sexta-feira, janeiro 31, 2014
Lobos e ovelhas.
Agora, por causa de uma onda que levou umas quantas ovelhas, o rebanho está furioso e, como convém a um rebanho, é unânime: agora as praxes são detestáveis. Há dois meses atrás não havia problema nenhum com as praxes. Agora, até o reverendo Polido Valente esgalha doutrina sobre o assunto.
Até ao agora da onda do Meco, todos nós sabíamos bem que as praxes - como são conduzidas em Portugal, no Século XXI - são medievais, são indignas, são irritantes, são reaccionárias, são estúpidas, são militaristas, são infames. Todos nós, até agora, observávamos isso nas ruas, nas avenidas, nos parques, nos jardins, nas faculdades, nas cantinas, nos bares, nos restaurantes, enfim, em todo o lado que era infectado por este infecto costume académico, e os lados infectados eram mais que bastantes.
Mas, até esse agora pseudo-trágico e magnificamente ilustrado por belas fotos da praia do Meco, ninguém se tinha lembrado de condenar a barbaridade, a indignidade, a estupidez e a infâmia das praxes.
As praxes, como são praticadas nas faculdades portuguesas, são completamente bárbaras e infames e devem ser terminadas já. Mas a costumeira e aviltante mania do concordismo perante a tragédia, o tique ignorante e insensato de ganhar uma causa nova por minuto, e ganhá-la invariavelmente pela facilidade da indignação (a indignação que é difícil não precisa da praia do Meco para nada), também podia ter um fim agora.
Até porque os desgraçados que morreram na praia também praxavam. Estavam lá precisamente para tirar, segundo parece, um master class disso. Eram lobos na pele de ovelhas. Como lobos na pele de ovelhas são os que se submetem à praxe. Porque quando se submetem às indignidades e às infâmias a que se submetem, esperam disso tirar vantagem, algures no futuro difuso das suas tristes expectativas.
Lamentavelmente para os lobos e para as ovelhas, a vida é uma máquina de trair expectativas.
terça-feira, janeiro 28, 2014
domingo, janeiro 26, 2014
Não me lixem: isto é divertido.
O GT6 tem muitos defeitos, como sempre tiveram os gran turismos todos. Esses defeitos decorrem do compromisso difícil, senão impossível, de conciliar a missão simuladora com a função de negócio global. A experiência enquadra-se num pacote tecnológico limitado, para ser viável comercialmente. É ainda muito pobre na dimensão sensorial de conduzir um automóvel com 530 cavalos. E ainda bem que assim é. Porque se pudéssemos ter a experiência total de conduzir um Aston Martin por 70 euros, não gastávamos 200 mil para ter um, não é? E se ninguém dispendesse uma pipa de massa para ter essa experiência total, não havia nenhum Aston Martin para simular. O problema da simulação é que está sempre agarrada ao que a realidade vai fazer primeiro. E nenhum gran turismo ponto catorze vai resolver esse problema.
Seja como for, o que existe neste momento como simulador de referência é pelo menos capaz de reproduzir com alguma competência imagética, da qual este vídeo é eloquente testemunho, a experiência delirante do circuito australiano de Bathurst - essa infame, traiçoeira, perigosa e absolutamente bela colina do inferno.
Pelo que o GT6 consegue fazer (e que me desculpem os eternos críticos da Polyphony, os fãs da série Forza ou os que simplesmente ainda não perceberam o divertido que isto é), devo deixar aqui uma palavra de agradecimento ao sr. Kazunori Yamauchi. São muitas horas de diversão, muitos momentos de puro gozo, a um preço muitíssimo razoável.
sexta-feira, janeiro 24, 2014
Música de viagem.
No vácuo sideral reina o silêncio absoluto. Mas na peça musical criada a partir dos eventos cósmicos que foram - e continuam a ser - registados pelas sondas Voyager I e II da agência espacial norte-americana NASA e reenviados para a Terra, o espaço profundo enche-se de belas harmonias.
