segunda-feira, dezembro 09, 2024

O caso do executivo assassinado e como a direita americana não percebe nada de nada.

O CEO da seguradora de saúde United Health foi assassinado a tiro nas ruas de Nova Iorque por um atirador que, nitidamente, pretendia atingir apenas esse individuo e cuja acção parece, se não profissional, bastante calculada.

3 das balas recuperadas estavam gravadas com as palavras "depose", "deny", "defend", sugerindo que o crime está directamente relacionado com as políticas da seguradora, que é conhecida por ludibriar os segurados, e fazer tudo para escapar às prestações a que é contratualmente obrigada.

Quando a seguradora publicou uma mensagem de condolências nas redes sociais, a reacção da grande maioria dos americanos foi chocante: comentários ácidos e emojis de júbilo dominaram essas interacções.

A direita, mesmo a populista, mostrou-se indignada com essas reacções, interpretando-as como provenientes da esquerda.

Não estou aqui a defender nem o assassinato do executivo da United Health, nem a reacção desvairada das pessoas, como é óbvio, mas devo sublinhar o equívoco das cabeças falantes conservadoras, porque este não é de todo de um fenómeno que se possa catalogar como de esquerda ou de direita.

Como já muitas vezes referi, o ódio que as massas ganharam às elites, que é directamente proporcional ao desdém que as elites nutrem pelas massas, está a atingir níveis insustentáveis. A circunstância, a que chamei recentemente o"Momento Antonieta", manifesta-se em várias dimensões da vida social e política e os casos mais paradigmáticos e expressivos deste fenómeno serão talvez a revolta popular dos valencianos na visita do Rei e do Primeiro Ministro à cidade devastada pelas cheias e a hostilidade com que as vítimas do furacão Helena receberam os serviços de emergência federais, na Carolina do Norte.

Ora, a reacção nas redes sociais ao assassinato de um executivo da seguradora de saúde norte-americana, uma das maiores corporações do mundo neste mercado específico, relaciona-se directamente com essa guerra de classes. As pessoas não manifestaram alegria por Brian Thompson ter sido morto, especificamente, mas sim pelo que simbolizava: a oligarquia corporativa, mafiosa, poderosa, alienada, gananciosa, que domina o ambiente micro-económico nos Estados Unidos e da maior parte da esfera Ocidental.

E, muito para além do crime, que é com certeza condenável, este episódio é sobretudo um alerta, um sinal de que, além da probabilidade de uma guerra nuclear, lidamos hoje com a eventualidade de uma gigantesca e supra-nacional guerra civil.

Seria de esperar que pelo menos a direita populista percebesse isso. Mas o problema é que as elites de hoje, com raras, muito raras excepções e independentemente do espectro ideológico, partilham a mesma deficiência: cegam logo que ascendem às cúpulas do poder político, económico e mediático.

É um vírus sem vacina, que infecta o planeta.

Glenn Greenwald ainda não apanhou a doença e trata o assunto com a lucidez com que deve ser tratado.