quarta-feira, maio 03, 2023

Haikus de Fornalhas Velhas (I)

 


 

Cai a noite.
Até a lua tem vergonha
Da luz.

 

Os reis deste planeta
Não são os mamíferos.
São os insectos.

 

Dou um peido.
O gato faz
Cara feia.

 

Tenho um grilo
Por companhia.
Não lhe sou ingrato.


Fornalhas Velhas:
Onde a vilania do mundo
Encontra um fim.


De repente a estrada
Acaba.
Alentejo.


Este pátio alentejano
Podia ser
Japonês.

 

Trevas.
Escrevo às escuras,
Cego da ortografia.

 

Quando o grilo se cala,
Quase consegues ouvir
A terra a rodar.


Pensas no amigo
Que pensou este pátio.
Experimentas a humildade.


É de tal forma profundo o silêncio
Que o gelo faz um barulho enorme
No scotch.

         

Chuva de estrelas.
Não são estrelas, são sub-partículas
De Deus.

 

Ladra um cão.
Passa um avião.
Consegues contar os barulhos.


O meu gato
Está a gostar mais destas férias
Do que eu.


Fizeste amizade com o grilo.
Agora aguenta-te
À bronca.


O ateu é um comensal que depois de lauta refeição
Continua convicto
Que o cozinheiro não existe.


Todo o candeeiro é um desafio
à vontade
de trevas.


Quando convives em constância com a dor
Ganhas uma relação nova
Com a morte.


Estou saturado do meu computador.
Mas a culpa
Não é dele.


Sempre gostei da minha profissão
Mas agora
Já não.


O grilo fala-me da realidade.
E eu
Desconverso.


O montado é um jardim
Tecido pelo labor do homem
E a boa vontade da Mãe Natureza.


Até o canavial não está psicologicamente preparado
Para a canícula
De Abril.


Morreu um amigo meu.
Mas as lágrimas que nesse dia chorei foram por causa
De um piloto de ralis.

 

O meu coração é mais duro
Que a terra
Que me segura.