O ponto gif mal alcança
o comprimento infindável do teu largo passo
de astronauta.
E tu, rapaz, és uma estampa,
pá.
O desgraçado do Augusto
parece um anão ordinário na companhia
de Deus.
Não tenho talento para maricas, mas tu, Fernando,
enamoras-me.
quinta-feira, março 26, 2015
quarta-feira, março 25, 2015
Produto televisivo de excelência.
Festival da canção de 1976. Ary dos Santos escreve para a música de Fernando Tordo e a voz de Carlos do Carmo um dos mais belos poemas sónicos já redigidos na língua pátria. A canção fica em 6º lugar, mas tem direito a um encore, agora com a intervenção gloriosa do glorioso poeta. Se não tiverem paciência para o Carlos do Carmo, saltem para o minuto 1'45 e garanto-lhes que o bom do Ary vos oferecerá uma experiência de levantar pelo e cabelo. Isto sim, é televisão.
terça-feira, março 24, 2015
Morre o poeta; as palavras não.
Sobre Um Poema
Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
Herberto Helder . 1930-2015
Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
Herberto Helder . 1930-2015
sexta-feira, março 20, 2015
Só para quem gosta de Rugby.
Porque quem não gosta, não vai perceber o que é difícil e o que é belo e o que é vertiginoso na performance do incrível Tyrese Johnson-Fisher que, segundo dizem, conta apenasmente 15 aninhos de existência (tenho dúvidas).
terça-feira, março 17, 2015
O traidor ataca outra vez.
Depois de dois mandatos incapazes, cuja herança, caríssima para o Ocidente em geral e para a América em particular, só o avançar da história será capaz de revelar em toda a sua miséria; depois de um rol patético e infame de recuos e retiradas, de hesitações e cobardias, de equívocos e meias vontades que condenaram a política externa americana à impotência total; depois de, pela primeira vez na história das relações diplomáticas dos Estados Unidos da América, ter posicionado a Casa Branca como inimigo feudal de Israel (um erro geoestratégico e também de política interna que é difícil de medir, dada a sua inacreditável magnitude); depois de falhar todas as suas principais apostas, todas as suas primordiais promessas, e de as falhar com estrondo; depois de ter feito tudo o que era possível para adulterar as virtudes que fizeram da América uma potência e - de certa forma - o porto seguro e quartel general da liberdade individual e dos valores do Ocidente, este islamita que os americanos - num ataque de esquizofrenia sem precedentes na história universal - elegeram, por duas vezes, como seu líder máximo, tem nos últimos meses mostrado, com uma honestidade que até aqui não se lhe conhecia e que só deriva de um natural desespero de causas, a sua face mais tenebrosa. Aqui há umas semanas, num arremedo ignorante e espantosamente demagógico, comparou o terrorismo islâmico às cruzadas. E hoje, num impulso desculpatório da sua incompetência e cobardia, culpou George W. Bush pelo surgimento do Estado Islâmico.
Obama, o Pequeno, nunca deve ter lido um livro de história na puta da vida e deve saber tanto das nove cruzadas (na verdade foram doze) como eu sei de feixes hertzianos - ou menos. Comparar uma realidade histórica complexa, que tem origem em tensões existentes no mediterrâneo desde a baixa idade média, que envolveu uma multiplicidade incrível de variáveis étnicas, religiosas, económicas e geográficas e que decorreu durante dois séculos com o que está agora a acontecer no levante é admissível num programa televisivo de vocação humoristica do género Saturday Night Live mas é um analogismo difícil de aceitar quando é proferido pelo Presidente dos Estados Unidos da América. Alguém devia dar-se ao trabalho (bem sei que fútil) de explicar a este energúmeno que as cruzadas são, na sua vertente política, uma tentativa de travar a hegemonia económica, militar e religiosa que a veloz e ameaçadora expansão muçulmana impôs no Mediterrâneo. Alguém deveria ensinar a Obama que Jerusalém foi ocupada pelos califas em 638 e bastante desvalorizada e martirizada a partir daí, e que, sendo uma cidade santa para os cristãos, estes se sentiram na obrigação de a libertar. Alguém deveria perder cinco pedagógicos minutos com este imbecil de forma a que ele conseguisse perceber que os horrores perpetrados pelos cristãos foram do mesmo género dos horrores perpretados pelos muçulmanos, porque guerra é guerra e na guerra não há humanistas e na idade média o horror tinha, de qualquer forma, uma valorização completamente diferente da que tem hoje. Alguém devia encaixar a informação pertinente na cabeça pequena deste pequeno rapaz que nem todos os califas eram saladinos e que nem todos os cristãos eram templários genocidas e que, apesar da presença farta de genocidas dos dois lados das trincheiras, os actos de guerra e chacina do Estado Islâmico são bastante mais virulentos que aqueles perpetrados e historicamente registados no decorrer de dois séculos de cruzadas. Infelizmente, parece que ninguém quer perder tempo a ensinar história a Obama e, por isso, Obama vai continuar a proferir estes dislates e a insultar toda a gente com a sua ignorância levezinha de pop star, que deve ser a única coisa para a qual tem realmente algum jeito.
