quarta-feira, julho 29, 2015
A Terceira Guerra Mundial, agora.
Neste incrível site da Norse é possível assistir, em tempo real, ao desenrolar de uma boa parte dos ataques informáticos que estão a acontecer na net. Como é fácil de ver, a China está a ganhar. E os americanos estão sempre a levar porrada. A imagem é um gif feito à pressa, porque o mapa não tem funcionalidade de partilha para o blog. Mas vale mesmo a pena visitar o site. Impressionante.
terça-feira, julho 28, 2015
Um bocadinho de caos.
O filme é assim-assim, mas a banda sonora, bom deus, vai aos limites. Uma abençoada concessão de Peter Gregson aos deuses da harmonia.
Jornal de Letras - Edição Especial - Inferno, de August Strindberg
Crónica publicada a 21/05/15 |
É imperativo iniciar esta breve recensão com uma advertência: “Inferno” (Sistema Solar, 2015) será, muito provavelmente, um dos livros mais estranhos – e arrepiantes – alguma vez escritos. Não diga portanto o gentil leitor que não foi devidamente avisado. Daqui para a frente, está por sua conta e risco.
Dramaturgo, novelista, poeta, ensaísta, pintor, teósofo, químico, alquímico, botânico, telepata, espiritualista e feiticeiro, Johan August Strindberg (1849 – 1912) é um daqueles personagens da literatura que faz feliz qualquer biógrafo. Criativo errante e insano, multi-facetado e sobre-dotado, ateu e deísta, protestante e católico, blasfemo e devoto, romântico e naturalista, socialista e niilista, criatura avant-garde no sentido literal e lato, o célebre sueco é de tal forma um protagonista da sua própria literatura que até a demência que o afectou durante largos anos da sua existência é, por muitos críticos, considerada uma figura de estilo.
“Inferno” é o relato auto-biográfico, embora também – em certa medida – ficcional, do exílio em Paris e da errância posterior, abrangendo um período que pode ir de seis meses a dois anos da vida do autor (dependendo da perspectiva com que se lê a obra), algures entre 1890 e 1895. O itinerário inclui uma inúmera quantidade de hotéis e cemitérios, cafés e hospitais, cidades e vilas, solares e hospícios, onde o ilustre dramaturgo é constantemente confrontado com o mal absoluto e demoníaco, a morte putrefacta e a podridão escatológica (as sanitas perseguem-no, os esgotos acompanham-no e a decomposição universal manifesta-se num festival fedorento de excrementos omnipresentes).
Apesar de tudo, Strindberg mantém a bom nível performativo a superstição científica, que lamentavelmente o caracteriza: tenta convencer-nos que a borboleta-caveira (Acherontia atropos) deve a sua imagética ao facto de se alimentar de «alcalóides vegetais aparentados com a morfina mas muito próximos de venenos cadavéricos.» A tese desenvolve o argumento espantoso que o insecto é atraído pelo cheiro a mortos e a decomposição, pelo que procura os cemitérios, as lixeiras e as imediações dos cadafalsos e das forcas, onde observa crânios humanos. Estas imagens tenebrosas actuam sobre os «nervos da borboleta», que é bastante impressionável e somatiza o horror numa representação biológica para-darwiniana que dá vontade de rir. Também é cómica – se não fosse trágico-cómica – a sugestão de que um touro que perdeu a cauda ao entalá-la na porta do estábulo poderá gerar uma raça bovina sem rabo.
Mas há mais ciência mística: o enxofre, por exemplo, tem forçosamente que integrar o carbono (e Strindberg afirma que o encontrou), mesmo depois de Lavoiser ter demonstrado, duzentos anos antes, que se trata de um elemento químico e não de um composto. O mesmo acontece com o ouro, que o autor acredita ser um composto de enxofre e ferro, contra tudo o que nos ensina a tabela periódica (o ouro nem sequer faz parte do mesmo grupo de metais que o enxofre). Também nesta circunstância o alquimista impenitente chega a acreditar que de facto fabricou a substância áurea, no seu laboratório de Panoramix.
