O Bolor Limoso, de que falei aqui há umas semanas atrás, é um organismo muitíssimo interessante, capaz de metamorfoses assombrosas em função do ecossistema e de tomar decisões inteligentes para garantir a sobrevivência da espécie. As células deste estranho Eucariota sacrificam-se de forma a perpetuar o colectivo, multiplicam-se e combinam-se para atingir determinados objectivos e agregam-se frequentemente para superar a ausência de nutrientes. Mas recorrem também à solidão como forma de diversificar as hipóteses de continuidade.
A presença de solitários em espécies de alta funcionalidade colectiva já foi estudada em abelhas, gafanhotos e gnus, mas um paper da equipa liderada por Fernando W. Rossine, publicado pela PlosBiology em 2020, procura aprofundar o significado da solidão no contexto do processo evolutivo, através do estudo das células do Bolor Limoso que são deixadas, estrategicamente, à sua sorte, mesmo em situações em que a esmagadora maioria dos componentes da comunidade se organiza colectivamente.
Este assíncrono comportamento de algumas células não parece decorrer de uma volição individual, mas sim de um mecanismo colectivo: os solitários não querem ser solitários, mas, de forma aleatória, a comunidade parece sempre promover a exclusão de alguns dos seus elementos, de forma a que, se a estratégia colectiva em que está empenhada não resultar, permaneçam, mesmo que remotas, algumas hipóteses de sobrevivência para aquelas unidades que ficaram isoladas no ecossistema.
Se estas unidades, lá muito de vez em quando, subsistirem, e se o corpo colectivo acabar por perecer, assistimos a mutações genéticas muito significativas, porque a multiplicação celular que daí decorre dependerá das características do genoma de apenas um elemento. Essa comunidade será forçosamente diferente daquela que gerou os solitários, mas também mais adaptada ao ecossistema em que reside, já que resulta da unidade que conseguiu encontrar soluções viáveis de sobrevivência.
Transpondo este estudo para o contexto humano (pura especulação, o paper não faz isso): ninguém na verdade gosta de ser colocado à parte da sociedade. Há quem lide melhor com isso, há quem lide pior, mas, salvo raras excepções de carácter religioso ou derivadas de patologias psiquátricas, não há quem o faça de propósito. Sendo involuntária, a solidão pode no entanto estar ligada a um mecanismo social que diversifica as chances de adaptação da espécie humana ao meio em que está enquadrada. Será, assim, inevitável. Como a cópula, a agressividade ou o instinto maternal.
O Bolor Limoso dá que pensar. E o bom do Anton Petrov, que disserta sobre o tema, também.