quinta-feira, fevereiro 26, 2015
Condensado de solo de guitarra.
André Antunes, de 23 anos, reuniu alguns monstros sagrados da guitarra num medley eléctrico sobre a simpática base harmónica de "Get Lucky", dos Daft Punk.
O resultado é brilhante. Simplesmente brilhante.
quarta-feira, fevereiro 25, 2015
terça-feira, fevereiro 24, 2015
Viagem à floresta do folk.
Crónica Publicada a 19/02/15.
De uma maneira ou de outra, a tradição folk anglo-saxónica tem sobrevivido bem à voracidade das épocas e à inconstância das manias, integrando-se transversalmente e com profundidade melódica em fenómenos de vastidão antípoda como os The Magnetic Fields do fim de século XX, os Wilco do princípio do século XXI ou os Manchester Orchestra de agora.
Apóstolos desta seita prolixa e interminável, os Bear’s Den lançaram no fim de 2014 um primeiro trabalho que soa como um décimo sexto. Maturo, parcimonioso mas quase fundamentalista na obsessão com as harmonias, carregado com um conjunto de poemas inspirados e convenientemente sorumbáticos, “Islands” (Communion Records, 2014) é um disco que deixa outras bandas menos convictas da sua inerente herança folk, como os The Lumineers, a milhas de distância, no caminho da floresta.
Logo no primeiro minuto de “Agape”, o tema de abertura, está uma espécie de manifesto. Se o gentil leitor ouvir apenas estes acordes iniciais ficará razoavelmente informado sobre a odisseia que os três músicos de West London têm para lhe propor. Um tema forte como o raio.
“The Love You Stole” transporta algo dos paleolíticos Big Country para uma redefinição da balada. Saltando de uma viagem psico-revivalista a Pompeia (“Above The Clouds Of Pompeii”), para uma trova de gentil-homem que evoca com brilhantismo algumas experiências sónicas do grande Stephin Merritt (“Isaac”), o audiente é confrontado mais à frente com o poder épico de “Think of England”, uma canção que dá vontade de apanhar imediatamente uma boleia do Mayflower ou qualquer coisa aventurosa e marítima deste género. O banjo, que é a peça lírica por excelência dos Bear’s Den, tem reinado até aqui mas, aqui chegados, é imperador.Em “Magdalene” já estamos completamente imersos pelo arvoredo do folclore celta e, no trilho sombrio que se estende entre “When You Brake” e “Elysium”, ficamos cada vez mais próximos do grande deus-urso.
O disco vai num crescendo indie-folk assumidíssimo, quase sem rock nenhum, até ao apogeu estético que os seus ouvidos, paciente leitor, vão consumir com deleite. “Bad Blood” é o fim do trilho, o triunfo do mato, o covil de todas as coisas. A razão da música no coração da floresta.
De uma maneira ou de outra, a tradição folk anglo-saxónica tem sobrevivido bem à voracidade das épocas e à inconstância das manias, integrando-se transversalmente e com profundidade melódica em fenómenos de vastidão antípoda como os The Magnetic Fields do fim de século XX, os Wilco do princípio do século XXI ou os Manchester Orchestra de agora.
Apóstolos desta seita prolixa e interminável, os Bear’s Den lançaram no fim de 2014 um primeiro trabalho que soa como um décimo sexto. Maturo, parcimonioso mas quase fundamentalista na obsessão com as harmonias, carregado com um conjunto de poemas inspirados e convenientemente sorumbáticos, “Islands” (Communion Records, 2014) é um disco que deixa outras bandas menos convictas da sua inerente herança folk, como os The Lumineers, a milhas de distância, no caminho da floresta.
Logo no primeiro minuto de “Agape”, o tema de abertura, está uma espécie de manifesto. Se o gentil leitor ouvir apenas estes acordes iniciais ficará razoavelmente informado sobre a odisseia que os três músicos de West London têm para lhe propor. Um tema forte como o raio.
“The Love You Stole” transporta algo dos paleolíticos Big Country para uma redefinição da balada. Saltando de uma viagem psico-revivalista a Pompeia (“Above The Clouds Of Pompeii”), para uma trova de gentil-homem que evoca com brilhantismo algumas experiências sónicas do grande Stephin Merritt (“Isaac”), o audiente é confrontado mais à frente com o poder épico de “Think of England”, uma canção que dá vontade de apanhar imediatamente uma boleia do Mayflower ou qualquer coisa aventurosa e marítima deste género. O banjo, que é a peça lírica por excelência dos Bear’s Den, tem reinado até aqui mas, aqui chegados, é imperador.Em “Magdalene” já estamos completamente imersos pelo arvoredo do folclore celta e, no trilho sombrio que se estende entre “When You Brake” e “Elysium”, ficamos cada vez mais próximos do grande deus-urso.