A peça é da autoria de Domenico Vicinanza, um físico com formação musical que trabalha como responsável de projecto na Géant - a rede de dados europeia de alta velocidade, que liga 50 milhões de utilizadores de mais de 8000 instituições de investigação e ensino em 40 países. E foi criada para demonstrar as vantagens da técnica dita de “sonificação” de dados, “cada vez mais utilizada para acelerar as descobertas científicas” porque permite descobrir padrões e regularidades que, de outra forma, não seriam detectáveis, lê-se num comunicado da Géant.
Para isso, nada melhor do que a massa de sinais enviados para a Terra pelas sondas Voyager, lançadas em 1977 e que, apesar de terem há muito acabado a sua missão — e de a Voyager I ter mesmo abandonado o sistema solar em 2013 —, continuam ainda hoje a viajar no espaço, separadas entre si por milhares de milhões de quilómetros, e a enviar dados em contínuo.
“Eu queria compor uma peça de música que fosse uma celebração conjunta das duas sondas. Foi por essa razão que utilizei as mesmas medições de ambas as naves — a contagem de protões realizada pelo seu detector de raios cósmicos durante os últimos 37 anos —, efectuadas exactamente no mesmo instante”, diz Vicinanza, citado pelo mesmo comunicado.
Para criar a música, Vicinanza começou por seleccionar 320 mil medições de cada nave a intervalos de uma hora. A seguir, esses dados foram transformados em duas melodias associando diferentes frequências sonoras às diversas medições. Por último, o cientista atribuiu à melodia vinda de cada sonda uma textura instrumental própria. O resultado é um dueto, de ritmo acelerado, para piano e cordas.
Para isso, nada melhor do que a massa de sinais enviados para a Terra pelas sondas Voyager, lançadas em 1977 e que, apesar de terem há muito acabado a sua missão — e de a Voyager I ter mesmo abandonado o sistema solar em 2013 —, continuam ainda hoje a viajar no espaço, separadas entre si por milhares de milhões de quilómetros, e a enviar dados em contínuo.
“Eu queria compor uma peça de música que fosse uma celebração conjunta das duas sondas. Foi por essa razão que utilizei as mesmas medições de ambas as naves — a contagem de protões realizada pelo seu detector de raios cósmicos durante os últimos 37 anos —, efectuadas exactamente no mesmo instante”, diz Vicinanza, citado pelo mesmo comunicado.
Para criar a música, Vicinanza começou por seleccionar 320 mil medições de cada nave a intervalos de uma hora. A seguir, esses dados foram transformados em duas melodias associando diferentes frequências sonoras às diversas medições. Por último, o cientista atribuiu à melodia vinda de cada sonda uma textura instrumental própria. O resultado é um dueto, de ritmo acelerado, para piano e cordas.
In Público - 23/01/14 - "Décadas de dados vindos das sondas espaciais Voyager transformadas em dueto musical" - Anna Gerschenfeld
domingo, janeiro 19, 2014
"The man is playing the game by himself."
Kevin Durant, o génio de serviço nos Oklahoma City Thunder, marcou ontem 54 pontos contra os Golden State Warriors. Numa partida entre duas das melhores equipas da competição, que acabou com o singelo resultado de 123-109 para Oklahoma (232 pontos em 48 minutos de jogo útil!), Durant deu provas bastantes do seu inacreditável talento e, mais uma vez, maravilhou os fãs com a elegância e a fluidez do seu jogo. Convém lembrar a audiência que KD, apesar de se movimentar como um pequenote e de ter a técnica de um base, mede 2,06 metros e pesa 107 quilos. Temos aqui herói, temos.
terça-feira, janeiro 07, 2014
domingo, janeiro 05, 2014
Eusébio da Silva Ferreira 1942-2014
Morreu hoje um dos melhores jogadores de futebol de sempre. Sou suficientemente antigo para o ter visto jogar ao vivo. Um atleta extraordinário, para o seu tempo, um artista incansável, um profissional honesto, voluntarioso, com uma capacidade de sofrimento notável, Eusébio foi um deus dos relvados; um campeão em todos os sentidos da palavra.
Descansa em paz, Pantera Negra.
Haverá Sangue
No principio era o Atlântico: uma promessa de abismo.
Haverá depois uma jangada portuguesa, uma vela árabe e algum optimismo.
