A Guerra Secreta - Espiões, Códigos e Guerrilhas 1939-1945 . Max Hastings . Sábado
Esta colorida e exaustiva história da espionagem durante a Segunda Guerra Mundial é uma verdadeira pérola. E não porque Sir Hugh Macdonald Max Hastings se entretenha a glorificar a dúbia actividade dos serviços secretos, mas porque a missão deste livro delicioso parece ser a de levantar o véu sobre a incompetência, a disfuncionalidade, a crueldade e a surpreendente falência operacional destas tão famosas como infames organizações. Lemos a obra do lord britânico e, salvas as inevitáveis excepções, percebemos que os espiões, os guerrilheiros, os militares, os cientistas e os académicos envolvidos nesta embrulhada de sombras tiveram mesmo muito pouca influência nos trágicos acontecimentos que se desenrolaram durante os sete anos que durou a mais terrífica de todas as contendas.
Depois de lermos este relatório sobre a estupidez humana, nunca mais vamos olhar para o senhor Bond da mesma maneira.
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Vasco da Gama . Geneviève Bouchon . Terramar
Interessante e honesta biografia do imortal navegador e intrépido campeão do cristianismo no hostil palco do Indico, este trabalho é revelador das sobre-humanas dificuldades, dos hercúleos desafios, dos incontáveis sacrifícios que o projecto de D. João II implicou. E outrossim confirma a determinação férrea, por vezes cruel, por vezes astuta, de Vasco da Gama.
Bom livro de História, surpreendentemente despido de preconceitos.
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A Ordem Mundial . Reflexões sobre o Carácter das Nações e o Curso da História . Henry Kissinger . D. Quixote
Não se pode dizer que falte ao Maquievel do Século XX experiência de poder e calo filosófico para redigir obras deste género. Para o bem ou para o mal, Kissinger foi conselheiro e secretário de Estado de Nixon e de Gerald Ford, prestando consultadoria diplomática a outros presidentes, incluindo Clinton, os Bush (pai e filho) e, mais recentemente, Donald Trump. Premiado com o duvidoso Nobel da Paz pelo seu papel na conclusão da guerra do Vietname, Kissinger não é propriamente um pacifista, defendendo intervenções armadas um pouco por todo o mundo, da América do Sul à Indochina, do Médio Oriente à Oceânia. Terá no entanto um argumento poderoso a seu favor, no dia do julgamento: ao ser o primeiro responsável pela abertura da China maoista ao mundo ocidental, pode reclamar o título do ser o Sapiens que salvou mais gente de morrer à fome, já que o acordo entre a administração Nixon e o o regime chinês implicou uma revolução agrícola: a Monsanto começou a exportar sementes de arroz transgénico para o Império do Meio, resolvendo de uma vez por todas os maus anos agrícolas e a crónica e cíclica subnutrição de centenas de milhões de pessoas que imperadores nativos, conquistadores tértaros, déspotas republicanos, senhores da guerra e comunistas distópicos nunca tinham conseguido resolver.
É por isso fundamental, para um bom entendimento da segunda metade do século XX, ler este livro, quer se goste de Kissinger, quer não. E sendo que esta não é de todo uma obra com o fôlego de "Diplomacia", talvez o mais importante manual de relações internacionais alguma vez escrito, "A Ordem Mundial" ensina muito de geo-estratégia. Explora com profundidade as cavidades mais subterrâneas dos labirintos do poder internacional. E faz luz sobre a história mundial dos últimos cinquenta anos. Um livro incontornável para quem tem interesse em ciência política e relações internacionais.
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Bizâncio e a Europa . Speros Vryonis . Editorial Verbo
Peguei neste livro muito velhinho que descobri na cave porque se há império de que somos ignorantes, no Ocidente, é o de Bizâncio. E é disparatada essa ignorância na medida em que é em Constantinopla que o Império Romano consegue sobreviver durante mais tempo e contra todas as probabilidades. Enquanto o Império do Ocidente cai em 476 e não soma mais que uns 600 anos de domínio sobre o Mediterrâneo, o Império bizantino resiste durante mais de um milénio, até à conquista Otomana do século XV.
Ora, este clássico manual de história debruça-se precisa e essencialmente sobre a atribulada relação que Constantinopla manteve com a Europa Ocidental e que explica em boa parte a relativa indiferença com que deste lado do continente as academias e as máquinas de informação e propaganda oficiais têm tratado o exuberante, opulento e belicoso legado civilizacional bizantino. Desde que Constantino dividiu o império romano entre o oeste e o este, as relações entre os estados irmãos nunca foram muito saudáveis e incluem cismas e guerras sanguinolentas. Mas a influência cultural de Constantinopla sobre o imaginário ocidental foi significativa, principalmente durante as cruzadas e apesar do divórcio das igrejas cristãs.
"Bizâncio e a Europa" oferece também ao leitor uma magnífica aguarela sobre os costumes, as tradições, os vícios, as virtudes dos cidadãos do império do oriente, num quadro antropológico extremamente vivo de uma civilização extinta, que convém trazer à luz da consciência. Nem que seja para percebermos que a história não dá garantias de permanência a ninguém e o que hoje parece edificado com solidez granítica pode ruir, sem aviso, já amanhã.
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O Meu Irmão . Afonso Reis Cabral . Leya
Como é fácil de perceber pelos livros que reporto neste rubrica, não sou um leitor compulsivo de romances (já fui, há muitos anos atrás). Na verdade a leitura de ficção aborrece-me, quase invariavelmente. Não foi porém o que aconteceu com esta pedrada no charco, Prémio Leya de 2014.
Afonso Reis Cabral escreveu este manifesto existencial com 24 anos (tem agora 31), mas de imaturidade não encontramos um vestígio. O poder bestial e visceral desta história, que equilibra no quântico gume da navalha a relação entre dois irmãos, um deles padecendo do Síndrome de Down, eleva-nos para um patamar de literatura que não acontece todos os dias nem dia sim dia não nem uma vez por mês nem uma vez por ano. Nem nada que se pareça.
Romance de referência no actual panorama das letras nacionais, prodigiosamente escrito por um autor que vai marcar uma geração, de certeza.