e exigente, a musa oscila com frequência assustadora entre a deusa, que excita até a fé dos ateus, e a vilã de telenovela venezuelana, que anula completamente o libido ao mais latino dos escribas.
Sei quase tudo de ti
Quando esperas, quando chegas primeiro
quando feres, quando raios que me partes
em cima, quando gostas dos meus ares
e imperas, ou lá o que é, quando sentes
no teu pé de laranja lima
como se eu me chamasse Zezé
e ainda por baixo
fosse pobre e muito pouco macho.
É claro que há sempre uma vulnerabilidade, quase clássica, sempre ridícula, na voz lírica que se atreve à confissão passional. Mas essa fraqueza, esse saber certo que existe em cada homem de que em cada mulher há uma fortaleza inexpugnável, é rapidamente transcendida através do recurso à mais rude sobranceria, também ela de gosto romano:
Agora ficas a saber tanto como eu
das vitórias e dos meus escombros
Vê se ficas calada e abres finalmente a boca.
Eu tenho do Céu o canto que te cometo
o fogo de Prometeu
e da próxima prometo que te encho a Alma
até ao útero.
Além do mais, o Márcio Alves Candoso - é preciso dizer isto - não tem uma enorme devoção por Homero, ou por Virgílio, ou por Cícero, ou por Hesíodo ou até por Juvenal, de quem herdou tantas comichões. O que não deixa de ser estrondosamente divertido, porque os versos dele são construídos daquela forma tão antiga como a literatura, em que os adjectivos passam rapidamente a substantivos por serem prodigiosamente poderosos e de tal forma colocados no seu perfeito lugar frásico que realmente fazem romba a navalha de Occam. Há em Marte Bendito, por exemplo, o claro sabor clássico de Camões (embora remixado numa versão Ridley Scott):
E a mim, Marte, chegaram os humanos
Em dia obscuro, com pesados instrumentos
O tormento que passaram foi bem claro
Mas recebi-os e aos sorrisos que então deram.
Que ao passar nesta atmosfera onde me empenho
Em mares que eles nunca ultrapassaram,
Só lhes deixo este conselho, que é fecundo
Bem vindos, a outra terra, a outro mundo!
E depois, claro, sempre conseguimos encontrar nesta proverbial maneira de dizer coisas absolutamente não proverbiais, o escárnio de um escrevinhador furioso que não tem medo de ninguém - e neste caso, podemos bem dizer que o homem é a sua literatura e vice-versa:
Livro, sou mais livre e tu definhas
como os teus secredos publicados
em linhas tortas.
“Quando Tudo Era Tanto” é uma espécie de manual de sobrevivência para as gerações vindouras, exactamente da mesma forma que o protocolo diplomático dos Xogun do século XVI, no Japão momentaneamente tolerante para com jesuítas e outros alienígenas, ajudou bastante a burocracia imperial do país no fim dos anos novecentos: ou te adaptas ao sexo oral que cada cliente exige ou vais à guerra. Nem é preciso dizer que nos versos que aqui encontrarás, gentil leitor, está todo o conflito bélico entre aquilo que o homem quer e aquilo que o homem tem. E se aquilo que o homem tem são uns quantos poemas (não necessariamente os que desejaria, mas os que estão escritos), será talvez melhor que sejam impressos. Será talvez melhor que sejam lidos.
Viste o filme? Corta agora! E manda publicar a fita.
____________
Paulo Hasse Paixão
Março de 2017
Os versos do Márcio são de um tamanho enorme, apesar de se tratar de um pequeno livro. Se o virem numa livraria, e se gostam de poesia, comprem, que vale muitíssimo a pena.
Como retirei o post precipitado, volto a publicar o prefácio desta feliz edição da Orfeu.
____________
A obra como destino. Um prefácio inútil.
Se é maior ser um Deus, que diz apenas
Com a vida o que o Homem com a voz:
Maior ainda é ser como o Destino
Que tem o silêncio por seu hino
E cuja face nunca se mostrou.