Mas, mais ofensiva ainda é a afirmação de hoje. Culpar a anterior administração republicana pela génese do Estado Islâmico é mais ou menos a mesma coisa que culpar o Presidente Wilson pelo surgimento do Nacional Socialismo na Alemanha dos anos 30 ou Abraham Lincoln pela segregação racial nos estados do sul da América no século XX. Para além de não fazer sentido nenhum, é uma afirmação infame e vergonhosa. Até porque tenta disfarçar o indisfarçável: o Estado Islâmico só foi possível porque a administração Obama decidiu, de forma irrealista, impensada e precipitada, retirar do Iraque sem primeiro criar condições militares, políticas e sociais para que não acontecesse precisamente o que aconteceu.
Barak Obama termina assim o seu último mandato respeitando o barbarismo intelectual e a vilania ideológica com que o iniciou: anti-americano por definição, não desiste da sua sagrada missão de destruir os valores morais e materiais da civilização ocidental. E a história remota e recente serve-lhe às mil maravilhas, porque, para a esquerda radical a que pertence de coração, a história não é o que foi. É o que devia ter sido.
Obama, o Pequeno, nunca deve ter lido um livro de história na puta da vida e deve saber tanto das nove cruzadas (na verdade foram doze) como eu sei de feixes hertzianos - ou menos. Comparar uma realidade histórica complexa, que tem origem em tensões existentes no mediterrâneo desde a baixa idade média, que envolveu uma multiplicidade incrível de variáveis étnicas, religiosas, económicas e geográficas e que decorreu durante dois séculos com o que está agora a acontecer no levante é admissível num programa televisivo de vocação humoristica do género Saturday Night Live mas é um analogismo difícil de aceitar quando é proferido pelo Presidente dos Estados Unidos da América. Alguém devia dar-se ao trabalho (bem sei que fútil) de explicar a este energúmeno que as cruzadas são, na sua vertente política, uma tentativa de travar a hegemonia económica, militar e religiosa que a veloz e ameaçadora expansão muçulmana impôs no Mediterrâneo. Alguém deveria ensinar a Obama que Jerusalém foi ocupada pelos califas em 638 e bastante desvalorizada e martirizada a partir daí, e que, sendo uma cidade santa para os cristãos, estes se sentiram na obrigação de a libertar. Alguém deveria perder cinco pedagógicos minutos com este imbecil de forma a que ele conseguisse perceber que os horrores perpetrados pelos cristãos foram do mesmo género dos horrores perpretados pelos muçulmanos, porque guerra é guerra e na guerra não há humanistas e na idade média o horror tinha, de qualquer forma, uma valorização completamente diferente da que tem hoje. Alguém devia encaixar a informação pertinente na cabeça pequena deste pequeno rapaz que nem todos os califas eram saladinos e que nem todos os cristãos eram templários genocidas e que, apesar da presença farta de genocidas dos dois lados das trincheiras, os actos de guerra e chacina do Estado Islâmico são bastante mais virulentos que aqueles perpetrados e historicamente registados no decorrer de dois séculos de cruzadas. Infelizmente, parece que ninguém quer perder tempo a ensinar história a Obama e, por isso, Obama vai continuar a proferir estes dislates e a insultar toda a gente com a sua ignorância levezinha de pop star, que deve ser a única coisa para a qual tem realmente algum jeito.
Mas, mais ofensiva ainda é a afirmação de hoje. Culpar a anterior administração republicana pela génese do Estado Islâmico é mais ou menos a mesma coisa que culpar o Presidente Wilson pelo surgimento do Nacional Socialismo na Alemanha dos anos 30 ou Abraham Lincoln pela segregação racial nos estados do sul da América no século XX. Para além de não fazer sentido nenhum, é uma afirmação infame e vergonhosa. Até porque tenta disfarçar o indisfarçável: o Estado Islâmico só foi possível porque a administração Obama decidiu, de forma irrealista, impensada e precipitada, retirar do Iraque sem primeiro criar condições militares, políticas e sociais para que não acontecesse precisamente o que aconteceu.
Barak Obama termina assim o seu último mandato respeitando o barbarismo intelectual e a vilania ideológica com que o iniciou: anti-americano por definição, não desiste da sua sagrada missão de destruir os valores morais e materiais da civilização ocidental. E a história remota e recente serve-lhe às mil maravilhas, porque, para a esquerda radical a que pertence de coração, a história não é o que foi. É o que devia ter sido.
quinta-feira, março 12, 2015
Censores de rede social: puta que os pariu.
