Doutor Copérnico . John Banville . Dom Quixote
Este romance biográfico sobre a vida e a obra de Nicholas Koppernigk, o cónego polaco que conhecemos como Copérnico, tem as suas virtudes, principalmente no que diz respeito à técnica da narrativa, mas apresenta também algumas falhas, e graves. Por exemplo: há muito pouca ciência, muito pouca astronomia, muito pouca informação sobre Copérnico o cientista, neste livro. O leitor leigo não vai perceber bem porque é que o protagonista é um dos grandes astrónomos e matemáticos da história universal. E há um omnipresente sentimento anti-clerical que por certo Copérnico não compartilhava. Duas estrelas em cinco possíveis.
_______
Dois Anos, Oito Meses e Vinte e Oito Noites . Salman Rushdie . Dom Quixote
Romance caleidoscópico e fantasista, como é característico do autor, estas mil e uma noites em versão apocalipse Jinn (seres mitológicos como o famoso génio da lamparina) proporcionam uma leitura entretida. Rushdie é um prosador de raro talento, como é sabido, capaz de fazer prodígios vários e malabarismos inúmeros com a língua inglesa. É o caso. Ainda assim, não me parece que esta seja uma obra de referência do autor indo-britânico.
_______
Bíblia . Vol. I - Os quatro evangelhos . Vol. II - Apóstolos, Epístolas Apocalipse . Vol. III - Os Livros Proféticos . Vol. IV - Os Livros Sapienciais - Tomo 1
Tradução do grego, apresentação e notas de Frederico Lourenço . Quetzal
O monumental e inédito projecto de Frederico Lourenço, que pela primeira vez na história das letras nacionais verte todo o Novo Testamento e parte do Antigo para a língua portuguesa directamente do grego original (e o que é originalmente aramaico ou hebraico é vertido das mais antigas traduções gregas), tem marcado de forma fundamental a minha interpretação do cristianismo, até aqui insuficientemente fundada na vulgata romana e na cultura judaico-cristã em geral.
Há muito para escrever sobre estas leituras e este não é o espaço nem o momento para uma dissertação séria. Voltarei a esta obra fabulosa quando tiver tempo, foco e veia para redigir algo que esteja de acordo com o assombro que vive nestas páginas.
_______
Uma História da Bíblia - O Livro e As Suas Fés . John Barton . Círculo de Leitores
Tenho estado a acompanhar a leitura da tradução de Frederico Lourenço com o consumo de fontes subsidiárias, relacionadas com as Escrituras. Algumas dessas leituras não estão terminadas, outras já foram aqui referidas; e outras ainda residem em suportes não editoriais (como as palestras sobre o significado psicológico da Bíblia, de Jordan Peterson, que são absolutamente geniais e que recomendo a toda a gente com mais de dois centímetros de testa).
Com este propósito, foi com curiosidade grande e determinado entusiasmo que comprei e devorei este manual de John Barton. O catedrático de Oxford não desilude no que de conhecimento académico podemos obter deste livro, claro. E a sua ideia central, que a Bíblia é uma antologia de antologias, uma espécie de colectânea borgiana de mitos ecuménicos, tradições literárias e rituais judaicos, faz algum sentido, que é meramente laico e não explica a importância das escrituras sagradas na dimensão espiritual da humanidade. Este reparo não anula no entanto os factos históricos e exegéticos, determinantes para entender a Bíblia, que este livro, apesar da sua aridez escolástica, traz à luz.
_______
História do Pecado . Oliver Thomson . Guerra & Paz
Saboroso e razoavelmente sintético exercício sobre a história ética da humanidade, esta obra do britânico professor de história barra publicitário é de grata leitura. Isto apesar de o autor não conseguir fugir da armadilha que este género de projectos geralmente implicam: Oliver Thomson não resiste à tentação, lamentável, de exercer juízos morais sobre os personagens e as situações que são objecto do seu estudo. E se podemos aceitar um preconceito retroactivo relativamente a eventos e protagonistas da história recente, parece-me absolutamente falaciosa a avaliação de comportamentos éticos que datam da antiguidade clássica ou até de épocas que distam mais que dois ou três séculos do nosso ponto de vista civilizacional.
_______
Augustus . John Williams . Dom Quixote
O enorme autor de "Stoner" consegue, com este romance biográfico sobre a vida do imperador Augusto uma obra gigante, Lindíssima novela epistolar do princípio ao fim, escrita a várias vozes e com inimputável rigor histórico e sobriedade narrativa, trata-se de um momento literário de primeira grandeza, que abre portas gloriosas para a guerra civil que extinguiu a democracia senatorial e para o império que lhe sucedeu, bem como, claro está, para a personalidade complexa e o denso trajecto percorrido por Augusto e por algumas das figuras proeminentes da corte imperial do seu tempo.
Um livro máximo.