segunda-feira, janeiro 27, 2020

Do pânico viral ao vírus gripal.

Não tenho qualquer tipo de formação nesta área, nem quero estar para aqui armado em parvo a tranquilizar as pessoas ao desvalorizar a perigosidade de um vírus de que sei quase nada, mas ainda assim, há duas ou três coisas sobre a histeria relacionada com o Coronavírus que considero higiénico assinalar.
A questão central aqui, como sempre acontece com estes epifenómenos amplificados pelos geradores de pânico a que chamamos comunicação social, não é bem a perigosidade do novo vírus. É mais o facto de ser novo. E de ser chinês. E de ter morcegos na história, ou laboratórios secretos, onde se fabricam belicismos químicos. É por isso que o vírus é notícia. As pessoas lêem estas notícias, borram-se de medo e lêem mais notícias sobre o assunto para se borrarem um bocado mais. E quanto mais notícias lêem mais receitas facturam os jornais por causa do medo que as pessoas têm de morrer.
Eu preferia que a comunicação social se dedicasse a outro tipo de inquirições como por exemplo: porque raio é que, chegado à terceira década do século XXI, eu ainda tenho que sofrer, durante duas semanas, dores musculares, dores de cabeça, dores de ouvidos, dores de rins, nariz entupido com ranho abundante, tosse seca, tosse molhada, frios e arrepios, febres e fastios, prostração, depressão e mal estar existencial por causa de uma merda de um vírus - o da gripe - cujos sintomas já foram sistematizados por Hipócrates há 2400 anos, cuja origem e método endémico são conhecidos há que tempos e cujas panaceias têm a eficácia de um charro para quem tem cancro nos pulmões?
Apesar das célebres vacinas, o vírus da gripe matou no Inverno de 2018, em Portugal, 3000 pessoas e nos Estados Unidos, só nos últimos 4 meses, 8.200 infelizes e na União Europeia, nos últimos dois anos, cerca de 150.000 desgraçados. Perante estes números, as notícias de apocalipse por vírus chinês são capazes de ser algo exageradas. Já as reportagens sobre a incompetência generalizada, por parte das ciências médicas, das autoridades sanitárias e de protecção civil em lidar com a porcaria deste velho vírus assassino, escasseiam escandalosamente. Porque a gripe não é um fenómeno novo. Não entramos em pânico com este vírus que nos é tão familiar e que nos mata às centenas de milhar por ano, da mesma forma que nos borramos completamente com o vírus do morcego chinês, que é exótico e parece saído de um daqueles filmes de Hollywood que são feitos mesmo à medida dos nossos piores pesadelos.

Tudo isto é de uma irracionalidade tão profunda que às vezes duvido da racionalidade do Sapiens.