"Ha desinfectantes para limpar as canalizações. Mas para a imundície destas almas não existe desinfectante moral."
Jean Seul de Méluret (Fernando Pessoa) . Os Senhores Proxenetas
Não frequento redes sociais para lém dos blogs e do Youtube, mas chega-me de fonte fidedigna a informação que a deliciosa crónica que João Pedro George publicou a semana passada no Observador foi agredida loucamente pelos indignados deste país (somos um país de pessoas indignadas).
Eu também estou indignado claro, na inescapável medida em que sou tão português como a generalidade dos portugueses, mas, comparativamente, a minha indignação está de pernas para o ar. Eu estou indignado porque as pessoas que não encontraram, no texto luminoso, profundamente literário e de grande seriedade jornalística de João Pedro George, mais que razões para se sentirem ofendidas, não deviam ser possuidoras de megafones mediáticos que propaguem a sua mais profunda ignorância de tudo, a sua mais assustadora cultura do zero.
Hoje, em Portugal, não podemos dizer certas coisas do romancista a, b ou c porque parece que os romancistas são uns monstros sagrados intocáveis porque escrevem romances. Não há nada de especial numa pessoas que escreve romances. Para se ser especial a escrever romances é preciso escrevê-los com excelência técnica e criativa. E saber defendê-los perante a crítica. Neste sentido, será porventura útil conseguir articular sobre aquilo que se escreve. O texto de JPG tenta apenasmente demonstrar - e depois ridicularizar - a leviendade com que os autores portugueses articulam o seu trabalho. Qual é o mal disto? Nenhum e pelo contrário: isto é bastante higiénico.
Mas ainda que não fosse de utilidade óbvia, pertinência clara e salubridade invulgar, o divertidíssimo texto de JPG continuaria a ser divertido e continuaria a ser virtuoso. É talvez útil regressar atrás, no espaço-tempo da literatura portuguesa, para percebermos que a vitalidade criativa advém de uma fundamental atitude de manifesto, de ruptura, de violência sintática e semântica sobre um determinado status quo. Vou só dar dois exemplos: a Geração de 70 e a geração do Orpheu. A quem seria hoje permitido, sem o esmagamento da indignação, escrever algo como "As Farpas"? E como poderia José de Almada Negreiros, o grande, redigir algo parecido com o "Manifesto Anti-Dantas" se já existisse na altura um mecanismo de censura grupal e conformismo social como o Facebook? E que aconteceria a Fernando Pessoa depois de redigir pérolas modernistas altamente agressivas e até insultuosas como o "Ultimatum" ou o "Aviso Por Causa Da Moral"? Seria literalmente passado a ferro por esta gente grotesca, espécie de rebanho de beatas aflitas, histericamente acometidas de um impulso fascista que só se percebe no entendimento da sua própria miséria moral e cultural.
Felizmente, há ainda, mesmo que residuais, espaços de liberdade neste país. E gente inteligente e desassombrada e corajosa que diz o que tem a dizer sem medos nem complexos. Gente como João Pedro George. Quanto aos outros - os censores de zuckerberg, os alienados do bem e do mal, os empertigados da escolástica do costume, os moralistas de algibeira - podem ir bardamerda. Não são eles que fazem História. Não são eles que elevam os povos e as culturas. Não são eles que levantam a civilização. Não são eles que inventam a reinventam a arte.
E uma última nota: só um boi cego-surdo é que não repara que as afirmações de Lobo Antunes sobre a sua obra são invariavelmente ridículas e vazias de conteúdo. E não é de agora. O senhor não diz nem nunca disse nada de jeito. As entrevistas que lhe fazem são sobretudo momentos de glorificação do autor. Mas jamais um momento de esclarecimento para o leitor. Ou de profundidade para o crítico.
Jean Seul de Méluret (Fernando Pessoa) . Os Senhores Proxenetas
Não frequento redes sociais para lém dos blogs e do Youtube, mas chega-me de fonte fidedigna a informação que a deliciosa crónica que João Pedro George publicou a semana passada no Observador foi agredida loucamente pelos indignados deste país (somos um país de pessoas indignadas).
Eu também estou indignado claro, na inescapável medida em que sou tão português como a generalidade dos portugueses, mas, comparativamente, a minha indignação está de pernas para o ar. Eu estou indignado porque as pessoas que não encontraram, no texto luminoso, profundamente literário e de grande seriedade jornalística de João Pedro George, mais que razões para se sentirem ofendidas, não deviam ser possuidoras de megafones mediáticos que propaguem a sua mais profunda ignorância de tudo, a sua mais assustadora cultura do zero.
