terça-feira, janeiro 17, 2006

À escuta das Vozes da Poesia Europeia - III

Celebrando a feliz edição da revista Colóquio Letras - que traz à estampa, em três cuidados volumes, as traduções que David Mourão-Ferreira fez da poesia europeia.

HORÁCIO E A VITAMINA DO DIA.
Image hosted by Photobucket.com
Ilustre poeta clássico, Quinto Horácio Flaco (65 A.C - 8 A.C.) é célebre pelo que deu à lírica, tanto em versos como em conselhos. Uns e outros produto pródigo de um talento imenso e de uma existência atribulada. Na convulsão política e militar que decorre do assassinato de Júlio César, Horácio decide desgraçadamente alistar-se nas fileiras de Brutos, uma tropa de improvisos, condenada pela providência a ser esmagada por Augusto, que se apressa a deportar o infeliz. Perdoado pelo estado mas castigado pelos deuses, regressa a Roma para encontrar o pai morto e a propriedade confiscada. Reduzido à miséria conhece Virgílio e depois - algo mais importante - ganha a amizade de Mecenas, generoso aristocrata que financiará as suas notáveis Odes, Sátiras e Epístolas.
Talvez por tudo isto - ou nem por isso - David Mourão Ferreira escolhe a magnífica e imortal Ode a Leucónoe, um elogio da existência como uma experiência intensa e despreocupada do momento presente. Por razões que podemos adivinhar facilmente, Horácio apela à sua ninfa para que se deixe arrebatar pela vertigem de um imediatismo hedonista. O futuro aos deuses pertence e nem vale a pena frequentar oráculos: se o que temos é o aqui e o agora, o melhor é aproveitar. Não sei se Horácio inventou este irresponsavelmente lindo paradigma (a Epicuro devem estar reservardos os direitos de autor), mas pelo menos tem o mérito de ser o primeiro a lançá-lo para a combustão da poesia. Eis, pois, nas suas próprias e eternas palavras, um conselho que, afinal, já todos seguimos um dia.

CARPE DIEM
Ode a Leucónoe

Não procures, Leucónoe - Ímpio será sabê-lo -,
que fim a nós os dois os deuses destinaram;
Não consultes sequer os números babilónicos:
melhor é aceitar! E venha o que vier!
Quer Júpiter te dê inda muitos Invernos,
quer seja o derradeiro este que ora desfaz
nos rochedos hostis ondas do mar Tirreno,
vive com sensatez destilando o teu vinho
e, como a vida é breve, encurta a longa espr’ança.
De inveja o tempo voa enquanto nós falamos:
trata pois de colher o dia, o dia de hoje,
Que nunca o de amanhã merece confiança.