terça-feira, dezembro 21, 2021

Arcane: um raro prazer para os sentidos.


Não sou fã do género "Anime", que por isso mesmo conheço muito mal, nem sequer tenho grande paciência para filmes ou séries de animação, com algumas excepções (que me ocorram assim de repente: Wall-E, Shrek e o Tintin de Spielberg). Talvez daí provenha a agradável surpresa que me assaltou logo nos primeiros minutos do primeiro episódio de "Arcane - League of Legends". Muito para além do deslumbramento visual - os gráficos são do melhor que alguma vez vi e o contexto estético e cenográfico da série é de fazer cair o queixo - há nesta produção da Netflix um raro impulso criativo que projecta os personagens para uma dimensão profundamente humana, que cria um delicioso ecossistema retro e o faz oscilar maravilhosamente entre a fantasia e a realidade, que engendra um enredo - complexo e repleto de subtilezas - que faz pensar e sonhar e nos prende a atenção tanto como nos liberta a imaginação.

Baseado ironicamente num mau jogo de consola, o "League of Legends", Arcane acaba por ser um produto artístico, no clássico sentido da palavra. Na sua estética, procura uma ética. Na sua cinematografia cuidada anseia pela perfeição estilística. Na sua demanda subjectiva, objectiva o que é belo, o que é justo, o que é moral, o que é equilibrado. Tem consciência da entropia que corrompe esse processo; tem em conta as trevas e as corruptelas inerentes à viagem ficcional a que se propõe; considera com rigor que é frágil e fina e quebradiça a fronteira que separa o bem e o mal; mas arrisca um caminho, aventura-se por uma odisseia: fascina os sentidos e eleva o espírito.

Mais a mais e para meu espanto, a Netflix concedeu ao bom senso e, por uma vez, apresenta uma produção que não faz política. Que recusa a propaganda e o fedorento moralismo das elites. Que não repreende nem julga nem doutrina o espectador. Dados os tempos que correm, isto não é dizer pouco.