Hoje, em Portugal, não podemos dizer certas coisas do romancista a, b ou c porque parece que os romancistas são uns monstros sagrados intocáveis porque escrevem romances. Não há nada de especial numa pessoas que escreve romances. Para se ser especial a escrever romances é preciso escrevê-los com excelência técnica e criativa. E saber defendê-los perante a crítica. Neste sentido, será porventura útil conseguir articular sobre aquilo que se escreve. O texto de JPG tenta apenasmente demonstrar - e depois ridicularizar - a leviendade com que os autores portugueses articulam o seu trabalho. Qual é o mal disto? Nenhum e pelo contrário: isto é bastante higiénico.
Mas ainda que não fosse de utilidade óbvia, pertinência clara e salubridade invulgar, o divertidíssimo texto de JPG continuaria a ser divertido e continuaria a ser virtuoso. É talvez útil regressar atrás, no espaço-tempo da literatura portuguesa, para percebermos que a vitalidade criativa advém de uma fundamental atitude de manifesto, de ruptura, de violência sintática e semântica sobre um determinado status quo. Vou só dar dois exemplos: a Geração de 70 e a geração do Orpheu. A quem seria hoje permitido, sem o esmagamento da indignação, escrever algo como "As Farpas"? E como poderia José de Almada Negreiros, o grande, redigir algo parecido com o "Manifesto Anti-Dantas" se já existisse na altura um mecanismo de censura grupal e conformismo social como o Facebook? E que aconteceria a Fernando Pessoa depois de redigir pérolas modernistas altamente agressivas e até insultuosas como o "Ultimatum" ou o "Aviso Por Causa Da Moral"? Seria literalmente passado a ferro por esta gente grotesca, espécie de rebanho de beatas aflitas, histericamente acometidas de um impulso fascista que só se percebe no entendimento da sua própria miséria moral e cultural.
Felizmente, há ainda, mesmo que residuais, espaços de liberdade neste país. E gente inteligente e desassombrada e corajosa que diz o que tem a dizer sem medos nem complexos. Gente como João Pedro George. Quanto aos outros - os censores de zuckerberg, os alienados do bem e do mal, os empertigados da escolástica do costume, os moralistas de algibeira - podem ir bardamerda. Não são eles que fazem História. Não são eles que elevam os povos e as culturas. Não são eles que levantam a civilização. Não são eles que inventam a reinventam a arte.
E uma última nota: só um boi cego-surdo é que não repara que as afirmações de Lobo Antunes sobre a sua obra são invariavelmente ridículas e vazias de conteúdo. E não é de agora. O senhor não diz nem nunca disse nada de jeito. As entrevistas que lhe fazem são sobretudo momentos de glorificação do autor. Mas jamais um momento de esclarecimento para o leitor. Ou de profundidade para o crítico.
segunda-feira, março 09, 2015
Sul
O mundo é redondo
E por muito que se tente fugir para a frente,
Mais cedo ou mais tarde,
Acabamos por regressar ao ponto de onde partimos.
João Lagido . Sul
Rumo ao Sul.
Atravesso o tempo na orientação mágica
da bússola da memória.
O meu regresso é uma fuga,
o meu destino é onde estou
e eu estou
em movimento.
Voltar é partir sem ter caminho;
uma odisseia de cegos,
uma peregrinação tonta,
sem a redenção da luz.
Há quem te avise contra os perigos
de te transportares para o ponto no espaço,
momento no tempo,
em que foste feliz;
mas ninguém sabe ao certo o que dizer
quando o que procuras é
o trilho certo
para viveres outra vez
a tua mais íntima miséria.
Rumo ao Sul.
A maré teima em afastar o estuário
do meu cálculo marinheiro.
Pressinto já, porém, o verde-grito do arrozal,
o apelo calado das águas do Sado
e adivinho, talvez, agora,
um verso do Bocage.
Deus sabe o que procuro ali, por trás da praia,
na profundidade esguia
da península.
Cumpro o meu regresso contra correntes e naufrágios
e montanhas e desgraças;
deixo-me castigar pelos ventos da viagem
e purificar pelas águas do mundo;
Sou vítima de todas as coordenadas
e carrasco de todos os mapas:
Ulisses fez-me companhia na perdição
e Eneias foi testemunha do tudo e do nada
na saga circular a que submeti
a existência.
Rumo ao Sul.
Não encontrei no caminho de ida mais do que distâncias,
Não encontrei no caminho de volta senão demoras.
Mas há um sinal, um marco, uma referência, um bom porto,
um túmulo que me guia
e que encerra a tragédia escapista do meu percurso incivilizado,
do meu trajecto simétrico de homem-pêndulo,
nómada de mim mesmo,
sextante desarranjado,
sal grosso em terra fértil.
Há uma cruz, no fim da estrada, que é a minha Estrela do Norte.
E por muito que se tente fugir para a frente,
Mais cedo ou mais tarde,
Acabamos por regressar ao ponto de onde partimos.
João Lagido . Sul
Rumo ao Sul.
Atravesso o tempo na orientação mágica
da bússola da memória.