Fernando Pessoa
O Márcio não simpatiza com Pessoa por aí além e não vai gostar que o prefácio a este seu segundo livro de poemas comece como começa. Mas o Márcio, como qualquer outro grande poeta, não percebe realmente nada sobre a própria e sobre a alheia grandiosidade. É aliás precisamente por isso que os poetas devem agradecer à humanidade pela esquizofrénica existência de críticos literários e outros inócuos escribas que conseguem escrever coisas tão inócuas como prefácios.
Há no entanto uma verdade que permanece na lírica do célebre antagonista: o destino tem mais poder que deuses e homens. E, aqui, o Márcio estará certamente de acordo comigo e com o bom e velho Fernando: o seu primeiro livro de poemas queria ser - e verdadeiramente era - uma pedrada de tal forma permanente no charco efémero das letras escritas em Português que lhe decidiu chamar "Antes do Destino". Estas coisas não acontecem por acaso, e se há coisas que não acontecem por acaso são os versos do Márcio Alves Candoso. Pelo contrário, há uma probabilidade estatística de surgirem como surgem, dada a aversão que a natureza tem pela página em branco e apesar da arbitrariedade das variáveis inclusas na equação do poema.
Na Física e no amor
Não há espaço para vazios
(Sejam de volume ou de área)
E p'ra esvaziar a dor
A ordem de qualquer factor
É por demais arbitrária!
Leis naturais à parte, o leitor mais esclarecido, mesmo que ainda no seu primeiro café da manhã, reparará inevitavelmente que este é um compêndio de versos imensamente carregado de um sentido existencial - não necessariamente existencialista - que é, no século XXI, de uma raridade arrepiante. Este fervor da vida concreta é, claro, para-ideológico: o poeta é de esquerda e de direita, nacionalista e internacionalista, conservador e liberal, reaccionário e revolucionário consoante a raiva que viaja no verso.
Eu vou
Vou de camisa preta, sangue vermelho
e dignidade imaculada
Vou de preto - a cor do meu luto por este
País que me estragaram
Vou de vermelho - porque é a minha força e guerra
(...)
Não vou à esquerda, nem à direita
nem muito menos ao centro... Vou acima
Levo comigo Viriato, comer a carne e o osso
Levo Afonso, que não quer
ser protectorado de ninguém...
Levo o Gama que me ensina o vento
Levo a pena e a espada
Levo os meus porque sou deles.
Levo os que não admitem
menos do que ficar na História
Este recurso recorrente à contradição em favor da coerência lírica é menos diletante do que militante. O Márcio Alves Candoso faz parte daquela espécie de cosmopolitas ao contrário que Voltaire gostava de convidar para jantar fora e esse cosmopolitismo de pernas para o ar torna-se de tal forma niilista, de tal forma inquiridor, que arrasa com os semáforos do bom senso e deixa o leitor com os pontos cardeais embrulhados num novelo electro-magnético de difícil resolução técnica.
Se eu fugir atordoado
para as montanhas do Nepal
e me passar para o Dalai la-rai-la-rai-lai-lai-Lama
serei mais feliz do que fumando
Lucky Strike numa reunião em Roma?
Mas atenção: diversos, intrincados e intrinsecamente paradoxais como são, os poemas aqui constantes não são passatempos, charadas, sudokus. Não são exercícios estilísticos ou panfletários; deseducados desafios à sensibilidade ou irritantes provocações à inteligência. Não são textos ensaísticos e armados em espertos nem trazem a promessa de uma qualquer terapia. Estes poemas não são de auto-ajuda nem recomendam dietas. Não são atenciosos com a forma como, por exemplo, são escravos do ritmo (o Márcio chama-lhe jazz). Não são preocupados com axiomas como são, assumida e distraidamente, enormes esponjas da história universal das boas ideias literárias venham-lá-elas-de-onde-vierem. Não respeitam especialmente as escolas, os maneirismos, os comodismos e as outras todas e resignadas abstrações da identidade. São cimento concreto, armado, com ferro lá dentro. São substanciais como um bife mal passado, prestes a ser devorado por Schopenhauer. São densos como as alegorias de Platão, mas sem a pretensão da fábula. São intensos como a cerveja de Rimbaud, mas não clamam pelo inferno. São sábios como os ensinamentos dos profetas, mas sem o LSD que foi preciso para umas semanas de deserto. São como os auto-retratos condenados à imperfeição do perfeccionista que era Rembrandt. Procuram, afinal como todos nós procuramos, um justo caminho para a salvação.