Haverá depois, misteriosa, a vontade de aventura
e aquela espécie de medo que faz da coragem droga dura.
Teremos um príncipe e dois reis e, eventualmente, uma horda de marinheiros,
e depois teremos sábios, cartógrafos e os indispensáveis banqueiros.
Haverá sangue, por deus, haverá glória e heróis e outrossim bandidos;
haverá até um poeta que mergulha na tempestade por uns versos perdidos.
Haverá um Adamastor em cada santa curva continental,
que será dobrada na ganância do próximo entreposto comercial.
Haverá negócios tantos como pelejas, haverá impossíveis e improvisos.
Haverá um cosmos que se abre em terríveis paraísos.
Mas sobretudo teremos abundante a companhia dos outros, os alienígenas.
Os que são estranhos de todas as maneiras, os infiéis, os índios, os indígenas.
Mas sobretudo haverá sexo de culturas, movimento erótico entre a guerra e a paz,
Haverá troca de fluídos como de destinos em corretagem voraz.
Haverá por certo uma herança de palavras na cumplicidade genomática:
mais que fazer história, far-se-á a gramática,
um código do Império Efémero que sirva a Preste João como ao califa de Judá,
que domestique o escravo, que evangelize o marajá.
Haverá zulus e samurais, sarracenos e mongóis e um conflito virulento
Entre a a condição humana e o novo testamento.
Triunfará a diplomacia em Nagasaki e o xicote na Costa do Marfim.
E faremos filhos às mulheres deles, no fim.
sábado, janeiro 04, 2014
This is not to save the children.
Saving Mr. Banks | John Lee Hancok
Devo confessar que sempre achei a Mary Poppins uma figura um bocadinho "creepy". E o filme da Disney assim a resvalar para a esquizofrenia. Agora, finalmente, descobri porquê, graças a esta muito competente e muito bem interpretada obra de John Lee Hancok.
O blog que não se vai embora.
Antes da invenção do blog, tinha uma gaveta. Essa gaveta era tristonha, como são todas as gavetas onde guardamos os escritos. A invenção do blog acendeu a luz sobre esses escritos e os outros, que estavam por escrever porque não queriam depois ser fechados na escuridão tristonha da gaveta. Tive vários blogs que não duraram lá muito tempo porque nasceram da pressa que eu tinha de desengavetar rapidamente os escritos que estavam na gaveta e os outros que não queriam sair, e essa pressa era de alguma selvajaria. Essa pressa era altamente volátil. O blogville porém, teima na sua longevidade. Tendo sido construído com constância, embora nem sempre com consistência, durante a última década, é um objecto que encontra a sua razão de ser no simples facto de existir sobre o tempo, num momento da história em que a longevidade não é uma virtude. Eu não desisto dele e ele compensa-me com liberdade. Com liberdade para me expressar aos gritos e aos pontapés, com liberdade para me irritar, com liberdade para insultar e para elogiar, com liberdade para discordar e discutir e pedir desculpa. Com liberdade para não ter problema nenhum em escrever exactamente aquilo que penso num momento da história em que essa liberdade sai cada vez mais cara. Este blog é uma espécie de mecanismo anti-facebook. Nunca pretendeu ter audiência para além dos amigos e familiares mais próximos. Nunca quis ser - e nunca seria mesmo que o quisesse - uma página simpática. E é precisamente por não ter uma dimensão pública, por não ter vocação mediática, por ser antipático e por circular quase exclusivamente por quem faz parte do meu primeiro círculo social, que é livre e que é honesto. Quando escrevo aqui, as pessoas que me lêem reconhecem a minha voz. Podem recusar os meus argumentos, evitar os meus versos, questionar o meu gosto e o meu senso, mas sabem que isto sou eu. Que este é o meu blog e que o meu blog não podia ser de outra maneira. A essas pessoas, que me conhecem e que me aturam, que têm a gentileza de passar por aqui para saber o que é que eu estou a pensar, mesmo quando o que eu estou a pensar lhes parece absolutamente desaustinado, dedico estes dez anos de posts.
Um disparate monumental, para começar o ano da pior maneira possível.