O meu regresso é uma fuga,
o meu destino é onde estou
e eu estou
em movimento.
Voltar é partir sem ter caminho;
uma odisseia de cegos,
uma peregrinação tonta,
sem a redenção da luz.
Há quem te avise contra os perigos
de te transportares para o ponto no espaço,
momento no tempo,
em que foste feliz;
mas ninguém sabe ao certo o que dizer
quando o que procuras é
o trilho certo
para viveres outra vez
a tua mais íntima miséria.
Rumo ao Sul.
A maré teima em afastar o estuário
do meu cálculo marinheiro.
Pressinto já, porém, o verde-grito do arrozal,
o apelo calado das águas do Sado
e adivinho, talvez, agora,
um verso do Bocage.
Deus sabe o que procuro ali, por trás da praia,
na profundidade esguia
da península.
Cumpro o meu regresso contra correntes e naufrágios
e montanhas e desgraças;
deixo-me castigar pelos ventos da viagem
e purificar pelas águas do mundo;
Sou vítima de todas as coordenadas
e carrasco de todos os mapas:
Ulisses fez-me companhia na perdição
e Eneias foi testemunha do tudo e do nada
na saga circular a que submeti
a existência.
Rumo ao Sul.
Não encontrei no caminho de ida mais do que distâncias,
Não encontrei no caminho de volta senão demoras.
Mas há um sinal, um marco, uma referência, um bom porto,
um túmulo que me guia
e que encerra a tragédia escapista do meu percurso incivilizado,
do meu trajecto simétrico de homem-pêndulo,
nómada de mim mesmo,
sextante desarranjado,
sal grosso em terra fértil.
Há uma cruz, no fim da estrada, que é a minha Estrela do Norte.
Grávidos de literatura.
Creio bem que o ecossistema literário português sofreu um abalo terra-transformador com o genial, surpreendente, assertivo e gargalhante texto que João Pedro George publicou a semana passada no Observador. Reparem só neste parágrafo:
"Em Portugal, pelos vistos, o único talento necessário para escrever livros é ser possuído, como aconteceu com a Virgem Maria, por uma espécie de sopro que engendra, sem os próprios escritores darem bem por isso, vindos não se sabe donde, romances, livros de poemas (incluindo edições de autor, edições críticas, edições definitivas, edições póstumas, etc.), temas, estilos, intrigas, personagens, diálogos, comparações, intertextualidades, polifonias, etc. Por exemplo, Caminho Como Uma Casa Em Chamas, o último romance de Lobo Antunes, apareceu-lhe há meses quando estava a descer o estore da sala (ao mesmo tempo que coçava os dedos dos pés na alcatifa, fazendo estalar as articulações). António Lobo Antunes sentiu uma reverberação, um repentino arrebatamento de energia. Algo golpeou-lhe depois a retina, os olhos moveram-se debaixo das pálpebras e lacrimejaram. Sem conseguir controlar a sua expressão e os músculos faciais, o corpo do escritor português começou a aumentar. Lobo Antunes empalideceu, benzeu-se e o suor correu-lhe pela cara. Sentiu uma vertigem e desmaiou. Quando despertou – “onde estou eu?!”, bradou –, viu em cima da secretária o novo livro."
Há momentos em que se percebe que ainda vive alguma inteligência, neste país Portugal.
"Em Portugal, pelos vistos, o único talento necessário para escrever livros é ser possuído, como aconteceu com a Virgem Maria, por uma espécie de sopro que engendra, sem os próprios escritores darem bem por isso, vindos não se sabe donde, romances, livros de poemas (incluindo edições de autor, edições críticas, edições definitivas, edições póstumas, etc.), temas, estilos, intrigas, personagens, diálogos, comparações, intertextualidades, polifonias, etc. Por exemplo, Caminho Como Uma Casa Em Chamas, o último romance de Lobo Antunes, apareceu-lhe há meses quando estava a descer o estore da sala (ao mesmo tempo que coçava os dedos dos pés na alcatifa, fazendo estalar as articulações). António Lobo Antunes sentiu uma reverberação, um repentino arrebatamento de energia. Algo golpeou-lhe depois a retina, os olhos moveram-se debaixo das pálpebras e lacrimejaram. Sem conseguir controlar a sua expressão e os músculos faciais, o corpo do escritor português começou a aumentar. Lobo Antunes empalideceu, benzeu-se e o suor correu-lhe pela cara. Sentiu uma vertigem e desmaiou. Quando despertou – “onde estou eu?!”, bradou –, viu em cima da secretária o novo livro."
Há momentos em que se percebe que ainda vive alguma inteligência, neste país Portugal.
sexta-feira, março 06, 2015
A impossibilidade do alcoolismo em Fernando Pessoa: um ensaio em cinco tragos.
