quarta-feira, janeiro 12, 2022

Sobre a necessidade de ridicularizar os mortos.

Isto é real. O Los Angles Times publicou mesmo esta peça aqui:

Para quem não percebe o inglês, eu traduzo: "Gozar com os não vacinados que morrem de Covid é macabro, sim - mas pode ser necessário".

Michael Hiltzik, o autor do texto e proeminente colunista vencedor de um Pulitzer, usa o exemplo de Kelly Ernby, uma autarca republicana de Orange County que morreu de Covid e que se opunha à vacinação obrigatória e aos excessos autoritários implementados por causa da pandemia, para fazer valor o seu pavoroso ponto de vista: as pessoas que não concordam com ele e que morrem de Covid, devem entrar no anedotário nacional. Rir do falecimento de alguém, apenas porque tomou uma decisão médica que lhe diz unicamente respeito, passa a ser saudável, recomendável e terapêutico. Na verdade, os não vacinados merecem o pior dos destinos. São dissidentes e os dissidentes devem morrer para júbilo dos conformistas.

Será que esta gente não percebe o que está a fazer? Será que não compreendem que o que estão a fazer é exactamente o mesmo que Hitler fez com os judeus e Estaline com os pequenos proprietários agrícolas e Mao Zedung com os intelectuais e Luís XIV com os huguenotes e Gengis Khan com os persas e Diocleciano com os cristãos? E será que não entendem que este raciocínio também pode funcionar ao contrário? É possível que o autor deste artigo completamente satânico ignore que, seguindo o seu arrepiante manual de instruções, também é legítimo que o não vacinado goze com o vacinado que morreu por causa de efeitos adversos da vacina?

Se um jornal de elite como o LA Times dança assim por cima dos túmulos dos não vacinados que morrem de Covid, será de admirar que os americanos comuns desprezem a imprensa como desprezam?

Mais: quem é que vai ser convencido à vacinação através da leitura desta coluna de opinião? E se o objectivo não é esse, qual é o objectivo do colunista? Os não vacinados nos Estados Unidos não são uma minoria marginal como em Portugal. Há na América, seguramente, uns bons 120 milhões de cidadãos não vacinados (cerca de 40% da população). Esta forma de pensar das elites só agrava a divisão, só agrava o ódio, só contribui ainda mais para um inevitável divórcio entre duas formas radicalmente diferentes de equacionar a América. E de equacionar a vida.

Nunca é necessário ser mórbido a este ponto. Nunca é justificável encontrarmos alegria no sofrimento e na morte dos outros. Quem pensa assim, quem escreve coisas destas, entregou definitivamente a alma ao diabo.