Aliás, para Strindberg, incondicional amante do absinto, a realidade é transformista: vê perfeitamente duas mãos em prece no embrião codiforme de uma noz, gnomos e duendes nas pedras de carvão, divindades satânicas nos móveis do quarto e nas carcaças dos caranguejos. Zeus deita-se na sua cama e o travesseiro desenha gárgulas, monstros, dragões. Por seu lado, vá-se lá saber porquê, os cães raivosos assemelham-se a dinamarqueses. Mas não é só a realidade física que constantemente se transmuta em novos horrores. Como uma espécie de Ovídeo ao contrário, o narrador desdobra-se na mesma medida em alterações da metafísica: «Todos os antigos deuses se transformaram na época seguinte em diabos. Os habitantes de Olimpo transformaram-se em demónios: Odin, Thor, o diabo em pessoa. O Portaluz Prometeu-Lúcifer degenerou em Satanás. Cristo (…) ter-se-á transformado (…) em demónio.»
Neste caldo fundamental de deuses e diabos em metamorfose para todo o sempre, a vida – essa grande teoria da conspiração – é preenchida penta-dimensionalmente por premonições, pesadelos, visões, indícios, revelações, sinais e suspeitas. A própria bíblia é um oráculo na valsa da loucura e, uma simples vela que perde um simples pedaço de cera, anuncia logo e por certo uma morte na família. Quando, depois de várias semanas encobertas por um espesso manto de nuvens, surge um raio de sol que ilumina a sala, essa luz fortuita não se pode dever ao acaso: é um sinal, um milagre, um apelo do todo poderoso. O Eterno falou.
Em Paris ou em Lund, na taberna ou com a família, Srindberg está rodeado de inimigos. Russos, devotos, católicos, jesuítas, teósofos, druidas, médicos, demónios visíveis e invisíveis, fúrias, potências, espíritos, donos de hóteis, médicos, polícias e ladrões, transeuntes e estranhos, todos são suspeitos – e muito especialmente os electricistas. A electricidade, para o autor sueco, tem super-poderes; levanta facas e ameaças, possui sexualmente a alma, é um verdadeiro incubo, para o qual não há exorcismo conhecido. Seja como for, metade da população mundial quer assassinar o autor por acusações de feitiçaria e, a outra metade, por insinuações de magia negra. E não que o bardo sueco seja completamente inocente: segundo ele próprio admite, basta-lhe escrever uma carta a um astrónomo para que o desgraçado pereça uns dias depois.
O perspicaz leitor já percebeu de certeza que o auto-biografado sofre de desvios esquizóides como a mania da perseguição. De facto, Strindberg parece ser vítima de uma quantidade exuberante de patologias de ordem físico-química, reais e imaginárias. Nada mais nada menos que paranóia, neurastenia, esquizofrenia, hipocondria, electrofobia, insónia, angina de peito, enfisema e psoríase.
Apesar do seu delicado estado de saúde e da ainda mais periclitante condição financeira, não encontrando sequer consolação no reencontro com a sua família, o infeliz acaba até por ser expulso pela mãe, nestes termos lapidares: «Vai-te embora, meu filho, estou farta deste cheiro a Inferno.»
Sob o signo de Emmanuel Swedenborg, o «buda do norte», místico, cientista e teólogo do século XVII, será talvez possível a redenção, o remédio contra a demência, a claridade. Mas o grande turbilhão das divindades – e o vácuo que cria na consciência -, a miséria e o mistério aconselham à resignação. No fim, uma temporária conversão ao catolicismo e a vaga e impraticável hipótese de retiro num mosteiro belga, mesmo assumindo cristo como um falso profeta. No fim, a interminável espera por um cheque da Academia Sueca, que não vai chegar nunca. No fim, como no princípio: o abismo e as trevas.
Perante o inferno de Strindberg, até Dante parece um menino de escola.
O erro de Obama.
Segundo a ESA - Agência Espacial Europeia - que nestas coisas e até muito fora do seu mandato, costuma ser extremamente alarmista, o Ártico recuperou, em 2013, 41% do gelo que, segundo a mesma agência, tinha perdido entre 2010 e 2012.