O disco vai num crescendo indie-folk assumidíssimo, quase sem rock nenhum, até ao apogeu estético que os seus ouvidos, paciente leitor, vão consumir com deleite. “Bad Blood” é o fim do trilho, o triunfo do mato, o covil de todas as coisas. A razão da música no coração da floresta.
sexta-feira, fevereiro 20, 2015
Isto começa a ser viciante:
Bear's Den . Think Of England
You're not drinking as much as you used to.
I'm the same old, same old.
quarta-feira, fevereiro 18, 2015
Só para quem gosta de corridas.
Ron Howard é um cineasta absolutamente imprevísivel, que está sempre a oscilar entre a competência e a mediocridade. É tão capaz de realizar objectos fílmicos decentes e com peso na cultura pop contemporânea, como Apollo 13, Frost/Nixon, Cinderella Man ou A Beautiful Mind, como de dirigir verdadeiros cataclismos do bom senso e do bom gosto, como Far And Way, Backdraft ou o lamentável Da Vinci Code (é difícil fazer de Tom Hanks um actor medíocre, mas Ron Howard conseguiu cumprir a desgraça).
Por sorte, em Rush, uma espécie de biopic dedicada à célebre rivalidade entre Nikki Lauda e James Hunt, Ron mostra o seu melhor lado. Para quem gosta de corridas de automóveis, das boas e velhas corridas de automóveis, o filme enche as medidas e mata muitas saudades. É que a acção centra-se no ano paleolítico de 1976, altura em que a Fórmula 1 era um espectáculo operático de alta intensidade ontológica e antológica, que colocava na arena uns monolugares monstruosos, completamente analógicos, que faziam um barulho do escafandro, gastavam que nem doidos e assassinavam recorrentemente os seus domesticadores. Lauda e Hunt eram excelentes domesticadores. E enquanto o inglês escapou incólume da aventura, o austríaco pagou caro pela glória, como toda a gente sabe. Howard conta a história com desenvoltura técnica (a coerência estética e dinâmica entre as sequências digitais e a imagem real é um ponto forte da fita), sentido épico e fluência dramática, os actores são convincentes na transfiguração, e a história é, na sua maior parte, contada como aconteceu realmente, o que é raro num filme produzido pela máquina de debitar mentiras que é Hollywood e de que Ron Howard, para o bem e para o mal, é indefectível campeão.
Já quem não gosta assim tanto de automobilismo, se calhar o melhor é ver as cinquenta sombras de grey ou uma outra merda qualquer.
sexta-feira, fevereiro 13, 2015
Pura combustão.
Desde que foi colocado em órbita, em 2010, o Observatório de Dinâmica Solar da NASA tirou 200 milhões de imagens à estrela que nos aquece. O resultado são estes quatro minutos e meio de deslumbramento.
Momento de rara beleza. Mesmo.
Bear's Den . Bad Blood
Sever the ties,
Cut me out,
And fill up the hole
That I tied and I tried and I tried to fill
Oh but I lied and I'll lie at will
Just to keep your feet off the floor
And to keep my wolves from your door
Forgive me for I am not acting myself
But these bees in my breath have to come out
Well you give me no reason to doubt your word
But I still somehow still have my reasons
And I'm sorry I don't mean to scare you at all
I'm just trying to drain all this bad blood
All this bad blood
All my bad blood
Well I slashed your tires
And I locked your doors
So no one gets out
But there's a rupture to the structure
Of this house that we built
And I fucked it yeah I fucked it and I fucked it until
Those wolves they took all they could
Forgive me for I am not acting myself
But these bees in my breath have to come out
Well you give me no reason to doubt your word
But I still somehow still have my reasons
I'm sorry, I don't mean to scare you at all
I'm just trying to drain all this bad blood
All this bad blood
All my bad blood
All my bad blood
All my bad blood
All my bad blood
As I walk down he road of old St. Augustine
I recall a choir singing in some orchard
Well the tighter you hold, yeah they're still gonna go
Until all you remember is the courtship
Well I know I was far from perfect
But I was just dying to drain all my bad blood
All my bad blood
All my bad blood
quinta-feira, fevereiro 12, 2015
A quem é que os alemães vão pedir uma indemenização por isto aqui:
Há 70 anos atrás, a 13 de Fevereiro de 1945, os aliados conduziram aquele que é, talvez, o mais infame bombardeamento da história da II Guerra Mundial. Infame, porque a guerra estava já ganha. Infame, porque foram despejadas sobre Dresden cerca de 4.000 toneladas de bombas incendiárias. Infame porque morreram 25.000 civis numa noite apenas. Infame porque a razão para a chacina se deveu apenas à vontade de aniquilar a estrutura industrial alemã.
