O meu querido amigo Mike Brumble, ilustre e assimétrico colaborador do Blogville, é uma espécie de profeta da literatura. Por isso, não é de espantar que anuncie prémios Nobel com décadas de antecedência. No dia 16 de Novembro de 1998, por exemplo, publicava uma pequena recensão no Diário Económico dedicada a um romance do agora grande e subitamente glorificado Patrick Modiano, que rezava assim:
"Esqueci-me do seu rosto. A única coisa de que me lembro é do seu nome. Podia muito bem ter conhecido Dora Bruder, já que vivera nas imediações da Porta de Clignancourt e da Planície: residia no mesmo bairro e era da mesma idade. Talvez soubesse bastante sobre as fugas de Dora... Há acasos assim, encontros, coincidências que ignoraremos para sempre..."
Este é o retrato de uma busca incessante, obsessiva, dirão alguns espíritos menos contemporizadores. Dora Bruder é a principal personagem e - já agora - o título do último livro do escritor francês Patrick Modiano, recentemente vertido para português pelas Edições ASA, com tradução de G. Cascais Franco, na interessante coleção "Pequenos Prazeres". Dora Bruder é uma personagem com rosto, mas sem voz. Modiano parte de um anúncio publicado no jornal "Paris-Soir" no dia 31 de Dezembro de 1941, em que se procurava Dora Bruder, uma rapariga judia de 15 anos. E segue no seu trilho, com cruzamentos autobiográficos, e não só, de uma Paris ocupada, manchada pelo regime nazi e com Auschwitz em pano de fundo. A cidade-luz também teve o seu período de sombras e de trevas.
A palavra a Patrick Modiano: "Desde então, a Paris onde procurei reencontrar o seu rastro permaneceu tão deserta e silenciosa como nesse dia. Caminho através das ruas vazias. Para mim elas continuam assim, mesmo ao entardecer, à hora dos engarrafamentos, quando as pessoas estugam o passo em direcção às entradas do metropolitano. Não consigo deixar de pensar nela e de sentir a sua presença em certos bairros. Uma noite destas foi perto da Gare do Norte."