Estes números, claro, não fazem e nunca fizeram sentido nenhum. As variações climáticas do planeta estão completamente fora do domínio deste género triste de aprendizes de feiticeiros, mas não deixa de ser curioso verificar que, mesmo quando os registos são "bons", dá-se-lhes logo o devido spin: esta notícia vem com a consideração esperta que o verão frio de 2013 só atrasou o degelo apocalíptico, que é inevitável. O degelo apocalíptico é inevitável desde os anos 70 do Século XX. Passam as décadas e quem está à espera de se suicidar através do degelo apocalíptico pode esperar sentado. Os filhos dos desgraçados que estão à espera do degelo apocalíptico para morrer também vão poder esperar sentados. Isto é tudo, na verdade, uma anedota sem graça.
O facto, quer queiram quer não, é que as temperaturas médias globais têm diminuído desde 1997 e que os mais recentes estudos sobre o impacto dos oceanos no clima revelam que estamos até a entrar numa época de "cooling down". O simples conceito de temperatura média global é altamente discutível e é claro que estas afirmações estatísticas também são vazias de significado, porque trinta anos na história do clima terráqueo querem dizer tanto como cem ou cinquenta mil e duzentos, ou seja: nadinha. A tese do aquecimento global é de tal forma disparatada que até a sua contestação decai para o ridículo.
Grande e antigo vendedor de mitos multi-apocaliptícos e campeão maluco das causas ecológicas (no sentido pueril e mediático do termo e talvez por falta evidente de outras que impliquem mais coragem e inteligência), o sr. Obama decidiu congratular-se e congratular hoje, através da sua excelsa presença no Facebook, o conglemerado de grandes empresas norte-americanas que decidiram desperdiçar 150 mil milhões de dólares no "combate às alterações climáticas".
A simples pretensão de que 126 mil milhões de dólares podem fazer uma mínima diferença em equílibrios geofísicos com idades mais antigas que a imaginação e que transcendem até o estrito âmbito do planeta (o clima na Terra é directamente influenciado por fenómenos que ocorrem no sistema solar), é demasiado pornográfica para parecer real. Mas a ingenuidade também choca. A Apple, a Microsoft, a Google, a General Motors, as duas coca-colas e o Bank of America, entre outros belos exemplos de máximo cinismo comercial, estão nisto de "reduzir a pegada de carbono no planeta" porque o negócio é bom. O negócio tem um potencial de poupança fiscal escandaloso e os consumidores já estão devidamente infectados com o medo do clima: ser verde vende à brava.
A boa notícia de que Obama fala na sua inominável página social é afinal que a América está a gastar muito dinheiro em marketing. A má notícia que o senhor não confessa, talvez até por ignorância de tudo, é que a América tem uma estratégia de marketing errada.
Estes números, claro, não fazem e nunca fizeram sentido nenhum. As variações climáticas do planeta estão completamente fora do domínio deste género triste de aprendizes de feiticeiros, mas não deixa de ser curioso verificar que, mesmo quando os registos são "bons", dá-se-lhes logo o devido spin: esta notícia vem com a consideração esperta que o verão frio de 2013 só atrasou o degelo apocalíptico, que é inevitável. O degelo apocalíptico é inevitável desde os anos 70 do Século XX. Passam as décadas e quem está à espera de se suicidar através do degelo apocalíptico pode esperar sentado. Os filhos dos desgraçados que estão à espera do degelo apocalíptico para morrer também vão poder esperar sentados. Isto é tudo, na verdade, uma anedota sem graça.
O facto, quer queiram quer não, é que as temperaturas médias globais têm diminuído desde 1997 e que os mais recentes estudos sobre o impacto dos oceanos no clima revelam que estamos até a entrar numa época de "cooling down". O simples conceito de temperatura média global é altamente discutível e é claro que estas afirmações estatísticas também são vazias de significado, porque trinta anos na história do clima terráqueo querem dizer tanto como cem ou cinquenta mil e duzentos, ou seja: nadinha. A tese do aquecimento global é de tal forma disparatada que até a sua contestação decai para o ridículo.
Grande e antigo vendedor de mitos multi-apocaliptícos e campeão maluco das causas ecológicas (no sentido pueril e mediático do termo e talvez por falta evidente de outras que impliquem mais coragem e inteligência), o sr. Obama decidiu congratular-se e congratular hoje, através da sua excelsa presença no Facebook, o conglemerado de grandes empresas norte-americanas que decidiram desperdiçar 150 mil milhões de dólares no "combate às alterações climáticas".