Crónica publicada a 26/02/15
“Conta-se que um poeta maldito do segundo império, Theodore Pelloquet, vagabundo e bêbedo que ficou afásico, ao tentar no seu leito de morte exprimir aos seus próximos a sua última vontade só conseguiu pronunciar a primeira sílaba: abs…, sem que se conseguisse saber se queria um copo de absinto ou a absolvição dos seus pecados por um padre.”
Robert Bréchon . Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa
“Conta-se que um poeta maldito do segundo império, Theodore Pelloquet, vagabundo e bêbedo que ficou afásico, ao tentar no seu leito de morte exprimir aos seus próximos a sua última vontade só conseguiu pronunciar a primeira sílaba: abs…, sem que se conseguisse saber se queria um copo de absinto ou a absolvição dos seus pecados por um padre.”
Robert Bréchon . Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa
I – Tantas páginas em branco e tão pouco tempo.
Fernando Pessoa. Nascido a 13 de Junho de 1888, morrido a 30 de Novembro de 1935. Tendo vivido, assim, 47 anos, 5 meses e 17 dias, criou, nesse lapso, qualquer coisa como cerca de 130 autores fictícios (1). Dezenas desses autores fictícios deixaram obra que chegue para ocupar as academias de todo o mundo com séculos de pós-graduações, mestrados e doutoramentos. A sua vasta, complexa e inspirada obra heteronímica não tem paralelo na história da literatura universal, mas apenas como hortónimo já é o poeta mais importante do século XX português, rivalizando com Camões para o título nacional absoluto. A obra que Pessoa construiu no breve percurso da sua existência não está ainda, 80 anos depois da sua morte, inteiramente publicada. Inteiramente estudada. Inteiramente lida. A célebre arca não parece ter um fundo e o bom do Virgem Negra, para além do poeta-milagre que foi, também foi editor, dramaturgo, novelista, crítico literário, ensaísta, filósofo, politólogo e economista, tendo deixado à posteridade incontável obra sobre uma imensa pluralidade de temas, em português, inglês e francês.
Para além desta carga de trabalhos, o poeta da “Mensagem” escrevia cartas como se não houvesse amanhã. Correspondia-se com Mário de Sá Carneiro, com Jorge Luís Borges, com Adolfo Casais Monteiro, com Gaspar Simões (que viria a ser o seu primeiro editor e biógrafo), com António Botto, com Jaime Cortesão, com José Régio, com Camilo Pessanha, com Almada Negreiros, com Santa Rita Pintor, com os directores dos jornais que o irritavam e com os directores dos jornais que não o irritavam, com os seus professores de Durban, com astrólogos de Londres, com psiquiatras de Paris, com editores em toda a parte, com a Ofélia (correspondia-se imenso com a Ofélia!) e com mais uma quantidade inquietante de gente, só para falar das cartas que enviou, porque entretanto escreveu muitas que se esqueceu de levar aos serviços postais. O Fernando era aquele tipo de sujeito educado que mandava uma carta só para avisar que ia chegar meia hora atrasado (2).
A somar a esta quantidade devastadora de cartas assinadas com nome próprio, também criou bastante correspondência em nome de autores fictícios e heteronímicos. Umas vezes escreviam uns para os outros, outras vezes escreviam para gente de carne e osso e, outras ainda, escreviam para personagens imaginários, criados para efeitos meramente cenográficos fora do âmbito da criação literária (talvez a mais prodigiosa carta de amor jamais escrita na língua portuguesa é aquela que a Corcunda escreve ao Serralheiro).
Como eminência parda do modernismo português e co-fundador da Orpheu, Fernando Pessoa produzia com regularidade, em seu nome e em nome da multidão que o habitava, uma variedade enorme de conteúdos para os media da altura (manifestos, textos de intervenção política e social, poemas, ensaios, etc., etc.) e, claro, sempre sobre os assuntos mais díspares que podemos imaginar. Alguns destes textos são de grande fôlego literário e dizem-nos muito sobre o Modernismo português em geral e o pensamento do autor em particular. Só Álvaro de Campos escreveu dois dos manifestos mais espectaculares já registados pela história da literatura portuguesa: Aviso por Causa da Moral e Ultimatum.
Como a sua caligrafia, também a sua pena era perfeitamente transversal. Até um roteiro de Lisboa em Inglês, o senhor se lembrou de escrever (para ser editado apenas em 1992) (3).
Pessoa com costa Brochado, a beber... café.
