Hoje é dia de descanso, na Vuelta. E bem merecido, porque a prova foi desenhada para ser extenuante e os atletas não se têm poupado a olímpicos esforços. Ontem, Remco Evenepoel assumiu-se como o primeiro candidato à vitória final, depois de, pela terceira vez consecutiva, deixar os seus adversários muito para trás, na curta mas impossível subida de Les Praeres.
Amanhã há contrarrelógio e Remco vai com certeza sair dessa etapa com uma liderança de cerca de 3 ou 4 minutos sobre os seus mais directos adversários, querendo isto dizer que o seu principal obstáculo à vitória será... ele próprio. Esta é apenas a segunda grande volta que o crack belga cumpre e a primeira, o Giro de 2021, não correu nada bem. Há sempre uma possibilidade de não conseguir manter este nível de forma na terceira semana e ter um daqueles dias catastróficos em que pode perder a vantagem que amealhou até aqui, mas esse cenário parece-me, sinceramente, remoto.
Na discussão dos lugares imediatos estão Enric Mas, Carlos Rodríguez e Juan Ayuso, três espanhóis que estão a ressuscitar o ciclismo do seu país e a contribuir para o entusiasmo com que a prova está a ser seguida pelos espanhóis. Mas com a alta montanha que ainda está por cumprir nas próximas duas semanas, não me admirava nada que Jai Hindley se imiscuísse nesta luta, apesar dos três ou quatro minutos que já perdeu em relação aos seus directos rivais para os lugares que estão em aberto no pódio.
Quanto a Primož Roglič, que ainda é terceiro na classificação geral, é mais que evidente que o ciclista esloveno já ultrapassou o apogeu da sua carreira e vai ser difícil voltar aos tempos em que ganhava competições de 3 semanas. Será sempre útil à Jumbo, claro, mas em competições diferentes ou como gregário de luxo nas provas mais exigentes. Já não tem a explosividade, a resistência e até a condição psicológica para fazer frente aos Evenepoel, aos Vingegaard e aos Pogačar deste mundo. O ciclismo profissional da actualidade é dominado por jovens extraordinariamente talentosos e Primož, que ainda por cima chegou tarde aos grandes palcos da modalidade (começou por ser atleta de saltos de esqui), já não é nenhum menino. É pena, porque quem gosta de ciclismo tem que apreciar as qualidades técnicas e humanas deste grande profissional.
A João Almeida tem acontecido uma situação curiosa: todos os dias perde muito tempo para o top cinco da classificação, mas também tem também subido no top 10, sendo agora sétimo. O contrarrelógio individual vai favorecê-lo, mas a sua forma, que não é de todo a ideal e o facto de ter um companheiro de equipa - Ayuso - na luta pelo pódio, não permitem optimismos. Ou faz amanhã a etapa da sua vida ou pode até ser condenado a ter que trabalhar para o espanhol. É claro que Ayuso está a fazer a sua primeira prova de 3 semanas e - nesse sentido - tudo pode acontecer-lhe. Mas neste momento, creio que se João Almeida terminar a prova no top 10, já é um bom resultado. Caso contrário, será altura de equacionar a sua carreira, porque, como já aconteceu com Rui Costa, a equipa dos Emiratos é destruidora das ambições daqueles que não apresentam resultados eloquentes. E convém lembrar que, com a desistência no Giro por causa do Covid-19, o João depende da Vuelta para salvar a época.
Por último, o destaque que tem que ser dado a um ciclista que se está a revelar nesta prova: o australiano Jay Vine, que já ganhou duas etapas de montanha, uma a seguir a outra, e que está numa forma espectacular. Praticamente desconhecido até aqui (a Alpecin descobriu-o porque foi em 2020 vencedor da Zwift Academy, uma competição de ciclismo virtual), Vine é um escalador impressionante, capaz de se bater com os melhores atletas da actualidade. Um nome a seguir na época de 2023.