quinta-feira, agosto 20, 2020

A discoteca da minha vida: discos 51 a 55

#51 - The Bends - Radiohead
Muito provavelmente a banda de rock com maior competência criativa da década de 90, os Radiohead são um fenómeno de ordem mística. Thom Yorke vai estar a fazer qualquer coisa de novo quando tiver 80 anos, porque não é nitidamente um homem que goste de se repetir e não é fácil encontrar uma agremiação musical que arrisque mais. Acho eu. Não que o álbum que elegi, o grandioso “The Bends”, seja especialmente arriscado. Mas é, ainda assim, especialmente uma obra prima.
Eu perdi os Radiohead algures depois de “Hail to the Thief”, porque não sou um fã maluco de música erudita, que é o que eles fazem actualmente e já há uns tempos. Mas não tenho dúvida nenhuma que a banda foi, é e continuará a ser por mais umas épocas um fenómeno artístico ímpar, incontrolável e triunfante.





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#52 - Different Class - Pulp
Pulp. O projecto de Jarvis Cocker, que esperneou bravamente entre 1983 e 2001, é a definição de banda de culto. E uma referência do pop alternativo. Também aqui, patinei que me fartei para eleger um disco, porque há 3 álbuns dos Pulp que adoro, mas decidi eleger “Different Class”, de 1995, a sua quinta subida no elevador da glória. Canções como “Underware”, “Disco 2000” ou “Common People” não acontecem todos os dias e a verve de Jarvis atinge aqui um apogeu maluco de super-poderes e crescendos épicos, de intensidade inesquecível e inebriante.
Na história acústica da minha vida, os Pulp ficaram e vão ficar como uma máquina feroz de espanto e transcendência. Uma força positiva no sistema lírico do mundo.






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#53 - The Great Escape - Blur
Há quem possa argumentar – e bem – que os Blur já deviam ter dado entrada nesta lista, a propósito do seu primeiro trabalho, “Leisure”, de 1991, e principalmente porque os Oasis, a banda nemesis, já foram entretanto nomeados. Não me interessa nada a rivalidade histórica e histriónica e não me interessa nada qualquer vestígio de justiça cronológica, porque o disco-bomba do célebre agrupamento de Londres só explode em 1995 e chama-se “The Great Escape”. Com um punhado de grandes temas, de que destaco, claro, o épico “The Universal”, este é o momento em que Damon Albarn e Graham Coxon, já sem terem que provar nada a ninguém (os 3 discos anteriores tinham sido extremamente bem sucedidos junto do público e da crítica), fazem colidir os respectivos e abundantes talentos de forma mais harmoniosa e criativa. É, aliás, precisamente a partir daqui que os Blur assumem um percurso que sai claramente do cânone do britpop/indie rock do início dos anos 90, para fazerem o seu personificado e alternativo caminho, que culminará décadas mais tarde, com tesouros desalinhados e complexos como “Think Tank” de 2003, ou mesmo “The Magic Whip” de 2015.
E se os Blur são uma banda icónica, não é de certeza por acaso: ao longo do seu percurso de 30 anos, inventaram e reinventaram. Arriscaram e ganharam. Arriscaram e perderam. Souberam parar para pensar. Souberam entrar e sair de outros projectos (dos quais o mais conhecido e aclamado talvez seja os Gorillaz de Damon Alborn); fazendo e refazendo a carreira de acordo com tendências e contra-tendências e de tal forma que foram sobrevivendo à dimensão cósmica a que é mais difícil sobreviver: o tempo.
Estou a ouvi-los enquanto escrevo estas linhas e tudo me parece contemporâneo, na verdade. Tudo resistiu extremamente bem ao devastador correr das modas e das eras.
E isto não é dizer pouco.





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#54 - Coming Up - Suede
1996. Ano de “Coming Up”, um dos mais explosivos discos de rock alternativo alguma vez editados. Digo eu.
Os Suede são aquele género de agrupamento circense que uns amam loucamente e outros odeiam com paixão. À primeira audição parecem uma lamentável versão de Bowie enquanto Ziggy, se Ziggy fosse um astronauta perdido em Manchester, na última década do século XX. Mas depois do primeiro susto revivalista, percebemos outras coisas. Percebemos o choque eléctrico e visceral, percebemos a vitalidade e o poder criativo, percebemos que “Coming Up” é uma sucessão de actos de fé, rituais devotos dedicados ao deus do rock and roll, sacrifícios desesperados no altar da juventude perdida.
Ouvimos este disco (nós, os fãs) e não sabemos bem se devemos dançar pela chuva, fornicar até ao fim da capacidade atlética, conquistar as muralhas de Troia ou muito simplesmente: chorar por mais.
Gosto tanto desta banda (já fui à Zambujeira e vim na mesma noite só para os ver ao vivo), gosto tanto de Brett Anderson, gosto tanto deste disco, que todas as palavras do meu escasso léxico perdem a sua dimensão semântica. Por isso, façam um favor a este triste rapsodo em falência técnica e oiçam, o mais alto que for possível, a música na caixa de comentários. É uma festa de manifesto.





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#55 - Sounds from the Thievery Hi-Fi - Thievery Corporation
Não sei se alguma outra banda existe que tenha substantivos próprios mais apropriados porque os Thievery Corporation são exactamente aquilo que se adivinha no nome: bons bandidos.
Em 1995, Rob Garza e Eric Hilton encontraram-se num clube de Washington e começaram a misturar loops de bossa nova com samples electrónicos, pistas de reggae com progressões dub, frases de hip hop com ritmos jazz e batidas latinas com tudo o resto, numa deliciosa mistela, receita de muito boa onda e definição do chill out que queres ouvir ao fim de uma esplêndida tarde de verão.
E a verdade é que inauguraram uma era com “Sounds from the Thievery Hi-Fi” o disco de estreia, anúncio da excelente roubalheira de referências esquecidas no vinil dos sótãos, que saiu logo em 1996 e que na altura era uma pedrada no charco dos bares de Ibiza e do underground de Berlim e da eufórica e ainda meio alternativa noite de Lisboa. Continua a ser o meu preferido, apesar da dupla continuar no activo e sempre a criar boa música. É que o ácido e tranquilo e melódico e hipnótico exercício de fusão de culturas e sonoridades que é da cartilha destes larápios resulta, incrivelmente, numa espécie de serotonina: quando os teus tornozelos começam a seguir a linha de percussão de “Shaolin Sattelite”, não há depressão que resista.