domingo, março 05, 2023

Canto fúnebre por uma podenguita.

Chegaste-me infante, meu amor,
antes que te pudesse imaginar parida.
Já esperavas por mim quando eu nem sabia
que ias ser minha pela vida.

Deves ter sido a criatura mais inteligente
que conheci na curvatura estúpida do mundo.
Maga dourada que adivinhaste por certo
esta dor em que agora me afundo.

Deves ter sido a fêmea mais terna 
que amei no percurso cruel da existência.
Fico sem os teus beijos e os teus abraços
num silêncio de consciência.

Quase não tive tempo para sofrer contigo,
tão rápido o teu abandono.
Terei uma eternidade para as saudades
do privilégio de ser teu dono.

Irei carpir p'ra sempre a doce
memória dos teus olhos avelãs,
e de como eras feliz num certo parque,
ou furtiva nas fugas vãs.

Vou penar até ao fim por esse livre arbítrio,
de aristocrata plebeia e podenga sadia.
Deixaste um vazio tão grande, cadela,
Que até o gato criança perdeu a alegria.