sábado, setembro 10, 2022

A Vuelta conhece o seu lógico epílogo.

A vigésima etapa da Vuelta, última a doer, prometia muito, considerando o seu perfil brutal, que incluía 5 subidas, 3 de primeira categoria, e porque as diferenças entre os 11 primeiros não eram assim tão grandes como isso. 

Porém, um pelotão exausto e a falência do pensamento táctico de equipas como a Movistar (que está para o cilcismo como a Ferrari para a Formula 1: não acertam uma), a DSM e a Astana, anularam a possibilidade de fogo de artifício e a eventualidade de grandes alterações na classificação geral.

A única alteração significativa foi, felizmente, a que João Almeida conseguiu desencantar, ultrapassando o debilitado mas valente Carlos Rodríguez para ocupar em definitivo uma posição nos cinco primeiros lugares da extenuante prova. O João acabou por fazer uma boa Vuelta, que podia ter sido bem melhor se a sua prestação na primeira metade da prova não fosse tão discreta (até deu para se perder no caminho, a vinte metros da meta, na etapa do contrarrelógio). O ciclista português soma um quarto, um quinto e um sexto lugar, mais a desistência no Giro deste ano, nas 4 voltas de três semanas que correu na sua carreira, o que não deixa de ser um excelente registo. Hoje, fez uma etapa exuberante, acompanhando sempre os favoritos e atacando até as duas últimas subidas, de tal forma que asfixiou ciclistas tão poderosos como Sergio Higuita, Ben O'Connor, Riguberto Uran ou Mikel Landa.

O problema é que Juan Ayuso, o seu jovem colega de equipa, acabou no pódio. E esta surpreendente classificação do miúdo espanhol pode encostar João Almeida a uma despromoção na UAE. Se no princípio da época o líder do plantel era indiscutivelmente Pogacar e o João era também indiscutivelmente o número dois da equipa, agora, dependendo do entendimento que os seus directores desportivos fizerem da época de 2022 e do plano que têm para a época de 2023, o craque das Caldas da Rainha pode ver o seu estatuto descer um degrau.

Remco Evenepoel confirmou o favoritismo e ganha, aos 22 anos, a sua primeira volta de 3 semanas com inteira justiça, calando os críticos que o definiam como um corredor de provas de um dia ou de uma semana. Com a vitória na classificação geral e as duas etapas ganhas, o belga soma já 35 triunfos no circuito profissional, o que, considerando a sua idade, é verdadeiramente espantoso. Em princípio, não será ainda em 2023 que a Quickstep o irá lançar no Tour de France, mas o mundo ciclístico vai ficar agora em suspenso, à espera de ver Remco competir com Pogacar e com Vingegaard para o título máximo da modalidade.

A propósito de juventude, convém sublinhar que, dos cinco primeiros classificados da Vuelta, o vencedor tem 22 anos, o terceiro classificado tem 19 anos e o quinto classificado tem 24. Isto seria impensável há coisa de cinco anos atrás. O ciclismo sofreu uma revolução etária monumental num lapso de tempo muito curto. Três dos cinco melhores ciclistas da actualidade não têm mais que 26 anos, quando recuando não muito tempo atrás se considerava que um atleta só atingia o seu pico performativo em alta competição a partir dos 27 anos.

Um outro sacaninha que mostrou à audiência global a sua classe e resiliência foi Richard Carapaz. Depois de uma primeira semana desastrosa, que o arredou de qualquer hipótese de lutar por um lugar honroso na classificação geral, o equatoriano, actual campeão olímpico e vencedor do Giro de 2019, cerrou os dentes e nas duas semanas seguintes foi protagonista de quase todas as etapas a subir, vencendo, com a de hoje, 3 delas e acabando por conquistar a camisola da montanha. Além disso, soube trabalhar para a equipa quando foi preciso, acabando até por salvar a prestação da INEOS nesta Vuelta e isto apesar de estar da saída da formação britânica.

Carapaz é um ciclista que muito admiro porque é combativo como o raio e está constantemente a transcender os seus limites físicos. E é precisamente a fazer das tripas coração que tem apresentado grandes resultados e presenteado os adeptos de ciclismo com inesquecíveis momentos de raça e irredutibilidade. Espero que a sua nova equipa, a Education First, lhe dê condições para somar mais sucessos ao seu já muito rico palmarés.

Esta Vuelta foi entretida, sem dúvida. E considerando a emoção e competitividade das provas de três semanas que tivemos este ano, com especial destaque para o lendário Tour corrido em Julho, 2022 foi uma época inesquecível. Os adeptos da modalidade estão com certeza de barriguinha cheia. Ainda por cima, 2023 guarda mais batalhas épicas, se considerarmos o batalhão de gigantes que o actual panorama ciclístico oferece. 

Com gente danada para a alta performance como Tadej Pogacar, Jonas Vingegaard, Remco Evenepoel, Primoz Roglic, Mathieu van der Poel, Wout van Aert e Egan Bernal, podemos confiar que haverá espectáculo e emoção em doses industriais.