quinta-feira, abril 30, 2015

Uma história gay.


1998. Stephin Merritt está às voltas com o mais que ambicioso projecto de se "apresentar ao mundo" com 100 músicas de amor. Um ano depois vão acabar por ser apenas 69 e esse maravilhoso e inspirado triplo CD ficará para sempre agarrado às paredes da posteridade ("69 Love Songs" estará no olimpo da música pop até que se calem as musas). Mas no entretanto, a vida vem em socorro do artista. Num bar gay de Nova York conhece Reno Dakota, por quem se apaixona compulsivamente. Reno, porém, parece responder às suas abordagens de forma fria e distante. Merritt aproveita a rejeição para a necessária e inevitável construção lírica:

Reno, Dakota
There's not an iota
Of kindness in you
You know you enthrall me
And yet you don't call me
It's making me blue
Pantone 292

Reno, Dakota
I'm reaching my quota
Of tears for the year
Alas and alack
You just don't call me back
You have just disappeared
It makes me drink beer

I know you're a recluse
You know that's no excuse
Reno, that's just a ruse
Do not play fast and loose
With my heart

Reno, Dakota
I'm no Nino Rota
I don't know the score
Have I annoyed you
Or is there a boy who
Well, he's just a whore
I've had him before

It makes me drink more

O poema, cantado por Claudia Gonson, irá rebentar numa melodia folk minimal, mas poderosa, que dura apenas um prodigioso minutinho, e é uma das mais carismáticas faixas de "69 Love Songs".



E a história acabaria aqui, não fora o zelo inquiridor de Kerthy Fix e Gail O'Hara. No seu documentário de 2010 "Stange Powers - Stephin Merritt and The Magnetic Fields" os realizadores acabam por descobrir o objecto da paixão de Merritt e documentam a história, contada pelo lado de Reno. Este explica as razões da sua indiferença, que não sendo politicamente correctas, não deixam de ter a sua piada, num poema que é uma autêntica versão alternativa de Reno Dakota:

Dear Stephin Merritt
please stop I can't bear it
Don't call anymore
My answer machine
will continue to scream
Though it's tired and sour
But you're not gonna score

Dear Stephin Merritt
you've dangled your carrot
in form of a song
That eponymous ditty
is bitting and witty
your message is strong
But you've got me all wrong

From up in my tower
I watch with a powerfull lust
for brown gold and rust
Boys of colour are just
what I must

So dear Setphin Merritt
just dump out that claret
try sleeping at night
I'm wishing you well
but that snow ball in hell
has the same sorry plight
And though we try as we might
we're both hopelessly white



A elegância meio despudorada e a mestria lírica com que Reno responde a Stephin (reparem que o poema segue a estrutura sónica, métrica e rimática da versão original, como se issso fosse fácil) leva-nos a perceber, afinal, talvez, a razão pela qual o segundo se apaixonou pelo primeiro. E, na verdade, esta história tem um final feliz: Merritt conseguiu arrancar à vida uma música (mesmo contra as suas próprias convicções, como veremos mais à frente, num outro artigo desta série). E Dakota ganhou os seus 15 wharolianos minutos de fama.

Para quem se interessa pelas razões últimas da arte, porém, este não será exactamente um momento de elevação. Mas, pensando bem, que interesse realmente têm essas últimas razões? As primeiras são, regra geral, bem mais convicentes. E, claro, muito mais saborosas.

quarta-feira, abril 29, 2015

O Público mata-me.




































Já há uns anos largos que não sou leitor desse orgão oficial do Bloco de Esquerda chamado "Público". Mas hoje, para mal do meu sistema nervoso, passei pela edição online e reparei numa caixinha que titulava assim os incidentes em Baltimore: "O caos chegou a Baltimore, onde a indignação se juntou à probreza".
Ora, parece que a indignação e a pobreza justificam, para a miserável redacção do Público, o vandalismo e o crime. Para que se incendeie, com impunidade e, até, legitimidade moral, um automóvel da polícia, basta estar indignado. E se o gentil leitor pertence, como eu, a uma classe sócio-económica mais desfavorecida, temos os dois bons motivos para combinar um assalto à Worten. Em desespero de causa, podemos até ferir mortalmente, a tiros de pistola, dois ou três agentes da lei.
Esta mentalidade cheguevarista que distorce a moral até ao nível da anarquia absoluta e que é muito própria da esquerda radical contemporânea será, em última análise, autofágica. A desvalorização da ordem social, é, claro, extremamente infantil e, por isso, muito perigosa, mas prejudicará toda a gente por igual. O Público não é produto de uma civilização que justifica e aceita os desvios deliquentes da turba enraivecida. Pelo contrário. E o Público deixaria de existir muito rapidamente, se os ideiais do seu conselho de redacção imperassem na sociedade onde se insere.

terça-feira, abril 21, 2015

A culpa e os afogados.

