segunda-feira, dezembro 02, 2013

A espera.

De acordo com Lawrence Ferlinghetti.


Estou à espera que o meu país volte a ser um país.
Estou à espera que o Vitorino Nemésio regresse ao prime time e estou à espera
do Almada Negreiros no Zip Zip
e estou à espera do renascer do espanto.
Estou à espera que o Carlos Cruz saia da prisão
e que os outros saiam da cova, para irem entrevistar outra vez o Almada Negreiros.
Estou à espera que a televisão se arrependa e
volte para o preto e branco e
estou à espera que os pivots ganhem vergonha.

Estou à espera que saía para a rua
um jornal decente.

Estou à espera dos inteligentes e dos capazes, dos visionários
e dos profetas, dos príncipes e dos guerreiros e
estou à espera do renascer do espanto.

Estou à espera da chegada dos extra-terrestres
e estou à espera da verdade para todos os mistérios.
Estou ainda à espera que Deus morra.
Estou ainda à espera que os cientistas se demitam
e que os padres resignem.
Estou à espera que os filósofos se suicidem e que os poetas
se encarreguem dos respectivos funerais.
Estou à espera que Deus deixe entrar no céu os filósofos,
apesar de se terem suicidado.
Estou à espera que os poetas também sejam bem recebidos,
apesar de tudo.

Estou à espera do renascer do espanto.

Estou à espera do juízo final, do armagedão, do apocalipse, do colapso, do término, do fim
e estou à espera de começar outra vez.

Estou à espera que o cosmos faça sentido.
Posso esperar sentado, mas levanto-me, pro-activo, empreendedor
e em desespero.

Estou à espera que o estado me deixe comprar um Mercedes.
Estou à espera que o fisco reverta o ónus da prova.
Estou à espera que as portagens decaiam para o mundo subatómico
e que as estradas se abram para a minha velocidade.

Estou à espera da falência.
Estou à espera do que perdi porque não esperei.
Estou à espera do que ganhei por ter esperado.
Estou à espera do comboio da meia-noite que vai chegar com
o renascer do espanto.

Estou à espera que o Benfica volte a ser campeão europeu
e estou à espera que corram com os atrasados mentais.

Estou à espera da re-instauração da República de Platão.

Estou à espera de não ter que pagar o funeral da minha mãe
e estou à espera de morrer durante o sono e deixar ao cangalheiro o que for suficiente
para o enterro.
Estou à espera que o meu amigo não morra.
Estou à espera de acordar para fora deste ciclo REM.

Estou à espera que o Fernando Pessoa explique a charada e
estou à espera de uma audiência com o Borges.
Sim, estou à espera de ser atendido,
estou à espera de amar e de ser amado e estou à espera do amor e do ódio
e estou à espera que o meu destino seja revelado nos números da lotaria
e estou à espera
da tempestade perfeita e do
renascer do espanto.