quarta-feira, junho 30, 2021

A bala de canhão ataca outra vez.

Por bons e maus motivos, a primeira semana do Tour de France não tem sido propriamente um aborrecimento. Entre quedas aparatosas, esforços heroicos e vitórias históricas, o que não faltam são assuntos para os comentadores comentarem, os jornalistas reportarem e os bloggers blogarem.

Na quarta etapa, o assunto foi a vitória de Mark Cavendish, AKA "Cannonball", um dos 3 sprinters mais bem sucedidos da história da modalidade, campeão do mundo de estrada em 2011, campeão do mundo de pista em 2005, 2008 e 2016, medalha de prata nos jogos olímpicos de 2016 e segundo atleta com mais etapas ganhas no Tour (31 vitórias contra as 34 de Eddy Merckx), entre muitos outros títulos e vitórias.

O facto de ter ganho a etapa de ontem não seria assim nada de anormal a não ser por um facto: depois de ter partido o ombro ao ser atirado para fora da estrada por uma cotovelada de Peter Sagan, no princípio da época de 2017, Cavendish nunca voltou ao seu célebre fulgor. Nem de perto nem de longe e de tal forma que no início desta época encontrava-se sem contrato e não havia equipa do primeiro escalão da modalidade que lhe quisesse pegar.

Um pouco por acaso, a Deceuninck–Quick-Step acabou por acreditar que, aos 36 anos, Cannonball ainda podia fazer das suas. E na primeira metade da época o ciclista da Ilha de Man retribui a gentileza com algumas vitórias, embora em provas de segundo plano, como a Volta à Turquia onde foi o primeiro a cruzar a linha de meta por quatro vezes.

Ainda assim, a direcção desportiva da Deceuninck–Quick-Step não parecia muito inclinada em recrutá-lo para o Tour. Só que os deuses da velocidade tinham uma outra ideia: Sam Bennet, que estava escalado para a corrida, contraiu entretanto uma lesão no joelho e adivinhem quem é que o foi substituir.

A presença do campeão britânico no Tour não era no entanto sinónimo de sucesso, sendo que a maior parte das opiniões sobre a sua capacidade de vencer etapas num pelotão onde se contam quase todos os melhores sprinters da actualidade era consideravelmente céptica. Até que ontem aconteceu isto:



Depois de parar a bicicleta, Cavendish, que não ganhava no Tour há cinco anos, chorou convulsivamente. Percebe-se. Estávamos perante a definição de um "comeback", como dizem uns. De uma "remontada", como dizem outros. De um regresso ao Olimpo, digo eu.

E é verdade: entre misérias e glórias, a vida dá muitas voltas. À França.