Há já umas boas décadas para cá que o Mediterrâneo afoga homens e sonhos com uma voracidade arrepiante. Desgraçados do Magreb, refugiados do Médio Oriente, expoliados do Sudeste Africano e infelizes de toda a parte acabam por sucumbir ao falso pacifismo deste mar intestino e denso, carregado de ódios. Metem-se aos magotes em jangadas impensáveis e em porões sobrelotados na vaga expectativa de uma promessa de liberdade e prosperidade que a Europa, lamentavelmente, já não está em condições de cumprir.
Mas este facto - o do velho continente não ter condições materiais nem políticas nem sociais para receber esta gente inúmera de braços abertos - não pode servir para transferir a responsabilidade da tragédia para os ombros do Ocidente, como têm estado a fazer certos imbecis como Loris De Filippi ou António Guterres.
Não, por Deus, a culpa não é nossa. Se os desgraçados, os refugiados, os expoliados, os perseguidos, os esfomeados e os infelizes de toda a parte naufragam abundantemente nas rotas de Ulisses, a culpa só pode ser originária dos países vilões e das organizações bandidas que os desgraçam, que os expoliam, que os perseguem, que os deixam à fome e que os fazem infelizes ao ponto de preferirem morrer afogados do que permanecerem nas suas terras.
A Europa não tem culpa que os senhores do Estados Islâmico façam aquilo que fazem. A Europa não tem culpa que os rapazes do Boko Haram façam aquilo que fazem. A Europa não tem culpa da guerra na Síria, na Líbia, na Somália, na Eritreia. A Europa não tem culpa da miséria no Mali, da fome no Sudão, do caos na Algéria e da corrupção no Egipto. A Europa não tem culpa que estados disfuncionais e draconianos atirem com os seus cidadãos para a morte certa. Não, não, não. Não somos nós os culpados.

terça-feira, abril 14, 2015

Tristes loucos furiosos. Ou talvez não.



Handsome Furs . What About Us

Os primeiros segundos são algo deprimentes, mas ao terceiro minuto acontece algo de belo.

Tóxicos como sempre, inspirados como nunca.


Desde o seu primeiro disco, de 2008, que Mike Jollet e os insubordinados The Airborne Toxic Event têm contribuído pela medida grande para acreditarmos que é muito difícil assassinar o rock. Até os mass murderers que distribuem, com a displicência dos incautos e a arrogância dos duros de ouvido, grammys para isto e EMAs para aquilo, não têm hipótese nenhuma na sua intenção genocida, pelo menos enquanto deixarem gente assim à solta, com liberdade para a explosão criativa.
Mas mesmo os génios têm direito a momentos menores. Such Hot Blood, o último trabalho que estes rapazinhos de Los Feliz - LA tinham editado, em 2013, constituiu uma desilusão do tamanho deste mundo e do outro. A vingança serve-se, porém, com dois anos de frigorífico: este Dope Machines (Epic Records - 2015) não é apenas um grande disco. É uma afirmação de talento, coragem e resiliência. É a prova de que a reinvenção compensa, por muito trabalho que isso nos dê e por muito desagradável que se apresente o clima, quando saímos para fora da zona de conforto. Muito apropriadamente, Jollet parece bastante inseguro e quase consegue ser humilde (o que é uma novidade nele) logo à entrada, no grandiloquente tema bandeira de Dope Machines - Wrong:

I see the look in your eyes
Am I trying too hard?
Am I doing this right?
(...)