Infame enfim, ainda hoje, porque, entre cineastas, romancistas, jornalistas, historiadores e políticos, há muito poucas almas com coragem para documentar o apocalipse de Dresden. Kurt Vonnegut escreveu, a propósito da sua experiência "ao vivo" da terrível noite de Dresden, a caleidoscópica obra prima "Matadouro Cinco", e, na literatura, que eu saiba, é tudo. Hoje, os senhores que conduzem a redacção do The Atlantic, lembraram-se. Mas é pouco, muito pouco para tanto horror.
No momento em que os gregos "exigem" algo tardiamente indemenizações à Alemanha pelos estragos da guerra (lembro que o governo grego vigente no momento da ocupação pelas forças do eixo era fascista e que a guerra civil que se seguiu à libertação do país só terminou em 1949), eu pergunto: e que a quem é que os alemães vão pedir compensação por esta atrocidade perfeitamente evitável?
segunda-feira, fevereiro 09, 2015
Como é que se diz Haraquiri em grego?
Magnífico artigo de Mario Vargas Llosa, no El País (aqui, em português brasileiro). Para ler e reler.
sexta-feira, fevereiro 06, 2015
quinta-feira, fevereiro 05, 2015
No jardim do bem e do mal.
Ontem li na Sábado um artigo do José Pacheco Pereira que me deixou com o queixo ao nível do mar. Reparem só neste meio parágrafo:
"Ouvindo estas vozes, exigindo que a única política europeia seja "levar o Syriza à derrota" para evitar o contágio, sem transigências e com toda a dureza, eu penso como nestes últimos anos nós não tivemos só discussões políticas e ideológicas (poucas aliás, a sério), alimentámos o mal. O mal. Nalguns sítios da nossa sociedade gerámos, alimentámos, engordámos, trouxemos à luz do dia gente má, muito má, que mandou e manda em nós, instilando arrogância, desprezo pelos mais fracos, insensibilidade face à miséria, gente que olha os gregos como se fossem untermenschen."
Deuses. Parece que, para JPP, quem acha apenas justo e prudente que os gregos paguem o que devem é uma espécie de acólito de satã. E quem, como eu, não vê de ânimo leve a ascensão do Syriza aos círculos mais altos do poder na Europa, não passa de um sádico. O maniqueísmo escandaloso e, de certa forma, doentio, que JPP usa abundantemente como figura de estilo neste texto, não está à altura do seu perfil intelectual, é estranhíssimo e, sobretudo, preocupante.
Percebo que JPP se sinta nostálgico de uma revolução qualquer e a qualquer custo, mas não é de certeza o Syriza que a vai fazer, porque a Grécia precisa de dinheiro muito antes de precisar de revoluções.
Percebo que defenda os cidadãos europeus que fazem sacrifícios e passam mal e perdem empregos e caem na miséria. Mas, caramba, porque raio é que o distinto historiador e opinion maker decidiu acreditar que Tsipras e Varoufakis e companhia vão conseguir inverter a tendência de descida na qualidade de vida dos gregos? No preciso momento em que escrevo este texto, Wolfgang Schäuble, o inflexível ministro das finanças alemão, acabou de deixar o seu congénere grego com um sorriso amarelo de todo o tamanho ao anunciar em conferência de imprensa conjunta que "concorda em discordar" com o seu congénere, assumindo a ausência de qualquer acordo e reiterando que a Alemanha já ajudou a Grécia mais do que seria razoável. As perspectivas de curto e médio prazo para uma redução da austeridade na península helénica não podem ser optimistas. Ao invés, as coisas podem começar a correr mesmo muito mal. Se a Grécia sair do Euro, o que é que o JPP pensa que vai acontecer ao povo grego? Os actuais e sofríveis níveis de vida vão cair rapidamente, de tal forma que o actual período de austeridade trará lendária nostalgia àqueles que JPP agora defende: os pobres vão ficar mais pobres, os remediados vão ficar menos remediados e assim sucessivamente até ao caos absoluto da economia e da nação.
