segunda-feira, maio 30, 2022

Um Giro a meio gás.


Frequentemente uma corrida animada e aberta, o Giro deste ano foi um bocadinho enfadonho e triste, principalmente na semana decisiva - a terceira e última. Acusando a desistência de muitos dos favoritos (João Almeida, Miguel Ángel López, Romain Bardet, Tom Dumoulin e Simon Yates, entre os mais notáveis), a prova acabou por ficar entregue a um trio de excelentes escaladores - é verdade - mas que nos últimos dias não tiveram pernas para dar espectáculo para além dos esporádicos ataques nos últimos dois ou três quilómetros das derradeiras etapas. O que é manifestamente escasso.

E se o australiano Jay Hindley é um justíssimo vencedor, porque foi o único capaz de mostrar que merecia os louros em Verona, a sina de vencido da vida de Mikel Landa, que nunca será um campeão, e a quebra física de Richard Carapaz, abriram um vazio de emoção e glória que o Giro de Itália não costuma deixar por preencher.

Foi até nítido que João Almeida, enquanto pode pedalar, era na verdade o motivo dos ataques constantes a que assistimos nas duas primeiras semanas. Sabendo que o corredor português podia ganhar no contrarelógio da derradeira etapa tempo significativo aos mais directos adversários, Carapaz, Landa, Hindley e companhia tentaram infernizar-lhe a vida, tanto mais que a EAU nunca foi uma equipa determinada em acompanhar e apoiar o desempenho do ciclista das Caldas da Rainha. Uma vez que o João se retirou da competição, e talvez já muito desgastados pelo que tinham feito para lhe ganhar tempo, os líderes sobreviventes aproveitaram para respirar fundo e esqueceram-se que um dos seus deveres é manterem os espectadores agarrados à televisão.

Ainda sobre João Almeida, é talvez tempo de fazer uma análise realista: o ciclista português tem muito talento, é inteligente, sereno, extremamente determinado e oferece constantemente à plateia mundial uma capacidade de sofrimento absolutamente espantosa. Mas, se quer ganhar uma grande volta, vai ter que, mais tarde ou mais cedo, levantar o rabo do selim. A posição sentada quando as inclinações são acima dos seis ou sete por cento vão sempre prejudicá-lo. E outra coisa: desde que é profissional, João Almeida corre em equipas de topo. Primeiro na Quick Step e agora na EAU. Nas duas equipas, nota-se que o ciclista português, apesar das suas evidentes e invulgares capacidades atléticas e mentais, tem muitas dificuldades em afirmar-se como líder no seio do grupo e em contar com a confiança total dos seus directores desportivos e com a solidariedade dos seus colegas. É certo que ao integrar conjuntos da elite do ciclismo profissional o João não tem a vida fácil, porque há muitos outros ambiciosos e qualificados ciclistas no plantel, mas esta é uma questão fundamental porque o ciclismo é um desporto de equipa e é muito raro ver um atleta a ganhar sozinho uma volta de 3 semanas. Mesmo muito, muito raro. É quase sempre preciso que haja gente na equipa com vontade de sacrifício. E principalmente nos últimos dois giros (já para não falar de outras provas onde o problema também foi evidente) não houve vontade nenhuma desse género, a não ser por parte de Rui Costa, que A EAU trouxe para acompanhar o João nesta edição de 2022, mas que de qualquer forma não aguenta, nesta veterana fase da sua carreira, esforços olímpicos, e quando as coisas apertam, o ex-campeão do mundo já ficou para trás há uns bons quilómetros.

Seja como for, os últimos dois mil metros da penúltima etapa, disputados no alto dos Dolomitas, vão ficar para a história desta edição do Giro, porque foi aí que tudo se decidiu. Vale a pena por isso deixar aqui registo do momento, um pouco tardio, é certo, mas carregado de intensidade competitiva, em que Jay Hindley partiu para a a sua primeira vitória em grandes voltas.