I believe I was wrong
Probably most of my life
Or I'm just hearing it wrong
I’m just watching the fire light



O disco varia loucamente entre o puritanismo electro-pop e a vocação épica que está no DNA da banda. De tal forma que, em certos momentos, como em "California", parece que alguém convenceu o Bruce Springsteen a embebedar-se com os New Order. E, por esquizofrénica que pareça a mistura, a verdade é que resulta (dores de cabeça incluídas). As guitarras berram tão alto como os sintetizadores, Jollet consegue fazer barulho sobre isso tudo e há um constante desiquilibrio emocional que consegue ser tocante, mesmo quando a intenção não é essa. Até porque esta terra não é para lamechas. Só os heróis conseguem chegar até aqui.

Por exemplo, em "The Thing About Dreams", um tema que tem o efeito de um prozac ao pequeno-almoço, a atitude já é mais apropriadamente confiante:

And the hell with the rest,
You gave them your best.

E está tudo dito. Ou talvez não, porque, para compensar os fãs pela descompensação psicótica e o brilhantismo histérico que percorre quase integralmente a duração de Dope Machines, os Airborne Toxic Event oferecem, em anexo, uma coisa completamente diferente: "Songs of God and Whiskey" reúne 10 temas acústicos de tom biblíco, que são, por si só, uma verdadeira opereta do Oeste; um western inteiro de aventuras e desventuras.

Duas sínteses pelo preço de uma antítese. Eis a definição de um bom negócio, segundo os impagáveis The Airborne Toxic Event.

Jornal de Letras | Janeiro/Março 2015

Jerusalém - Gonçalo M. Tavares - Caminho
A segunda obra que leio deste rapaz, é também outra obra-prima. Jerusalém é um romance intrincado, mas parcimonioso, multi-dimensional mas construído por vozes interiores; discreto mas febril, que se desenvolve quase no domínio do inconsciente, sem perder uma contenção essencial que preside ao ritmo dos parágrafos. As personagens vivem sobrepostas numa falsa oposição, que se dilui no sentido de um anti-climax que é previsível sem ser vulgar. Está tudo muito bem calibrado, nesta novela. Muito bem medido. Muito bem escrito.


Responsabilidade e Juízo - Hanna Arendt - Dom Quixote
Edição que reúne vários ensaios e conferências da uma das figuras maiores do pensamento do pós-guerra, e cujo perfil já tracei (mais ou menos) aqui. A análise de Arendt à temática do mal, e como lidar filosófica e juridicamente com a sua presença imanente no decurso da hitória, continua absolutamente contemporânea e deve ser revisitada.


A Casa das Rosas - de Andréa Zamorano - Quetzal

Se há mania literária que tem perdurado dentro e fora da sua geografia, essa mania é o realismo mágico. E esta primeira novela de Andréa Zamorano, brasileira de origem, portuguesa de estado civil, tem quanto baste desse infindável filão: uma ditadura militar, um patriarca poderoso que oscila entre a loucura e a vilania, um fiel e nobre jardineiro, um poeta que irá ser personagem do Roberto Bolano, uma heroína que fala com saguis. E a morte, como elemento estruturante da narrativa.
Ainda assim, há qualquer coisa de insólito neste breve romance. Há qualquer coisa que não é Laura Esquivel nem Isabel Allende nem nada que se pareça. Que prende e arrepia. Há aqui, nestas páginas, qualquer coisa de sinistro, que dá comichão e levanta o cabelo.
É que Andréa Zamorano vai buscar a Córtazar e a Borges, mais que a outros mestres, mais óbvios, da literatura sul-americana, as referências para uma arquitectura elíptica e surpreendente, onde encontra a sua identidade de contadora de histórias. A essa virtude, soma a autora um óbvio talento para discursos interiores mais ou menos caledescópicos, mais ou menos fantasmagóricos, que exercem sobre o leitor uma espécie de exorcismo.
E se podemos, aqui e ali, questionar a direcção em que somos movidos por Andréa Zamorano, a verdade é que as últimas 20 páginas do seu iniciático romance são verdadeiramente alucinantes e dão direito à revelação de um cadáver emparedado e à antecipação do grande terramoto da Cidade do México.
Não está nada mal, para começar.


