Deve ter sido aqui que Adão
Trincou a maçã.
À meia noite vou à padaria.
O pão permanece quente
Até de madrugada.
O pão de Fornalhas Velhas
É uma espécie
De pecado original.
Batem-me à porta por uma travessa de arroz doce.
O gesto é mais doce
Que o arroz.
Sou sempre o último a ir para a cama.
Junkie de ser
Sozinho.
A arte do haiku podia muito bem
Ter tido génese
Aqui.
Gosto da escuridão:
É nessa geografia de sombras que identifico
O Diabo.
Ainda não tenho absoluta certeza de que Deus
Existe. Mas desconfio bem
Que sim.
Quatro velas
É luz
A mais.
Não há companhia
Como aquela que a família
Faz.
Gosto da minha sobrinha, geneticamente antípoda,
Como se o meu sangue circulasse
Nas veias dela.
O gato Álvaro está em Fornalhas
Como Dante
No paraíso.
O whisky foi pensado por um escocês
Para ser bebido no calor da noite
Por um alentejano.
Os haikus são como os tremoços;
Quando começas
Não sabes parar.
Os meus haikus são todos manuscritos com uma Parker.
Sou eu o poeta ou é
A caneta?
O robalo que hoje grelhei
Não passava vergonha
À mesa de um rei.
Há uma verdade absoluta no silêncio.
Seja ela
Qual for.
Já não tenho a capacidade de trabalho que tive um dia,
Mas ainda sou mais formiga
Que cigarra.
Pátio dos 8:
Passo dez dias dentro do sonho
De um amigo.
Tão pacífico este pátio
Que até as vespas
Recolhem o ferrão.
Salvo uma família de escaravelhos
Da morte afogada no tanque.
Não é dizer pouco.
Enquanto houver whisky
Vão correr
Os versos.
A abóboda celeste,
Por distante que seja só te aproxima
De Deus.
Oiço aviões que passam a 30.000 pés.
O silêncio é um
Amplificador.
A vida é sofrimento
Com sublimes
Parentesis.
O meu último desejo vai ser
Um cigarro.
Dou-te um abraço, amigo, e
Aqui entre nós,
O Alentejo.
A caneta está a ficar
Sem tinta:
Último haiku.