O editorial do dia 1 de Janeiro de 2014 do New York Times é a definição de como entrar no ano novo com o pé esquerdo. Neste texto infame, assinado pelo conselho editorial, é solicitado ao Presidente Barak Obama que conceda a Edward Snowden um perdão que lhe permita voltar impunemente ao Estados Unidos e que seja até empregado de novo pelo estado americano, como uma espécie de paladino do direito à privacidade dos cidadãos.
Recordo que Snowden é neste momento procurado pelas autoridades americanas e pela Interpol por ter desviado da NSA um massivo corpo documental de informação classificada, que fez depois publicar, parcialmente, no diário inglês "The Guardian", abrindo assim a maior fuga de informação secreta da história das nações.
O que a fuga de informação revelou é que, aparentemente, a NSA tem acesso às comunicações de toda a gente que, no planeta, encete comunicações. Do Zé Maria Ninguém à chanceler alemã, ninguém escapa ao implacável escrutínio destes draconianos serviços de inteligência.
A espúria hipocrisia que rodeou, desde o início, a cobertura mediática deste caso sempre me fez uma alergia brutal. Passo a explicar:
1. Desde o fim dos anos 90 que é sabido que existe um programa de escuta global - o Echelon - criado em parceria por americanos, canadianos, ingleses, australianos e neo-zelandeses. Este programa secreto-não-tão-secreto-assim destina-se precisamente a espiar tudo e todos. À parte de um problemazito com a França, por causa de um negócio que a Boeing roubou à Airbus através do recurso a este sistema de escutas, não houve escândalo.
2. A NSA não é uma outra CIA. A agência existe precisamente com o fim de recolher informação pertinente para a gestão da segurança dos Estados Unidos da América. Os seus espiões não são operacionais "under cover" nem homens de acção especialistas em "black ops": são engenheiros de sistemas, técnicos de informática, matemáticos. Fecham-se nos seus gabinetes a inventar processos de desincriptação e escuta que lhes permitam obter um corpo de informação inacessível de outro modo.
3. Qualquer serviço secreto de informação e inteligência opera, por definição, à margem da lei. As nações que agora se manifestam com indignação perante os documentos publicados por Snowden, como a França, a Alemanha, a Rússia e o Brasil, também têm, como é óbvio, serviços de recolha de informação estratégica para a condução optimizada dos seus interesses. Os serviços de inteligência brasileiros devem ser bastante beras, porque há uma contradição em termos no facto concomitante de se ser brasileiro e de se ser inteligente, mas alemães, franceses e russos, só para falar nestes três casos, têm um historial de serviços secretos cujos métodos são muito pouco recomendáveis e, naturalmente, ilegais.
Aliás, não estou bem a ver como é que a NSA, ou qualquer outro serviço deste género, pode operar com base em preceitos legais. Se a NSA operasse dentro dos limites da lei americana e do direito internacional, os americanos não precisavam da NSA. O que não faltam são empresas privadas, do género Dun & Bradstreet, que recolhem, dentro dos limites legalmente consagrados, informação sobre empresas e cidadãos. Em Portugal também havia uma, a Mope, mas entretanto foi vendida aos espanhóis e fundida num conglomerado qualquer. Aliás, em Portugal também há um serviço secreto de informações que opera além do que a lei permite, chamado SIS, que é muito bera, porque há uma contradição em termos no facto concomitante de se ser português e de se saber manter um nível básico de secretismo.
4. Quando se assustam as pessoas com a ideia terrífica de que a NSA tem um olho nas suas mensagens de email e um ouvido nas suas conversas telefónicas, o que se está a fazer é um guião para Hollywood, em vez de jornalismo. Qualquer sapiens com uma quantidade bastante reduzida de bom senso, que não se dedique a actividades menos recomendáveis como o resgate e despenhamento de aviões em arranha-céus ou a detonação de engenhos explosivos em lugares de convergência, deve saber perfeitamente que a sua privacidade estará assegurada, no contexto das garantias dadas pelos operadores de telecomunicações que contratou, claro está. Os gestores de produto do Google e do Facebook - esses sim - espreitam todos os dias para dentro dos nossos conteúdos comunicacionais, de forma desavergonhada, mas apesar disso as pessoas continuam tranquilamente a subscrever os seus serviços. Ainda por cima, estas escutas decorrem de interesses meramente comerciais, que são, convenhamos, de ordem inferior à salvaguarda da segurança dos cidadãos e dos estados.