História da Filosofia, Os filósofos e os Textos - 3º Volume: Filosofia Contemporânea - Edições 70
Terminei finalmente a minha terceira (ou quarta?) ronda por esta história da filosofia. Este é, claro, o volume mais difícil dos 3, porque os filósofos contemporâneos não facilitam nada no que respeita à densidade das doutrinas, embora fiquem, regra geral, a milhas dos seus predecessores. Vou enconstar estes 3 volumes por uns anos na respectiva estante, até porque entretanto já descobri uma história da filosofia bem mais interessante - a de Will Durant - de que darei testemunho mais à frente no tempo.


Alejo Carpentier - Concerto Barroco - Antígona
Um exemplo acabado de como um escritor com talento para dar e vender (basta ler as primeiras duas ou três páginas do romance para percebermos isso) se deixa estatelar, rapidamente, com estrondo e espalhafato, no asfalto gorduroso e fatal de uma espécie de manifesto marxista sem pés nem cabeça, na pior tradição da literatura cubana arregimentada a um castrismo vulgar e entediante. A crítica diz que Alexandro Carpentier é um percursor do realismo mágico. O autor disse que esta obra era a sua "suma teológica". Eu desisti a meio, o que é muito raro e - por isso - muito significativo.


As Leis Fundamentais da Estupidez Humana - Carlo Cipolla - Padrões Culturais Editora
Brilhante e sintético tratado que explica lindamente o que é um estúpido e porque é que existem tantos e como é quase impossível às pessoas que não são estúpidas viverem sem o perigoso e altamente destrutivo impacto das que o são. O ensaio, que assume algum rigor científico (dentro daquilo que é possível em ciências sociais) demonstra e postula cinco leis fundamentais, a saber:
1 - Cada um de nós subestima sempre e inevitavelmente o número de indivíduos estúpidos em circulação.
2 - A probabilidade de uma pessoa ser estúpida é independente de qualquer outra característica dessa mesma pessoa.
3 - Uma pessoa estúpida é aquela que causa dano a outra pessoa ou grupo de pessoas, sem que disso resulte alguma vantagem para si, ou podendo até vir a sofrer um prejuízo.
4 - As pessoas não estúpidas desvalorizam sempre o potencial nocivo das pessoas estúpidas. Em particular, os não estúpidos esquecem-se constantemente que, em qualqer momento, lugar e situação, tratar e / ou associar-se com indivíduos estúpidos revela-se infalivelmente um erro que se paga muito caro.
5 - A pessoa estúpida é o tipo de pessoa mais perigosa que existe.