Isto já para não falar do conjunto de valores niilistas e absolutamente anti-civilizacionais que estão escarrapachados no programa político do Syriza e que transporta o entusiasmo retórico de José Pacheco Pereira para um patamar de non-sense só admissível numa rábula dos Monty. Tenho a certeza que o notável autor não tem qualquer simpatia pelos fundamentos ideológicos desta gente. E que os acha tão perigosos como eu.
Mas, assim sendo, a que se deve este recurso aos abismos do bem e do mal, esta insidiosa arquitectura moral, este fascismo ético?
Sinceramente, há coisas que não se percebem. E eu cada vez percebo menos das razões que movem Pacheco Pereira.
"Ouvindo estas vozes, exigindo que a única política europeia seja "levar o Syriza à derrota" para evitar o contágio, sem transigências e com toda a dureza, eu penso como nestes últimos anos nós não tivemos só discussões políticas e ideológicas (poucas aliás, a sério), alimentámos o mal. O mal. Nalguns sítios da nossa sociedade gerámos, alimentámos, engordámos, trouxemos à luz do dia gente má, muito má, que mandou e manda em nós, instilando arrogância, desprezo pelos mais fracos, insensibilidade face à miséria, gente que olha os gregos como se fossem untermenschen."
Deuses. Parece que, para JPP, quem acha apenas justo e prudente que os gregos paguem o que devem é uma espécie de acólito de satã. E quem, como eu, não vê de ânimo leve a ascensão do Syriza aos círculos mais altos do poder na Europa, não passa de um sádico. O maniqueísmo escandaloso e, de certa forma, doentio, que JPP usa abundantemente como figura de estilo neste texto, não está à altura do seu perfil intelectual, é estranhíssimo e, sobretudo, preocupante.
Percebo que JPP se sinta nostálgico de uma revolução qualquer e a qualquer custo, mas não é de certeza o Syriza que a vai fazer, porque a Grécia precisa de dinheiro muito antes de precisar de revoluções.
Percebo que defenda os cidadãos europeus que fazem sacrifícios e passam mal e perdem empregos e caem na miséria. Mas, caramba, porque raio é que o distinto historiador e opinion maker decidiu acreditar que Tsipras e Varoufakis e companhia vão conseguir inverter a tendência de descida na qualidade de vida dos gregos? No preciso momento em que escrevo este texto, Wolfgang Schäuble, o inflexível ministro das finanças alemão, acabou de deixar o seu congénere grego com um sorriso amarelo de todo o tamanho ao anunciar em conferência de imprensa conjunta que "concorda em discordar" com o seu congénere, assumindo a ausência de qualquer acordo e reiterando que a Alemanha já ajudou a Grécia mais do que seria razoável. As perspectivas de curto e médio prazo para uma redução da austeridade na península helénica não podem ser optimistas. Ao invés, as coisas podem começar a correr mesmo muito mal. Se a Grécia sair do Euro, o que é que o JPP pensa que vai acontecer ao povo grego? Os actuais e sofríveis níveis de vida vão cair rapidamente, de tal forma que o actual período de austeridade trará lendária nostalgia àqueles que JPP agora defende: os pobres vão ficar mais pobres, os remediados vão ficar menos remediados e assim sucessivamente até ao caos absoluto da economia e da nação.
Isto já para não falar do conjunto de valores niilistas e absolutamente anti-civilizacionais que estão escarrapachados no programa político do Syriza e que transporta o entusiasmo retórico de José Pacheco Pereira para um patamar de non-sense só admissível numa rábula dos Monty. Tenho a certeza que o notável autor não tem qualquer simpatia pelos fundamentos ideológicos desta gente. E que os acha tão perigosos como eu.
Mas, assim sendo, a que se deve este recurso aos abismos do bem e do mal, esta insidiosa arquitectura moral, este fascismo ético?
Sinceramente, há coisas que não se percebem. E eu cada vez percebo menos das razões que movem Pacheco Pereira.
Bomba eléctrica.
The Hobbes Fan Club. Uma banda com um nome destes só pode dar em algo de excepcional. Algo como o solo de guitarra desta música, que não podia debitar mais conteúdo lírico, sob o risco de implosão voltaica.
segunda-feira, fevereiro 02, 2015
Super Bowl Drama #2
É muito raro termos um Super Bowl sem drama, mas os últimos minutos do duelo de hoje, entre os New England Patriots e os Seatle Seahawks, foram completamente insanos.
