sábado, abril 25, 2009

Orgulho e preconceito.

Dois em cada três portugueses não vão votar para as Europeias e fazem eles senão bem. Hoje, no primeiro debate televisivo da campanha, a dra. Adelaide de Sousa decidiu abrir as hostilidades com esta perguntinha indigente: um sujeito que trabalha das nove às cinco e recebe o ordenado mínimo deve sentir-se orgulhoso por ser um cidadão europeu?

A pergunta é tão estúpida, é reveladora de uma desfaçatez moral de tal ordem, que nem se percebe. A dra. Adelaide de Sousa pretende saber se o candidato acha que o cidadão mal pago deve estar desgostoso do seu continente porque na América do Sul os ordenados são chorudos, ou porque na China o ordenado mínimo é de 2.000 euros por semana, ou porque na maior parte dos países africanos o custo de vida é largamente superado pelos rendimentos médios da população, ou o quê, precisamente? O cidadão que é mal pago deve ser zangado com a Europa porque nos outros continentes os cidadãos são melhor remunerados? Devem todos os europeus que ganham miseravelmente ir procurar emprego para a América?

A pergunta é de tal forma produto da mais infame leviandade, que brada aos céus. Esta senhora parece achar pertinente que o cidadão europeu deve ser mais ou menos orgulhoso da sua Europa em função do ordenado que ganha. Os Alemães, por exemplo, devem adorar a Europa. Os portugueses, devem odiá-la. Este materialismo é de cair para o lado.
Não interessa nada à dra. Adelaide de Sousa a história da Europa, os triunfos civilizacionais, científicos, políticos, filosóficos ou artísticos da Europa. O que é tudo isso, perante o ordenado mínimo do cidadão que vai trabalhar das nove às cinco? Das nove às cinco, caramba!

A pergunta é de tal modo perversa, que serve de evidência para o meu argumento antigo sobre a responsabilidade da abstenção: não são só os políticos que envenenam o debate e que distanciam os portugueses da União Europeia. Não são só os políticos que dão má imagem - e má fama - à política. O jornalismo em Portugal é um dos principais problemas da nação.

quarta-feira, abril 22, 2009

Anti-Telejornal | Ao sol poente

Nunca sei como é que se pode achar um poente triste.
Só se é por um poente não ser uma madrugada.
Mas se ele é um poente, como é que ele havia de ser uma madrugada?


Alberto Caeeiro

segunda-feira, abril 20, 2009

Hoje é a minha conta bancária, amanhã é a minha roupa interior.

Não, não, não concordo nada com a violação do sigilo bancário. Não, não, não concordo nada que um borra botas qualquer que por acaso até chegou a chefe de loja no esquizofrénico franchise do Ministério das Finanças tenha poder para entrar pelos meus dinheiros adentro. Não, não, não acho que este desgraçado em particular tenha direito a isso, e muito menos direito a isso tem o Estado, no geral. Se o argumento para o total desrespeito pela privacidade, pela independência e pela dignidade do cidadão encontra justificação na moral fiscal eu digo: então o Estado que seja moral primeiro. O Estado que comece por pagar a tempo e horas, o Estado que comece a receber o IVA com base no recibo, o Estado que deixe de roubar o contribuinte com essa artimanha de feirante que é o pagamento por conta, o Estado que receba as queixas do contribuinte sem pedir garantias bancárias, o Estado que não penhore e venda à mais baixa licitação os bens de que tomou posse por erro burocrático, o Estado que não cobre juros superiores aos praticados pela banca, o Estado que não me leve 42% do rendimento, o Estado que tenha respeito pelo dinheiro que me tributa brutalmente e que não o gaste com devaneios, incompetências de bê-à-bá, banquetes oferecidos a assassinos e déspotas, subsídios para párias, blindagens nas limusinas, submarinos, estudos e contra-estudos para se fazer tudo mal na mesma, consultores para isto, para aquilo e por tudo e por nada, ordenados de funcionários públicos que não têm o que fazer, ordenados para amigos que precisam de ordenados; o Estado que ganhe consciência ética para além da ética do Estado cigano, do Estado manhoso, do Estado interesseiro, do Estado invejoso, do Estado voraz, do Estado corruptela da democracia, do Estado adversário da economia, do Estado fascista, mentiroso, disfuncional, do Estado carregado de filhos da puta e bandidos da pior espécie. O Estado que ganhe vergonha e deixe de ser o Estado que quer controlar tudo, ver tudo, normalizar tudo, o Estado que quer tomar conta, que quer possuir, nacionalizar, apropriar; o Estado que quer ser dono de tudo e de todos.

quinta-feira, abril 16, 2009

Droga Dura.


Lamento, mas não estou para ninguém. No entretanto, fica um bom conselho: se puderem, viciem-se nisto.

sexta-feira, abril 03, 2009

REMIXVILLE | Track#18

Quanto mais anos somo, mas aprecio o pop paleolítico do Rei da Grande Popa. O homem tinha talento e só foi pena ter nascido tão bonitinho. Em honra do meloso Elvis, cabe nesta rubrica Paul Oakenfoald e a sua eléctrica versão de Rubberneckin'. Se estão sentados numa cadeira confortável, levantem-se agora.