5. Edward Snowden é um traidor à sua pátria e deve ser tratado como tal. Ao fazer publicar os documentos altamente sensíveis que fez publicar, este desgraçado comprometeu seriamente a capacidade operacional da NSA e, logo, prejudicou muito significativamente a produção de informação pertinente para a defesa dos interesses estratégicos americanos e da segurança de pessoas e bens no seu país.
Nem é casual o facto de ter sido nem mais nem menos que o senhor Putin a dar santuário a este foragido. Snowden é um inimigo da América. E Putin sabe bem que os inimigos dos seus inimigos, amigos dele são. O simples facto de um espião da NSA ser agora um foragido que aceitou o santuário do senhor Putin já diz muito sobre o seu estatuto de renegado.
Não sou, de todo, um defensor da pena de morte. Não por causa dos valores humanistas, que valem o que valem (leia-se: nadinha), mas porque é um método bárbaro e moralmente questionável de resolver o problema da criminalidade. Abro porém excepções para terroristas e traidores. Os primeiros porque, pela qualidade dos seus actos, se colocam para além de qualquer paradigma moral, os segundos porque, pela dimensão ciclópica dos prejuízos que causam a toda uma sociedade, devem ser castigados de forma exemplar.
A CIA já devia ter espetado um tiro na cabeça tonta deste rapazinho atrevido. E se não o fez é porque, ao contrário da NSA, a CIA é uma organização muitíssimo incompetente.
É absolutamente deprimente que um jornal americano com a história e o estatuto do New York Times tenha a desfaçatez de publicar este editorial. É também um alarmante sinal dos tempos e da arrepiante desintegração ideológica que está a acontecer nos Estados Unidos. Um conselho editorial que não percebe os danos que Snowden provocou no aparelho de segurança americano está dentro do nível máximo da estupidez humana. O problema, é que os editores do NYT não são assim tão estúpidos. São radicais. São perigosos. E, desde o dia 1 de Janeiro de 2014, são cúmplices do próximo atentado islâmico que acontecer em terras do Ocidente.
Recordo que Snowden é neste momento procurado pelas autoridades americanas e pela Interpol por ter desviado da NSA um massivo corpo documental de informação classificada, que fez depois publicar, parcialmente, no diário inglês "The Guardian", abrindo assim a maior fuga de informação secreta da história das nações.
O que a fuga de informação revelou é que, aparentemente, a NSA tem acesso às comunicações de toda a gente que, no planeta, encete comunicações. Do Zé Maria Ninguém à chanceler alemã, ninguém escapa ao implacável escrutínio destes draconianos serviços de inteligência.
A espúria hipocrisia que rodeou, desde o início, a cobertura mediática deste caso sempre me fez uma alergia brutal. Passo a explicar:
1. Desde o fim dos anos 90 que é sabido que existe um programa de escuta global - o Echelon - criado em parceria por americanos, canadianos, ingleses, australianos e neo-zelandeses. Este programa secreto-não-tão-secreto-assim destina-se precisamente a espiar tudo e todos. À parte de um problemazito com a França, por causa de um negócio que a Boeing roubou à Airbus através do recurso a este sistema de escutas, não houve escândalo.
2. A NSA não é uma outra CIA. A agência existe precisamente com o fim de recolher informação pertinente para a gestão da segurança dos Estados Unidos da América. Os seus espiões não são operacionais "under cover" nem homens de acção especialistas em "black ops": são engenheiros de sistemas, técnicos de informática, matemáticos. Fecham-se nos seus gabinetes a inventar processos de desincriptação e escuta que lhes permitam obter um corpo de informação inacessível de outro modo.