II – Actividades curriculares e extra-curriculares
Pessoa era, também e por isso mesmo, um estudioso obsessivo. Erudito em autores tão diversos como Shakespeare, Edgar Allan Poe, John Milton, Lord Byron, John Keats, Percy Shelley, Alfred Tennyson, Baudelaire, Camões, Cesário Verde, Padre António Vieira e… Bandarra; refundador do mito do Quinto Império, zeloso leitor de filósofos clássicos e modernos, astrólogo amador, filatelista até um certo ponto, ocultista perito e conhecedor profundo das ciências e das artes do seu tempo, o santo homem teve que ler por ele e, no mínimo, por mais uma mão cheia de tipos que viajavam dentro dele (a sua biblioteca está cheia de edições assinadas por autores fictícios e heteronímicos). Mais a mais, é imperativo acrescentar a esta equação o deprimente facto de que Pessoa sempre precisou de trabalhar para ganhar a vida. Com esse fim, foi correspondente comercial a tempo inteiro, na maior parte da sua existência adulta, e tradutor, jornalista e publicitário em part-time.
Por cima disto tudo, e para concluir esta muito extensa lista de afazeres, sabe-se que era um tio dedicado e um daqueles solteirões que têm um jeito meio irritante com as crianças, não regateando o tempo que consumia com elas em brincadeiras, charadas e jogos mímicos (4).
Fernando Pessoa descendo o Chiado sem trocar o passo.
III – Velocidade furiosa.
Se o prezado leitor ficou enfartado com os dois primeiros tragos deste ensaio, tem boas razões para isso. A vida e a obra de Fernando Pessoa resultam necessariamente num ataque cardíaco, dada a azáfama danada e exaustiva. Como é que o santo homem teve tempo para tudo isto?
É verdade que Pessoa é conhecido pelos seus episódios de criatividade frenética e velocista,dos quais o mais conhecido – e lendário – é o da Noite Triunfal de 8 de Março de 1914, em que redige de uma assentada os 49 poemas que cumprem “O Guardador de Rebanhos”, do mestre Caeiro (5). Mas ainda assim, só um sujeito altamente disciplinado, fortemente determinado e tendencialmente sóbrio é que consegue produzir toda esta quantidade delirante de obras primas, entre outras papeladas.
Ora, é precisamente neste ponto que a versão oficial dos biógrafos do insigne poeta não faz sentido nenhum. É que, de uma maneira geral, de Robert Bréchon a Cavalcanti Filho, todos constroem a imagem de uma figura diletante, melancólica e anémica, quase preguiçosa, que se arrasta entre o Martinho e o Chiado, numa ociosidade ébria. Gaspar Simões, que o conheceu muito bem em vida, é, curiosamente, o mais prudente nas alegações sobre os hábitos de consumo de bebidas alcoólicas do seu amigo (6), mas o alcoolismo é uma referência constante nos estudos biográficos que lhe são dedicados. Cavalcanti Filho chega a enumerar, na sua recente biografia-tipo-lista-de-compras, todos os vinhos e espirituosos que Pessoa emborcava, segundo o autor brasileiro, em quantidades industriais (7).
Pois bem, entre o copo de vinho aqui, a aguardente ali, a justa ressaca, o namorar da Ofélia, o deambular parasita pelas ruas da Baixa e o necessário cumprimento das obrigações profissionais, é pertinente perguntar sobre o elefante verde que está sentado no sofá magenta desta sala de espera: então e quando é que o Fernando Pessoa está a escrever, afinal?
No Martinho da Arcada, entre amigos e cervejas.
IV – Da tasca ao opiário.
Como o Sócrates de Platão, o autor da Tabacaria nunca se dá por bêbado. Segundo os seus biógrafos, aguenta bem o álcool. Bebe, bebe, bebe, mas vai direitinho pela Rua do Carmo a baixo. Ninguém o vê trocar o passo. Não se lhe conhece uma infâmia por mau vinho, nem uma gritaria de taberna. Esta estoicidade do poeta perante a influência da bebida é bastante conveniente para a sua reputação de seca adegas, embora na verdade se saiba que os alcoólatras são os primeiros a cederem ao poder etílico, na medida em que têm permanentemente um nível de álcool muito elevado no sangue.
O Absinto é outro dos assuntos preferidos dos biógrafos e pseudo-biógrafos do génio da Ode Triunfal. É impossível saber se o paciente leitor tem ideia do que falamos quando falamos de uma bebedeira de Absinto, mas é algo de muito pouco recomendável. A bebida, destilada da planta medicinal que lhe dá o nome, é altamente aditiva e tem poderes alucinogénios. É talvez a beberagem alcoólica mais parecida com uma droga dura que podemos imaginar.
Para se perceber o poder destrutivo do absinto, basta revisitar as aflições que do seu consumo resultaram em personagens como Charles Baudelaire, Paul Verlaine, Arthur Rimbaud, Van Gogh, Oscar Wilde, Henri de Toulouse-Lautrec e Edgar Allan Poe. Uma boa geração de impressionistas da Belle Époque foram criativamente anulados pelo vício do Absinto. Consumida em excesso, esta não é uma bebida que permita a funcionalidade social ou intelectual e não se percebe, mais uma vez, como é que Fernando Pessoa podia abusar regularmente do Absinto e manter a proficiência lírica e ensaística no seu regular nível olímpico.
