Um presidente da república pode promover um partido, como Eanes em 1985. Pode fazer a vida negra a um governo, como Soares entre 1993 e 1995. Pode provocar viragens políticas, como Sampaio em 2004. Mas poderia mais. Por exemplo, aproveitar um parlamento sem maioria consistentes para orquestrar acordos e alianças, tornando-se no maestro da governação. Ou promover a formação de uma maioria parlamentar que reconhecesse o presidente como seu chefe, o que lhe permitiria escolher um primeiro-ministro da sua confiança. O presidente preside, mas não governa (uma fórmula da monarquia constitucional). Mas sem governar (isto é, sem ser o primeiro-ministro), o presidente pode controlar e liderar a governação, como na França gaullista. Não é a tradição, não seria fácil — mas nada nesta constituição o impede. Tal como um regime pode ter várias constituições (exemplo: a monarquia constitucional), uma constituição pode servir a vários “regimes”, no sentido de sistemas de governo (exemplo: a constituição da república de Weimar).
Rui Ramos - "Um dia destes, um presidente da república mudará o regime" - Observador - 08.01.16