3. Qualquer serviço secreto de informação e inteligência opera, por definição, à margem da lei. As nações que agora se manifestam com indignação perante os documentos publicados por Snowden, como a França, a Alemanha, a Rússia e o Brasil, também têm, como é óbvio, serviços de recolha de informação estratégica para a condução optimizada dos seus interesses. Os serviços de inteligência brasileiros devem ser bastante beras, porque há uma contradição em termos no facto concomitante de se ser brasileiro e de se ser inteligente, mas alemães, franceses e russos, só para falar nestes três casos, têm um historial de serviços secretos cujos métodos são muito pouco recomendáveis e, naturalmente, ilegais.
Aliás, não estou bem a ver como é que a NSA, ou qualquer outro serviço deste género, pode operar com base em preceitos legais. Se a NSA operasse dentro dos limites da lei americana e do direito internacional, os americanos não precisavam da NSA. O que não faltam são empresas privadas, do género Dun & Bradstreet, que recolhem, dentro dos limites legalmente consagrados, informação sobre empresas e cidadãos. Em Portugal também havia uma, a Mope, mas entretanto foi vendida aos espanhóis e fundida num conglomerado qualquer. Aliás, em Portugal também há um serviço secreto de informações que opera além do que a lei permite, chamado SIS, que é muito bera, porque há uma contradição em termos no facto concomitante de se ser português e de se saber manter um nível básico de secretismo.
4. Quando se assustam as pessoas com a ideia terrífica de que a NSA tem um olho nas suas mensagens de email e um ouvido nas suas conversas telefónicas, o que se está a fazer é um guião para Hollywood, em vez de jornalismo. Qualquer sapiens com uma quantidade bastante reduzida de bom senso, que não se dedique a actividades menos recomendáveis como o resgate e despenhamento de aviões em arranha-céus ou a detonação de engenhos explosivos em lugares de convergência, deve saber perfeitamente que a sua privacidade estará assegurada, no contexto das garantias dadas pelos operadores de telecomunicações que contratou, claro está. Os gestores de produto do Google e do Facebook - esses sim - espreitam todos os dias para dentro dos nossos conteúdos comunicacionais, de forma desavergonhada, mas apesar disso as pessoas continuam tranquilamente a subscrever os seus serviços. Ainda por cima, estas escutas decorrem de interesses meramente comerciais, que são, convenhamos, de ordem inferior à salvaguarda da segurança dos cidadãos e dos estados.
5. Edward Snowden é um traidor à sua pátria e deve ser tratado como tal. Ao fazer publicar os documentos altamente sensíveis que fez publicar, este desgraçado comprometeu seriamente a capacidade operacional da NSA e, logo, prejudicou muito significativamente a produção de informação pertinente para a defesa dos interesses estratégicos americanos e da segurança de pessoas e bens no seu país.
Nem é casual o facto de ter sido nem mais nem menos que o senhor Putin a dar santuário a este foragido. Snowden é um inimigo da América. E Putin sabe bem que os inimigos dos seus inimigos, amigos dele são. O simples facto de um espião da NSA ser agora um foragido que aceitou o santuário do senhor Putin já diz muito sobre o seu estatuto de renegado.
Não sou, de todo, um defensor da pena de morte. Não por causa dos valores humanistas, que valem o que valem (leia-se: nadinha), mas porque é um método bárbaro e moralmente questionável de resolver o problema da criminalidade. Abro porém excepções para terroristas e traidores. Os primeiros porque, pela qualidade dos seus actos, se colocam para além de qualquer paradigma moral, os segundos porque, pela dimensão ciclópica dos prejuízos que causam a toda uma sociedade, devem ser castigados de forma exemplar.
A CIA já devia ter espetado um tiro na cabeça tonta deste rapazinho atrevido. E se não o fez é porque, ao contrário da NSA, a CIA é uma organização muitíssimo incompetente.
É absolutamente deprimente que um jornal americano com a história e o estatuto do New York Times tenha a desfaçatez de publicar este editorial. É também um alarmante sinal dos tempos e da arrepiante desintegração ideológica que está a acontecer nos Estados Unidos. Um conselho editorial que não percebe os danos que Snowden provocou no aparelho de segurança americano está dentro do nível máximo da estupidez humana. O problema, é que os editores do NYT não são assim tão estúpidos. São radicais. São perigosos. E, desde o dia 1 de Janeiro de 2014, são cúmplices do próximo atentado islâmico que acontecer em terras do Ocidente.
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