segunda-feira, julho 22, 2024

Tour de France 2024 ou a tempestade voltaica que acontece quando um alienígena sobe para cima de uma bicicleta.

Tadej Pogačar ganhou em Maio o Giro de Italia, com seis vitórias em etapas e nove minutos e 56 segundos sobre o segundo classificado. Muitos afirmaram que esta vitória esmagadora se devia em grande parte à ausência de competidores à altura do esloveno, já que os melhores dez ou quinze ciclistas do top 20 da elite do circuito profissional não tinham comparecido à partida. Diziam também os cépticos que o esforço de Tadej no itálico sobe e desce poderia até custar-lhe caro nas altitudes ainda mais exigentes da sádica competição francesa.

Acontece que dois meses depois, Pogačar vence o Tour com as mesmas seis vitórias em etapas, seis minutos e 17 segundos sobre Jonas Vingegaard e nove minutos e 18 segundos sobre Remko Evenepoel, os dois melhores voltistas da actualidade (excluindo o próprio esloveno) e na presença de um pelotão que este ano integrava a nata da nata do circuito profissional. Só para que se tenha uma noção da superioridade de Pogačar, o líder da milionária Ineos, Carlos Rodriguez, ficou a 25 minutos do vencedor. O melhor ciclista da não menos endinheirada Bahrein, ficou a meia hora, apesar de ter conseguido um lugar no top 10.

Tadej Pogačar mostrou neste Tour que é, de longe, o melhor ciclista da actualidade e que tem potencial - e vontade - para, no fim da carreira, ficar para a posteridade como o melhor ciclista de sempre. 

As três últimas etapas desta edição do Tour, com dois dias de alta montanha e um final em contra-relógio bastante acidentado, prometiam muito, embora os 3 minutos que o esloveno já levava de vantagem apontassem para o seu claro favoritismo. Apesar dessa posição muito favorável, Pogačar ganhou as três etapas, sem espinhas e com uma facilidade quase ridícula.

Na sexta-feira, no percurso entre Embrun e o topo do Isola 2000, que guardava duas subidas intermináveis de categoria especial e uma última de primeira categoria, o campeoníssimo atacou a nove quilómetros do fim e deixou toda a gente para trás, ganhando a Evenepoel e Vingegaard mais de um minuto e quarenta e resolvendo em defintivo qualquer dúvida sobre o vencedor do Tour.

No Sábado, o esloveno disse à partida que ia apenas desfrutar da terrível etapa entre Nice e o Col de la Coillole, que oferecia o sofrimento de uma subida de segunda categoria e três de primeira. Mas a verdade é que a Soudal de Evenepoel, que sonhava ainda com um hipotético segundo lugar, puxou imenso pelo pelotão, só para deixar o belga exausto nos últimos quilómetros, incapaz até de suster o contra-ataque de Vingegaard. Pogačar seguiu na roda do dinamarquês e a duzentos metros do fim disparou em direcção à meta, para somar a quinta vitória nesta edição da prova.

Como se tudo isto fosse pouco, o alienígena dos Balcãs decidiu terminar a prova em beleza e no contra-relógio entre o Mónaco e Nice que marcava o último dia da competição, deu um minuto e três segundos a Vingegaard, que de qualquer forma fez uma excelente etapa, e um minuto e 14 segundos a Evenepoel, que por acaso até é o campeão do mundo da especialidade.

De tal forma é alucinante a sua vontade de papar etapas e títulos que, já com o Tour mais que ganho, o endiabrado rapazinho tratou de correr todos os riscos e mais alguns para triunfar no domingo,  executando a descida para Nice como um número de circo, sendo certo que os precipícios são desprovidos de rede e o asfalto não está estofado com tapetes. O homem é completamente passadinho da cabeça.

É assim impossível resistir animicamente a um monstro destes e no fim, o dinamarquês da Visma era a imagem do desalento. Ele que, para quem tinha sofrido o acidente que sofreu uns poucos meses antes, até se apresentou numa forma invejável.

 

João Almeida portou-se mesmo muito bem nestas últimas três etapas: Ajudou Pogacar nas altitudes, susteve os ataques de Mikel Landa e terminou sempre no top 10 - conseguindo um excelente quinto lugar no contra-relógio - para terminar em quarto, a segunda melhor classificação de sempre de um ciclista português no Tour de França. Para a sua primeira participação na prova não podia ter corrido melhor, apesar das críticas que já lhe fiz a propósito de se ter escusado, aqui e ali, a trabalhar para o seu líder. Vamos ficar na expectativa para ver como corre o português na Vuelta.

Uma última palavra para Richard Carapaz: o ciclista equatoriano, que venceu o Giro em 2019 e é o actual campeão olímpico de estrada, é um indomável da modalidade e neste Tour conseguiu a proeza de envergar a camisola amarela durante um dia, ganhar uma etapa e acabar a prova com a camisola das bolinhas vestida, depois de conquistar, de forma mais que merecida, o Prémio da Montanha.Com este registo faz agora parte do restrito clube de ciclistas que já vestiram a amarela e já ganharam etapas nas três mais importantes competições do circuito internacional: o Tour, o Giro e a Vuelta.

Durante quase toda a prova, o equatoriano suou, lutou, sofreu, chegou-se à frente, perdeu-se para trás, recuperou, triunfou, fugiu e foi apanhado, ultrapassou e foi ultrapassado. Foi uma alegria vê-lo correr, voluntarioso e danado, pelas montanhas acima, e pelos declives a baixo. Se fosse um tipo mais disciplinado, e um pouco mais aplicado nos treinos e na preparação, Carapaz podia perfeitamente ter discutido um lugar no pódio desta edição do Tour (e de outras). Mas como é um doido, prefere correr assim, livre de compromissos, ao sabor do vento e como lhe dá na gana. O problema é dele. O prazer é nosso.

A edição de 2024 do Tour foi deveras entretida, com algumas etapas mesmo espectaculares, apesar das muitas outras, planas, que adormecem a mais desperta das audiências, e do domínio de Tadej Pogačar. Para o ano, talvez Jonas Vingegaard seja capaz de dar mais luta ao esloveno. E talvez Evenepoel suba um degrau na sua capacidade para fazer frente aos dois campeões. A ver vamos.