Eu e a minha mulher estivemos horas a tirar água do apartamento com baldes e vassouras num trabalho vão, porque a enxurrada entrava por uma conduta da canalização a um ritmo muito superior.
Devo confessar que sempre sempre fui um tipo um bocado frágil perante as adversidades da vida. Mas com os anos, a conversão ao cristianismo e a influência dos estoicos (principalmente Epicteto e Marco Aurélio), alguma coisa mudou em mim.
Enquanto estava na varanda a atirar baldes de água para a rua, freneticamente, chovia como se não houvesse amanhã e fazia uma ventania danada e caiam raios e soavam trovões, que explodiam literalmente por cima de mim, porque a casa está situada na falésia, e dava a sensação que o céu ia cair sobre a minha cabeça.
Não desesperei. Não perdi a calma. Não roguei pragas. Fiz o que era preciso fazer e por volta das 10h00 da manhã a situação estava controlada. Tive alguns prejuízos, que o seguro há-de cobrir e outros, que não há-de (livros que estavam no chão porque como ainda não terminei a mudança de Lisboa, faltava ainda montar a estante da sala). Mas hoje, 24 horas depois do sinistro, a casa está de novo habitável e confortável.
E seca.
Acho que aprendi no entretanto que as adversidades são tão naturais como outra coisa qualquer, fazem parte da vida e, o que é mais, fortalecem-te. Preparam-te para eventualidades ainda mais graves, como a doença e a morte (a tua ou a daqueles que amas). E, no fim das contas, favorecem a ideia que tens de ti mesmo, o que, no meu caso, não é dizer pouco.
Depois da situação controlada, chamei um serviço de desentupimento de emergência, porque a circunstância decorreu de um problema nas condutas fluviais do condomínio. O tempo continuava agreste como o diabo mas o profissional que veio dar conta do problema trabalhou com voluntarismo e conhecimento técnico impressionante, durante umas boas três horas, nas varandas e na área comum ao ar livre, como se nada fosse, num labor duríssimo e com estoicidade impressionante.
Era um moço dos seus trinta e poucos anos, brasileiro descendente de portugueses, educado e sereno, com uma resiliência notável.
Eu tenho e sempre tive um enorme respeito por gente que trabalha em profissões deste género. Profissionais de mudanças, estivadores, pedreiros, canalizadores, distribuidores de gás, enfim pessoas cujo ofício implica um esforço físico constante e abnegação total. E quando confrontado com os desafios que têm que suportar, não deixo de ser grato, a eles e ao destino, que me poupou a uma vida assim dura.
E à minha mãe, que tudo fez para que a esse desígnio fosse poupado, mesmo quando eu me recusava a colaborar.
Estava a observar o homem a trabalhar, e o cansaço de tantas horas a lutar contra a inundação desvaneceu-se completamente. Aquele labor determinado dele, redimiu-me.
Quando no fim do dia fui para a cama, nem precisei de muitas horas de sono para me restabelecer. Voltei ao trabalho de manhãzinha, para por a casa em ordem.
E já está tudo bem, graças a Deus.
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Fiquei sem internet (estou a utilizar o hotspot do telemóvel). Mas que se lixe. Só me vai fazer bem ficar uns dias desligado. O Blog é que vai ficar meio abandonado até segunda-feira, provavelmente. Mil desculpas.