Para piorar ainda mais as coisas, nas últimas décadas tem pegado muito a conversa de que Pessoa se dedicava ao consumo do ópio. Esta tese é ainda mais radical, já que o ópio é uma droga que exige e implica largos períodos de letargia, agravando ainda mais a escassez de tempo dedicado à escrita na agenda do poeta. Sim é verdade: Pessoa escreveu que “tomava” ópio. Sim, é verdade: escreveu que o vinho é o melhor da vida. Mas estamos a falar do mais fingidor dos poetas alguma vez paridos. Álvaro de Campos, por exemplo, projectava navios enquanto se embriagava, se drogava loucamente e fazia sexo com máquinas. Lá no mundo imaginário de Álvaro de Campos, claro. Ricardo Reis deliciou-se com as prostitutas de Lisboa e Bernardo Soares era um amante impetuoso, lascivo e competente, que deixava a balzaquiana Olga exaurida de prazeres (8). Apesar disto, há muita gente mais ou menos respeitável que acredita que Fernando Pessoa morreu virgem (4,7).
Sim, é verdade: o homem visitava tabernas, casas de pasto, botequins. Sim, bebia uns copos sózinho ou na companhia boémia dos modernistas com que se dava. Sim, embriagava-se normalmente, como convinha aos personagens da sua ficção íntima e do ecossistema social que habitava. Mas há uma diferença grande, que toda a gente compreende bem, entre a episódica copofonia e a constante alcoolemia. Uma diferença tão grande como entre a ficção e a realidade.
Em flagrante delitro no Abel Pereira da Fonseca.
V – Entre o namoro e a morte, um epílogo.
Um dos fenómenos mais tristes do mito de Fernando Pessoa é o que foi montado à volta da sua morte, tantas e tantas vezes erradamente atribuída a uma “cólica hepática” associada à cirrose. É necessário afirmar que este diagnóstico é falso. Fernando Pessoa foi vítima de uma pancreatite aguda e não evidenciou à altura da sua morte quaisquer sinais distintivos de cirrose hepática (9).
Esta persistente falácia ilustra com rigor a qualidade do modelo argumentativo da tese do alcoolismo, que é realmente fraquinha em factos, mas nem seria preciso mencioná-la. Ou o Virgem Negra era imune aos efeitos destrutivos da embriaguez crónica – o mais funcional dos alcoólatras desde que Baco organizou a primeira orgia – ou simplesmente não bebia tanto como toda a gente que é perita nele afirma que ele bebia. A vastidão assombrosa e múltipla da obra que desenvolveu não deixa muita margem de manobra para uma vida de vício. E, no belo, pungente e extenso relato que Ofélia Queiroz partilhou com a sua sobrinha-neta Maria da Graça Queiroz (10), a única menção que o grande amor de Fernando Pessoa faz a este assunto refere-se ao famoso retrato do poeta a beber vinho no Abel Pereira da Fonseca (com a legenda: “Fernando Pessoa em flagrante delitro”), que lhe foi parar às mãos através do seu sobrinho Carlos Queiroz e que deu lugar a um reatar do namoro, 9 anos depois da sua primeira conclusão. De resto, nada, rigorosamente nenhuma referência ao que Pessoa bebia, muito ou pouco. Se Ofélia Queiroz algum dia o viu embriagado, não quis deixar essa memória para a posteridade. Isto embora a ilustre senhora não mostre a mesma parcimónia sobre outras excentricidades, manias e fraquezas do namorado.
E para concluir, uma perguntinha só: se Pessoa era um amante assim desvairado do vinho, porque diabo é que o bom do Almada Negreiros o imortalizou a beber café?
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1 – Jerónimo Pizarro e Patricio Ferrari – Fernando Pessoa – Eu sou uma Antologia – 136 Autores Fictícios, Tinta da
China, Lisboa 2013
2 – Fernando Pessoa, Correspondência (1905-1922), Relógio d’Água; Fernando Pessoa, Correspondência (1923-
1935), Assírio & Alvim
3 – arquivopessoa.net
4 – Robert Bréchon, Estranho Estrangeiro, Quetzal, Lisboa, 1996
5 – casafernandopessoa.cm-lisboa.pt
6 – João Gaspar Simões, Vida e Obra de Fernando Pessoa – História duma Geração, Bertrand, Lisboa, 1950
7 – José Paulo Cavalcanti Filho, Fernando Pessoa, Uma Quase Autobiografia, Porto, 2012
8- Salomó Dori, A Vida Sexual de Fernando Pessoa, Palimpsesto, 2009
9 – Francisco Fonseca Ferreira, A Penumbra do Génio, Livros Horizonte, Lisboa, 2002
10 – O Fernando e eu, Relato da Ex.mª Senhora Dona Ophélia Queiroz, destinatária destas Cartas de Fernando
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