Não és nada, apenas um retrato a sépia de trunfa
mal iluminada, betume de interior do espaço
tão vazio como a cabeça dos que param
contigo à mesa dos medíocres orçamentos
do bafio dos ventos condicionados,
e do esquiço da aguarela mal pintada.
E interessa, isso? É postiço, praga!
E entesa? Não entesa nada!
Poesia lapidar, uma especialidade da apurada cozinha do autor. Mesmo quando se escrevem mais palavras, sempre, do que aquelas que surgem na impressão do menu. A maior parte das palavras que o Márcio despeja por cima do leitor nem precisam sequer da cumplicidade tecnológica de Gutenberg. Não têm necessidade do pigmento para estarem lá explícitas e para serem alegremente despejadas. Ficam gloriosas no que o verso deixa por dizer. E é por isso que tantas das estrofes deste livro são na verdade fantasmáticas. O poeta é uma manipulador único do fenómeno poltergeist a que usualmente chamamos magia negra. E o máximo feitiço desta poesia é que transcende até a necessidade da entrelinha. Ao invés da interpretação académica, temos a íntima, e assim profusa, liberdade de intuição. A leitura destas páginas traz a carne de cada um para fora da pele:
Quando pintaste a sacada, lembras-te?
Era eu que recitava a cor do Douro
E o Rio de la Plata, e o tango,
e a minha gravata e os teus chinelos
E esta é a pedagogia que toda a literatura deve trazer agarrada. Porque todos nos lembramos dos chinelos de cada situação, mesmo a mais romântica. Até a mais ridícula. Somos todos o Márcio, com a diferença absoluta de que só o Márcio é que soube escrever um poema com os chinelos e a gravata da comédia que todos nós guardamos em nós. O leitor será, prometo, invariavelmente apanhado em cuecas.
Neste sofisticado showroom da roupa interior da alma, não deixa, claro, de se exibir o grande romântico. Mas, convenhamos, a atitude romanesca que nos é sugerida em “Quando Tudo Era Tanto” deixaria Petrarca em estado de choque. A eterna Laura, musa medieva dos sonetos de métrica perfeita, é agora, setecentos anos depois, atingida com versos carregados electricamente com a alta voltagem do pragmatismo cínico - e todavia sincero - do homem pós-moderno.
Desculpa-me se te perco,
desculpa se não te chamo
eu descuido-me, incerto
na certeza que te tenho.
Deve porém o prefaciador alertar o paciente leitor: articular sobre o amor segundo o poeta Candoso é uma tarefa por demais ambiciosa e, porventura, vã. O diagnóstico do papel da mulher na sua poesia é, no mínimo, reservado. Gentil e paciente, materialista e exigente, a musa oscila com frequência assustadora entre a deusa, que excita até a fé dos ateus, e a vilã de telenovela venezuelana, que anula completamente o libido ao mais latino dos escribas.
Sei quase tudo de ti
Quando esperas, quando chegas primeiro
quando feres, quando raios que me partes
em cima, quando gostas dos meus ares
e imperas, ou lá o que é, quando sentes
no teu pé de laranja lima
como se eu me chamasse Zezé
e ainda por baixo
fosse pobre e muito pouco macho.
É claro que há sempre uma vulnerabilidade, quase clássica, sempre ridícula, na voz lírica que se atreve à confissão passional. Mas essa fraqueza, esse saber certo que existe em cada homem de que em cada mulher há uma fortaleza inexpugnável, é rapidamente transcendida através do recurso à mais rude sobranceria, também ela de gosto romano:
Agora ficas a saber tanto como eu
das vitórias e dos meus escombros
Vê se ficas calada e abres finalmente a boca.