A perder por dez pontos no final do terceiro quarter, Tom Brady, com dois passes para touchdown, conseguiu levar os rapazes de Foxborough a uma vantagem de 4 pontos, deixando apenas dois minutos ao adversário para reagir. Acontece que os Seahawks não são propriamente uma equipa de maricas, e, a vinte segundos do fim, estavam a uma jarda do título, depois de um catch acrobático e surreal de Jermaine Kearse. Com dois downs para jogar, tudo o que Russell Wilson tinha que fazer era dar a bola ao melhor running back da liga, o imparável Marshawn Lynch, a.k.a. The Beast Mode, e somar o título. Ao invés, numa decisão absolutamente inacreditável que deixou toda a gente de queixo caído, o quarterback dos Seahawks lançou disparatadamente a bola para a end zone, só para ser interceptada por Malcom Butler, o rookie cornerback de New England, oferecendo assim a glória aos Patriots e a Tom Brady, que se junta ao restrito grupo dos quarterbacks sagrados do futebol americano, com 4 títulos conquistados.
Na América, hoje, só se faz uma pergunta: What the hell were they thinking?
Super Bowl XLIX highlights on Youtube
Da queda do homem.
"Caí pela escada abaixo subitamente,
E até o som de cair era a gargalhada da queda.
Cada degrau era a testemunha importuna e dura
Do ridículo que fiz de mim."
Álvaro de Campos
A pior queda que Deus inventou não é aquela bíblica, do Homem Original. A pior queda, a queda livre e absoluta, é a de malhar no ridículo.
Convenhamos: o gajo que come a maçã proíbida na perspectiva de uma pinocada gratuita é tão trágico como um pomar. Mas o gajo que dá uma trinca no fruto seminal sem perspectiva de pinocada alguma é trágico como Wagner. A intensidade da tragédia não tem comparação por causa do índíce de ridicularia: Adão tinha uma razão para a queda aparatosa - uma razão sensata e válida que toda a gente dotada de orgãos genitais percebe perfeitamente. Acabou por fazer má figura. Mas não fez figura triste. E não há pior tortura para o homem moral que o suplício de fazer triste figura. Daí Cervantes: o Adão que cumpre a asneira histórica de trincar a maçã sem sequer ter a intenção de dar a queca na gaja é completamente quixotesco. E cai rapidamente na pior espécie de teatro grego que pode existir na história universal da literatura: o circo do ridículo.
A tragédia, como é claro, não advém da realidade; é, ao invés e invariavelmente, o produto de uma ilusão ou o resultado de um equívoco. É que não há tragédia sem farsa e não há existência sem a presença do ridículo. Na verdade, é precisamente com o rídiculo da existência que os deuses se vingam de nós.
E até o som de cair era a gargalhada da queda.
Cada degrau era a testemunha importuna e dura
Do ridículo que fiz de mim."
Álvaro de Campos
A pior queda que Deus inventou não é aquela bíblica, do Homem Original. A pior queda, a queda livre e absoluta, é a de malhar no ridículo.
Convenhamos: o gajo que come a maçã proíbida na perspectiva de uma pinocada gratuita é tão trágico como um pomar. Mas o gajo que dá uma trinca no fruto seminal sem perspectiva de pinocada alguma é trágico como Wagner. A intensidade da tragédia não tem comparação por causa do índíce de ridicularia: Adão tinha uma razão para a queda aparatosa - uma razão sensata e válida que toda a gente dotada de orgãos genitais percebe perfeitamente. Acabou por fazer má figura. Mas não fez figura triste. E não há pior tortura para o homem moral que o suplício de fazer triste figura. Daí Cervantes: o Adão que cumpre a asneira histórica de trincar a maçã sem sequer ter a intenção de dar a queca na gaja é completamente quixotesco. E cai rapidamente na pior espécie de teatro grego que pode existir na história universal da literatura: o circo do ridículo.
A tragédia, como é claro, não advém da realidade; é, ao invés e invariavelmente, o produto de uma ilusão ou o resultado de um equívoco. É que não há tragédia sem farsa e não há existência sem a presença do ridículo. Na verdade, é precisamente com o rídiculo da existência que os deuses se vingam de nós.
Subscrever:
Mensagens (Atom)