Assim como está, o futebol adormece qualquer cocainómano. Na final de ontem, o Campeão do Mundo fez uma segunda parte de anedotário: os italianos não conseguiram simplesmente jogar a bola e este triste facto é bem ilustrativo de um Mundial que foi, como já tinha sido o anterior, consistentemente lamentável. A beleza do jogo - que se fundamenta essencialmente na espectacularidade plástica dos movimentos de ataque - foi subjugada por um realismo cínico, interesseiro e cobardolas que está rapidamente a aniquilar o objecto da maior paixão de massas dos últimos 60 anos. Parece-me assim que as iluminárias da FIFA devem considerar seriamente a prossecução de uma reforma profunda nas regras do jogo, libertando-o das mordaças tácticas e devolvendo-lhe a dignidade perdida.
Eis assim, uma humilde mas indignada contribuição para o think tank do sr. Blatter:
SETE FINTAS BLOGVILLE
Finta 1 - Composição da Equipa - Uma equipa de futebol deve apresentar-se em campo com dez jogadores. Para já, porque é a única maneira de ter mais equipas a jogar só com um trinco, o que aumentará logo a qualidade do espectáculo. Depois, por aquilo que se ganha em espaço para jogar e em tempo para pensar o jogo.
Finta 2 - Tempo de jogo - A cronometragem da partida deve obedecer ao apito do árbitro. O cronómetro pára a contagem no momento em que o juíz interrompe um lance e recomeça-a quando o juíz manda jogar. Se a bola sai, o cronómetro pára. Se é golo, o cronómetro pára. Se um jogador está lesionado, o cronómetro pára.
Com duas partes de 30 minutos de tempo real de jogo já não havia cá fitas e fingimentos e merdas que só são uma grandessíssima vergonha. E os espectador, que pagou bilhete ou sporttv, sempre terá a certeza que vai de facto ver uma hora de jogo jogado.
Finta 3 - Disciplina - A lógica disciplinar dos cartões e das expulsões é - e sempre foi - desadequada. É desadequada porque se parte do princípio que o espectáculo sobrevive à expulsão dos seus artistas. É desadequada porque não pode ter em atenção o calor da disputa, o erro humano, a emoção e a carga de nervos. A frustração e o desespero. É desadequada porque é humilhante. Não me interessa nada que o trauliteiro italiano leve uma cabeçada (deve ter sido bem merecida), mas desagrada-me bastante a expulsão de Zidane, no último jogo da sua magnífica carreira de futebolista.
De qualquer forma, a redução proposta no item 1 implica também uma revisão nas leis disciplinares, de forma a não corrermos o risco de ter jogos a serem disputados por cinco ou seis gatos pingados para cada lado.
A solução encontrada no hóquei em gelo é porventura mais adequada, se for introduzida com os necessários ajustamentos: uma falta violenta ou três faltas consecutivas conduzem o jogador à "box" onde permanecerá cinco minutos, após os quais pode voltar à partida. Em caso de agressão, o jogador permanecerá na box durante dez minutos. Enquanto um jogador permanece na box a equipa não o pode substituir.
Esta solução permitirá a génese de uma nova dimensão no jogo, aquilo a que no hóquei em gelo se designa por "PowerPlay". As equipas em vantagem numérica têm sempre uma pressão acrescida para jogar ao ataque e marcam-se, naturalmente, mais golos nestas situações. Em vez de estigmatizar o jogador, assumimos o futebol como um desporto de contacto e, tirando partido da natural apetência do ser humaqno para a violência, enriquecemos a dinâmica do jogo e a qualidade do espectáculo.
Finta 4 - Reposição da bola em jogo - O lançamento da linha lateral tem que começar rapidamente a ser efectuado com os pés. Afinal, não é por causa das mãozinhas que o Ronaldinho Gaúcho é conhecido. E depois, a introdução da bola com um pontapé tornará inevitavelmente esta situação de jogo muito mais interessante para o avançado e bem mais desagradável para o defesa. Diminuiam os cortes para a bancada, aumentavam os centros perigosos para a área, subia a média de golos por jogo.
Finta 5 - Dimensões do terreno e da baliza - Não faz sentido que um campo de jogo tenha medidas definidas entre 90 e 120 de comprimento e 45 e 90 de largura. As medidas devem ser fixadas sem intervalos. Como não concordo com o aumento das dimensões para além destes limites máximos (receio perder consistência de passe e homogenuidade de movimentos e as regras 1 e 3 também não o aconselham), proponho 80x110.
Acho porém que não faz mal nenhum aumentarmos as medidas das balizas, muito pelo contrário. Há no entanto que ter o cuidado de não desvalorizar o papel do Guarda-Redes, que é uma verdadeira pérola da geometria descritiva, uma quixotesca figura de novela-prima e substância essencial para um bom espectáculo de futebol (na figura 1 retirei a pequena área porque acho que o Guarda-Redes deve ser protegido em toda a sua zona de intervenção). As medidas que proponho estão na figura em cima, e resultam de aturados estudos estatísticos e análises de ergonomia (leia-se: 2 minutos de senso comum).
Finta 6 - Fora de Jogo - A regra do fora-de-jogo deve ser aplicada apenas nos últimos 30 metros de cada metade do terreno. Assim, facilitariamos as transições, promovendo partidas mais agressivas e mais rápidas, sem sacrificar a coerência estrutural do jogo.
Finta 7 - Arbitragem e tecnologia - O jogo deve ser arbitrado por uma equipa de 6 juízes, a saber: dois no campo (um para cada metade do terreno), dois fiscais de linha e dois assistentes fora das 4 linhas - um no campo, outro na Régie. Os árbitros estão telecomunicantes e - sempre que se justifique - o jogo pára para verificação do lance em vídeo, sendo perfeitamente possível concluir o procedimento em 30 segundos, um minuto no máximo.
Porque o ser humano não tem a capacidade ubíqua de registar visualmente dois campos de acção em simultâneo, a cibernética deve ser incorporada na determinação dos foras-de-jogo (chips no equipamento dos jogadores) e há de uma vez por todas que desenvolver um qualquer sistema de leitura óptica da linha de golo.
É claro que há muito mais fintas na minha cabeça. Mas não quero ser exaustivo e o princípio básico é o do título deste post: a bola deve continuar "redonda para os dois lados". O resto pode mudar. Diz-nos a experiência e a inteligência que é precisamente isso que se faz àquilo que está mal.