Anti-Telejornal | Desfolhada

Corpo de linho
lábios de mosto
meu corpo lindo
meu fogo posto.
Eira de milho
luar de Agosto
quem faz um filho
fá-lo por gosto.
É milho-rei
milho vermelho
cravo de carne
bago de amor
filho de um rei
que sendo velho
volta a nascer
quando há calor.

Minha palavra dita à luz do sol nascente
meu madrigal de madrugada
amor amor amor amor amor presente
em cada espiga desfolhada.

Minha raiz de pinho verde
meu céu azul tocando a serra
oh minha água e minha sede
oh mar ao sul da minha terra.

É trigo loiro
é além tejo
o meu país
neste momento
o sol o queima
o vento o beija
seara louca em movimento.

Minha palavra dita à luz do sol nascente
meu madrigal de madrugada
amor amor amor amor amor presente
em cada espiga desfolhada.

Olhos de amêndoa
cisterna escura
onde se alpendra
a desventura.
Moira escondida
moira encantada
lenda perdida
lenda encontrada.
Oh minha terra
minha aventura
casca de noz
desamparada.
Oh minha terra
minha lonjura
por mim perdida
por mim achada.


Ary dos Santos

quinta-feira, abril 02, 2009

Sobre a Raiz Quádrupla do Princípio da Razão Suficiente


Jackson Pollock - Number 8, 1949 (detail)

"Viver é sofrer"
Arthur Schopenhauer

Viver é difícil, isto é verdade. A mim, nunca ninguém me disse que ia ser fácil, e mesmo assim acho que é difícil. Mesmo assim acho que não estava preparado para isto. Entrei para a vida como um jogador de ping pong entra numa partida de rugbi: empurrado, contrariado, assustado e andorinha tonta, sem saber para que lado é que vai a Primavera, de tanta lambada na tromba que chove por todo o lado.

Viver é difícil. Se calhar, morrer é mais fácil. Mas a facilidade eterna também deve ser muito complicada de aturar. De qualquer das maneiras, não tenho culpa de ter nascido, pelo que me parece uma boa ideia não ser culpado da minha morte. Assim, sempre me salvo de uma e de outra, o que não é nada fácil.

Viver é difícil, sim, a mais das vezes. A vida só é fácil para aqueles poucos que nasceram com o rabo virado para a lua ou casaram com a filha do patrão (que por acaso até é jeitosinha) ou não perceberam realmente nada de Schopenhauer. O tipo que nasceu com o rabo virado para a lua, casou com a filha do patrão (que por acaso até é jeitosinha) e não percebeu coisa alguma de Schopenhauer deve ser o gajo mais feliz do mundo. Mas, pensando bem, mesmo este sujeito deve ter dificuldades com a metafísica: se ergue templo à lua, vem o sogro chamar-lhe ingrato. Se diviniza a esposa amada, há-de Schopenhauer saltar da campa com a sua Arte de Lidar com as Mulheres em punho, pronto para lhe dar com ela umas cacetadas valentes. Se deifica a incompreensão da fenomenologia pós-kantiana, há-de ter muitas velas para acender. E não como aquelas de interruptor que agora vemos nas igrejas: viver é mais difícil e implica o uso de fósforos.

Sim é verdade, existir dói à brava e é muito complicado passar pelos espinhos das horas e os gumes dos dias sem fazer ferida. Pois é. Mas é a vida. E como não há certezas sobre o que havia antes e o que haverá depois se é que alguma coisa houve antes e haverá depois, o melhor é aguentá-la. Sempre é preferível habitar um apartamento projectado por Dante que passar os dias a tentar adivinhar as assoalhadas de uma moradia desenhada por Pollock, não acham?

Uma obra-prima do meu amigo Márcio Candoso.

Tentativa para pôr o caixão do Cesariny a virar ao contrário

Jazz sem baquetas tate
Samba nalgas fancaria

Lojas chinesas
As fraldas

Mortas
As melancolias

Salvé tortas pandemias
Cum grano salis defeca

Mel de macas associa
Às portas de um sonho tê

E depois, dás-me o quê?

Só noras, san-sin vigentes
Ciosas pústulas reflectas

Despistóides flurrangentes
Métalas onde se acaba

Amobira de rangentes
Palavra que tenho em falta

Só minha de plus tentantes
Ao cabo firme subsiste

Renta dos roios ausente
Uma sola substante

Só miro calcuntes frenes
Onde se afaga a maré

E ao pé, darás o quê?

Lunca trefisa herói
Em parte dada Pristina

Quando me tafo Hamurabi
Longe me perco em pó

Dó de mim, um só-li-dó
Rota de ré, faz de conta

Cage-me bem por enquanto
Sucinta-me em ió-ió

Refraseando um protótipo
Escanto-me na tirada

Final é só marinada
Estépula solicanto

E agora, vês o quê?

Rómula emarta as delfinhas
Eu só portenho Caifás

Defendótimo humanos
Mortos não tenho em cartaz

Lembro molta, lembro paz
Mostro mesmo insegurança

Às vezes conto criança
Que me afaga em desperada

Sou mijem, em deposta alfinha
Catro em famíusa escolheita

Dolha, dolha, que avizinha
A musca em xavier defrança

E ao final? Mostras lembranças?