Fim de Tarde de 25 de Dezembro de 1977. Castelo do Cruzados Fora do Tempo. Condenados pelo Pai Natal a passar seis séculos sem uma boa e sangrenta batalha, os Cruzados são finalmente confrontados por bárbaros pagãos do século XIX: Os apaches de Nunca Nunca. Esquecidos e aviltados pelos cóbois que decidiram combater esquimós e pelo Sétimo de Cavalaria que preferiu dar luta à Wermacht, aborrecidos até ao último sono pela ausência de escalpes para adicionar à colecção e pela escassez de jovens virgens para sacrificar aos domingos, a tribo de infiéis peles vermelhas não encontra solução senão assaltar o irredutível castelo cristão, retirando-o da letargia Zen em que se encontrava desde a Idade Média. São portanto boas notícias para os dois lados da contenda, que rapidamente se transforma numa encarniçada cena de pancadaria que vai ficar para a história das guerras religiosas, embora na verdade Boi Zangado nunca tenha ouvido falar de Jesus Cristo e Alfredo Furioso não saiba distinguir um búfalo de um totem.
De onde concluímos pelo axioma: para acabar com o aborrecimento, vale a pena inventar qualquer brincadeira. Por muito anacrónica e insensata que possa parecer, haverá sempre sangue na alcatifa.
No entretanto, os dois maiores impérios da História Universal do Expansionismo Super Ambicioso encontram-se frente a frente no Deserto Positivo, talvez atraídos pelo cheiro a sangue e a semi-frios que por lá permaneceu depois da carnificina do primeiro acto. Como britânicos e romanos falam línguas diferentes, não comungam da mesma paixão pelo chá e têm natural alergia a impérios concorrentes, o conflito é incontornável. O Oitavo Exército apresenta porém argumentos contra os quais as legiões cesarianas são impotentes, entre esses o motor de combustão interna, a espingarda de repetição e o sentido de humor. Mais a mais, o Action Man ainda andava pela imediações e toda a gente sabe que o Action Man é um aliado da coroa inglesa por causa de ter sido o brinquedo favorito de Henrique VIII.
Esta derrota latina representa para os estudiosos contemporâneos o princípio do declínio do Império Romano, evento que Panoramix já tinha sublinhado e que foi erradamente atribuído a um assalto aos cofres do imperador Constantino, levado a cabo pelos irmãos Dalton. Vitorioso, o Oitavo Exército recebeu como prémio o Tesouro da Serra Mãe, que estava esquecido na posse do Action Man e que serve ainda nos dias de hoje para pagar o leasing do jacto privado do Príncipe Carlos.
Anoitece na Terra de Nunca Nunca, mas a sede sanguinária dos brinquedos da Timpo parece insaciável e por muito que sejam arrumados no armário, escapam-se com galhardia teimosa e insistente belicismo: antes da hora de jantar, os vikings entram na alcatifada cenografia para saquearem a Vila do Gatilho Feliz, na ingénua expectativa de que os vaqueiros, os caçadores de prémios, os veteranos da Guerra Civil Americana, os batoteiros profissionais, os pistoleiros amadores e os mexicanos fora da lei que no saloon local alegremente se embriagavam sigam os mesmos princípios pacifistas e piedosos dos frades que habitavam os mosteiros da costa norte da Europa Ocidental, no paleolítico inferior das suas incursões piratas. Estavam redondamente enganados e foram corridos para o Inverno que os pariu num instante e antes que a mamã me chamasse para a mesa.
Depois de jantar, a Cidade Lego de Sempre Sempre ainda vibra com potenciais catástrofes. Um incêndio na Estação Central, um tremor de terra no Bairro das Peças Bem Encaixadas, um Spitfire que se despenha numa área residencial, todo o desastre é possível, de repente. Mas no preciso momento em que o Comboio da Meia Noite vai abalroar um camião dos bombeiros, há um genial sapador que, num esforço desesperado para salvar vidas e bens, exclama uma sugestão eloquente e redentora, que acaba definitivamente com todas as guerras deste dia:
Para a senhora minha mãe, Maria Adelaide Hasse, que me ofereceu todos estes brinquedos e que transformou as
noites de natal da minha infância em momentos verdadeiramente mágicos, que resultavam inevitavelmente em épicas,
rocambolescas e sangrentas aventuras, no palco psicadélico da imaginação febril de uma criança feliz.
___________
As Guerras do Natal: Acto I
As Guerras do Natal: Acto II
As Guerras do Natal: Acto III