Eu tenho do Céu o canto que te cometo
o fogo de Prometeu
e da próxima prometo que te encho a Alma
até ao útero.
Além do mais, o Márcio Alves Candoso - é preciso dizer isto - não tem uma enorme devoção por Homero, ou por Virgílio, ou por Cícero, ou por Hesíodo ou até por Juvenal, de quem herdou tantas comichões. O que não deixa de ser estrondosamente divertido, porque os versos dele são construídos daquela forma tão antiga como a literatura, em que os adjectivos passam rapidamente a substantivos por serem prodigiosamente poderosos e de tal forma colocados no seu perfeito lugar frásico que realmente fazem romba a navalha de Occam. Há em Marte Bendito, por exemplo, o claro sabor clássico de Camões (embora remixado numa versão Ridley Scott):
E a mim, Marte, chegaram os humanos
Em dia obscuro, com pesados instrumentos
O tormento que passaram foi bem claro
Mas recebi-os e aos sorrisos que então deram.
Que ao passar nesta atmosfera onde me empenho
Em mares que eles nunca ultrapassaram,
Só lhes deixo este conselho, que é fecundo
Bem vindos, a outra terra, a outro mundo!
E depois, claro, sempre conseguimos encontrar nesta proverbial maneira de dizer coisas absolutamente não proverbiais, o escárnio de um escrevinhador furioso que não tem medo de ninguém - e neste caso, podemos bem dizer que o homem é a sua literatura e vice-versa:
Livro, sou mais livre e tu definhas
como os teus secredos publicados
em linhas tortas.
“Quando Tudo Era Tanto” é uma espécie de manual de sobrevivência para as gerações vindouras, exactamente da mesma forma que o protocolo diplomático dos Xogun do século XVI, no Japão momentaneamente tolerante para com jesuítas e outros alienígenas, ajudou bastante a burocracia imperial do país no fim dos anos novecentos: ou te adaptas ao sexo oral que cada cliente exige ou vais à guerra. Nem é preciso dizer que nos versos que aqui encontrarás, gentil leitor, está todo o conflito bélico entre aquilo que o homem quer e aquilo que o homem tem. E se aquilo que o homem tem são uns quantos poemas (não necessariamente os que desejaria, mas os que estão escritos), será talvez melhor que sejam impressos. Será talvez melhor que sejam lidos.
Viste o filme? Corta agora! E manda publicar a fita.
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Paulo Hasse Paixão
Março de 2017
domingo, novembro 10, 2019
No f**king miracle.
I'm not looking for a miracle, healing or redemption;
Just something to hold on to.
Feeder . Shapes and Sounds
Just something to hold on to.
Feeder . Shapes and Sounds
sábado, novembro 09, 2019
Assim, é impossível fazer comédia.
Konstantin Kisin . "Offensive" Comedian Does Woke Comedy . Comedy Unleashed
terça-feira, novembro 05, 2019
O Império do Meio não gosta de ser contrariado e
procede assim, em Hong Kong:
Imagens arrepiantes e eloquentes sobre a ideia que o Comité Central do Partido Comunista Chinês quer comunicar à população da Região Administrativa Especial: submetes-te ou submetes-te. Na boa, se for o caso; com violência extrema, se não for. Temos todo o tempo de mundo, o que é mesmo muito tempo para quem está a levar porrada.
Esta é o verdadeiro rosto da China, o parceiro de negócios favorito de toda a gente.
Boa sorte.
Imagens arrepiantes e eloquentes sobre a ideia que o Comité Central do Partido Comunista Chinês quer comunicar à população da Região Administrativa Especial: submetes-te ou submetes-te. Na boa, se for o caso; com violência extrema, se não for. Temos todo o tempo de mundo, o que é mesmo muito tempo para quem está a levar porrada.
Esta é o verdadeiro rosto da China, o parceiro de negócios favorito de toda a gente.
Boa sorte.
segunda-feira, novembro 04, 2019
Ou mais simples ainda.
Esta malha é de tal forma poderosa que não precisa de clip.
Feeder . Shapes And Sounds
Feeder . Shapes And Sounds
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