quinta-feira, abril 07, 2022

A veia de Tucker.

O mónologo de ontem de Tucker Carlson é um breve e brilhante mestrado em como a visão populista contemporânea deve ser conduzida mediaticamente: a denúncia das misérias das elites liberais concorre com o intransigente sarcasmo que é deveras corrosivo, mas substancialmente carregado de evidências. Tucker não tem, nitidamente, medo de ninguém (nem dos seus patrões que evitam de certeza o consumo do seu mais bem sucedido talk show de sempre) e passa muitas horas por semana a despir as elites dos seus trajes retóricos e a reduzir à nudez mais impúdica os seus falsos paradigmas morais, numa espécie de soft porn que não tem paralelo na comédia humana do século XXI. 

Os alvos a massacrar nesta sessão de pancadaria são os republicanos liberais, na gíria - RINOS (Republicans In Name Only), que insistem em desrespeitar os seus mandatos conservadores colocando em prática no Congresso, tanto como no governo dos estados, políticas liberais que em nada representam os valores da sua comunidade eleitoral. Este fenómeno também acontece na Europa, claro, e Boris Johnson é talvez intérprete do mais escandaloso caso de traição ao mandato eleitoral de que podemos fazer exemplo, mas ao pundit da Fox News interessa sobretudo e naturalmente arrasar com a prata da casa: os alvos específicos do martelo pneumático são Mitt Romney e Spencer Kox. Respectivamente, o insuportável e postiço magnata que apesar de ser senador republicano pelo Utah (um dos estados mais conservadores da federação) é um prolixo prestador de serviços à esquerda liberal e à imprensa mainstream; e o governador desse mesmo estado, que concorre para o título de homem heterossexual e branco que mais se odeia e mais se envergonha por ser homem heterossexual e branco na história dos homens brancos e heterossexuais.



Num momento absolutamente épico de pontaria afinada, Tucker sugere que Mitt Romney só decidiu votar a favor da nomeação de Ketanji Jackson para o Supremo, quando descobriu que a juíza era bastante económica nas penas que na sua carreira tem atribuído a crimes de pedofilia.

Este tipo de afirmações podem acabar por se pagar caro, Tucker ganha inimigos de cada vez que respira fundo e é preciso muita coragem para dizer isto ao vivo, perante uma audiência de centenas de milhões de pessoas, num meio mainstream e normalizado como a Fox News.

A família Murdock, que na verdade é tão RINO como qualquer Mitt Romney, vai mais tarde ou mais cedo ter que calar a sua voz mais popular. Mas ser despedido pode ser a melhor coisa que alguma vez aconteceu a Tucker Carlson. Criada a plataforma, pode pegar nela e trazê-la para a web, deixando finalmente de ser obrigado aos formatos televisivos, de opinião gerada às pressas em conversas de minuto e meio. E se escolher um servidor que lhe garanta total liberdade de expressão, pode finalmente dizer tudo o que lhe vai na alma.

Mas enquanto durar, é gozar o prato: não é todos os dias que a política é assim tão entretida.