Os Filósofos e o Amor - Aude Lancelin e Marie Lemonnier - Tinta da China


"O amor é o mal."
Arthur Schopenhauer

"Um filósofo casado pertence à comédia."
Friederich Nietzsche

O amor é o tema maldito da filosofia. Com raras excepções, os filósofos têm achado, nos dois mil e quinhentos anos que já conta a arte do pensamento especulativo, que a razão pela qual as mulheres e os homens se entregam passional e espalhafatosamente uns aos outros constitui um assunto menor. Vá-se lá saber porquê. Não fora a intensidade dessa volúpia, tudo seria bastante diferente do que é (inclusivamente a demografia), mas, de Tales de Mileto a Ludwig Wittgenstein, é díficil encontrar obra que se deixe sensibilizar pelas regras da atracção humana.
Apesar deste triste facto - ou até por causa dele - Aude Lancelin e Marie Lemmonnier tiveram a ousadia de ir à procura do amor na filosofia, e - é preciso dizê-lo - fizeram-no com brilhantismo e erudição. 
"Os Filósofos e o Amor", uma edição de 2015 da Tinta da China com tradução (excelente) de Carlos Vaz Marques e prefácio de Eduardo Lourenço, é um livrinho fascinante. Fascinante, para já, por causa do registo filológico adoptado pelas autoras. Não é todos os dias que lemos textos dedicados à filosofia que utilizem uma nomenclatura assim desassombrada: enquanto Nietzsche é um "astronauta do espírito", Schopenhauer é um "lobisomem do líbido". Kirkegaard tem um "esqueleto semi-marreco" e é um "verdadeiro anti-viagra". Montaigne é "felpudo como um macaco e careca como um ovo" e ficamos sem saber o que fazer à informação de que o seu pénis não era especialmente longo. Nem especialmente grosso. Há muitas páginas de autêntica comédia neste seríssimo tratado, que fazem da sua leitura uma entretida mistura de sabedoria e cuscovilhice.
As autoras são, como era expectável, vítimas do escasso espólio existente, pela razão apontada no primeiro parágrafo, mas não se atrapalham: se os filósofos eleitos dedicaram ao amor menos páginas do que seria conveniente, as suas aventuras e desventuras amorosas, as suas miseráveis, patéticas e gloriosas vidas, dão pano para mangas. Acresce que a erudição das duas académicas francesas, devidamente complementada por um irreverente trabalho de pesquisa bibliográfica, acabam por contornar as dificuldades iniciais de forma a que o leitor se depare com um trabalho enxuto, mas repleto de substância; e de originalidade inquestionável.
O ensaio selecciona dez filósofos (na verdade são treze, porque Platão implica Sócrates, Heidegger traz Arendt pelo braço e Sartre não passa sem Beauvoir), cujas biografias são cruzadas com aquilo que escreveram sobre o tema, mesmo - outra vez - quando escreveram pouco, embora o critério esteja longe de ser aleatório: os heróis escolhidos são talvez aqueles que mais valorizaram - ou desvalorizaram - o amor. E aqui surge uma nova dificuldade. É que, muitos destes filósofos, e principalmente Lucrécio, Mantaigne, Schopenhauer, Kierkegaard e, claro, Niietzsche, apresentam, na obra e na vida, uma concepção mais ou menos terrorista do amor romântico. Nalguns casos, são verdadeiros nemessis do envolvimento passional, noutros, autênticos campeões do líbido pelo líbido. E se, em Platão, o amor é uma espécie de elevador da glória que nos transporta para o belo absoluto e a eternidade das ideias, já em Montaigne lemos um indisfarçável libertinismo suportado eticamente por uma abordagem céptica do romance, em Schopenhauer surpreende-nos o nojo existencial pelo coito e e em Kirkegaard a insuportável recusa da felicidade amorosa. Assim, quando chegamos a Nietzsche, já estamos psicologicamente preparados para o espectáculo circense que nos é oferecido: o niilista rei de todos os cépticos-anti-românticos da história universal cai com estrondo no rídiculo de se apaixonar louca e platonicamente por uma rapariguinha de dezoito anos.
Isto já para não falar no desafio tremendo que é incluir Immanuel Kant num ensaio sobre o amor. Kant amava, talvez, o campanário da vila de Königsberg, a biblioteca local e um ideário iniciático e puritano que fosse determinar o comportamento moral dos homens para toda a posteridade. Mas pouco mais. Em certo sentido, é um homem sem biografia. Ainda assim, as duas detectives que nos guiam por este contínuo do espaço-tempo venusiano conseguem encontrar na obra e na vida do austero idealista alemão alguns detalhes surpreendentes e alguns vestígios de paixão mundana, missão que qualquer pessoa de bom senso consideraria - à partida - absolutamente impossível. 
A propósito de milagres, há um outro nestas páginas: o que salva Jean Paul Sartre da sua impenitente infelidade. E Simone de Beauvoir da sua triste sina.
Encontramos enfim alguma redenção para esta intensa e divertida torrente de factos biográficos e confissões mais ou menos folclóricas, finalmente libertos do pudor de uns e do cinismo de outros, na conclusão partilhada por Stendhal, Proust e Sartre, de que o amor é mais que o amor, é também essa célebre "vontade de poder", de que falam todos os filósofos desde Nietzche: "O amor não pode resumir-se ao simples facto de se possuir uma mulher, mas visa, através da mulher, a conquista do mundo inteiro".
Convenhamos: é difícil terminar de forma mais coerente, universalista e... romântica. Afinal, o amor e a filosofia deviam dar-se melhor. É através de um que se resolve a outra.


O Sorriso Aos Pés da Escada - Henry Miller - Padrões Culturais Editora
Deprimente e banal conto escrito em hora de inspiração zero por um dos mais carismáticos novelistas americanos do século XX. O protagonista é um palhaço em busca de um sentido para a vida. Se soubesse o que sei hoje, não tinha pegado nisto. A edição da Padrões Culturais é ainda por cima aviltada por umas ilustrações muito horríveis de Frederico Rocha, que são a cereja em cima de um bolo impróprio para consumo. BAH!