terça-feira, outubro 20, 2020

A discoteca da minha vida #71: "Black Market Music", Placebo

 

"It's your fault that God's in crisis"

Se a minha lista de discos fabulosos fosse minimamente justa, os Placebo já tinham subido ao palco no século XX, só que o objectivo desta humilde iniciativa não é a justiça, mas o egocentrismo, e o disco fundamental desta banda, no contexto da minha vidinha, é o terceiro: "Black Market Music", lançado no redondo ano de 2000.
Os Placebo configuram um género de fenómeno poltergeist, mas ao contrário: sendo que a intenção de Brian Molko é inevitavelmente a de assustar a audiência com uma visão do mundo e da existência humana que deixaria Jean Paul Sartre meio envergonhado, a verdade é que o resultado final, muito por culpa dos acordes de Stefan Olsdal, é contraditoriamente elevado e inspirador. Da cave berço de todos os pesadelos, somos rápida e energicamente transportados pelo elevador da glória ao terraço de todas as possibilidades. A música desta malta é só aparentemente um elogio da eutanásia. Quando os ouvimos melhor, quando entramos neste universo denso e difícil e picaresco, percebemos que afinal se trata de um processo de redenção. "Black Market Music" não foi feito para incentivar o suicida, foi feito para o convencer a permanecer vivo. Sim, a vida é fodida. Sim, vais ter que aprender a lidar com o sofrimento. Sim, vais aparecer com um olho negro na entrevista para o emprego mais importante da tua vida. Sim, vais levar com um valente par de cornos, ou dois. Sim, os teus pais isto e aquilo. Sim, às vezes dá a sensação que há qualquer coisa de profundamente errado contigo. Sim e ainda assim: continua. Passivo-agressivo, deprimido-coitado, desperdício ontológico na sarjeta do inferno. Continua. Até que os deuses te obriguem a devolver os átomos que pediste emprestado ao universo, pega numa guitarra e continua.
Placebo. Estes rapazes não são bem uma banda. São o diabo de um monumento ao rock.