A simples pretensão de que 126 mil milhões de dólares podem fazer uma mínima diferença em equílibrios geofísicos com idades mais antigas que a imaginação e que transcendem até o estrito âmbito do planeta (o clima na Terra é directamente influenciado por fenómenos que ocorrem no sistema solar), é demasiado pornográfica para parecer real. Mas a ingenuidade também choca. A Apple, a Microsoft, a Google, a General Motors, as duas coca-colas e o Bank of America, entre outros belos exemplos de máximo cinismo comercial, estão nisto de "reduzir a pegada de carbono no planeta" porque o negócio é bom. O negócio tem um potencial de poupança fiscal escandaloso e os consumidores já estão devidamente infectados com o medo do clima: ser verde vende à brava.
A boa notícia de que Obama fala na sua inominável página social é afinal que a América está a gastar muito dinheiro em marketing. A má notícia que o senhor não confessa, talvez até por ignorância de tudo, é que a América tem uma estratégia de marketing errada.
segunda-feira, julho 27, 2015
Crónica do Tour.
Com 4 candidatos à vitória (Froome, Nibali, Quintana e Contador), esta Volta à França prometia mais do que realmente veio a oferecer. Logo na primeira etapa de montanha a sério, nos Pirinéus, Chris Froome deixou toda a gente para trás, somando à diferença que já tinha acumulado nas etapas anteriores tempo de sobra para pensar na meta em Paris com um sorriso e demonstrando um poder tal que nunca mais se livrou das costumeiras e imbecis acusações de doping. Aliás, os franceses demonstraram bem que género de povo vil são. O líder da Ski, de longe o melhor ciclista em prova, foi agredido com urina, com cuspo, com murros, com vitupérios e com insinuações que são muito dificeis de aceitar, sem que a organização fizesse fosse o que fosse para proteger o atleta.
É verdade que, nos Alpes, Quintana, Nibali, Contador e Valverde deram uma excelente luta ao camisola amarela, mas Valverde lutava apenas pelo seu primeiro podium na competição, Nibali estava já demasiado atrasado para ser uma ameaça, Contador, depois de ter ganho o Giro de Itália, já não tinha pernas para grandes aventuras e Quintana atacou tarde demais, vítima de uma estratégia muito pouco ambiciosa da Movistar, que nitidamente preferiu consolidar o segundo e o terceiro lugar na classificação geral. A vitória de Froome é, assim, incontestável. E até a camisola às bolinhas para o melhor montanhista da prova lhe cai às mil maravilhas, sendo que não é lá muito comum que o primeiro classificado do Tour seja também o vencedor do prémio da montanha.
Seja como for, o Tour é sempre um espectáculo fabuloso e, em 2015, não houve excepção à regra. Quando foi apanhado na confusão que levou à queda mais aparatosa da corrida e que vitimou também Rui Costa, Cancelara voava a 85 kms por hora (dados GPS). As velocidades máximas alcançadas, em plano e nas descidas, bem como as médias horárias da edição de 2015 foram, regra geral, absolutamente arrepiantes. O esforço dos atletas manteve o nível épico de sempre e nunca faltou emoção nas 21 etapas do evento. Heróis também não. Peter Sagan, o vencedor por pontos da competição, deu constante espectáculo e, apesar de se ter esforçado até aos limites físicos e anímicos da capacidade humana, não conseguiu ganhar uma etapa que fosse. Thibaut Pinot, terceiro classificado da edição transacta e uma das grandes desilusões das primeiras duas semanas da corrida deste ano, passou a última semana ao ataque, num esforço desenfreado e insano, que muitos criticaram, e que só na última etapa alpina, com chegada ao mítico Alpe d'Huez, deu frutos. Pinot cerrou os dentes e triunfou, apesar da ameaça de Quintana. Vicenzo Nibali, que ficou desde muito cedo sem nada a perder, mostrou porque é um grande campeão e porque é que o ciclismo de alta competição é uma modalidade apaixonante, garantindo o protagonismo em variadíssimas situações da corrida e atacando bravamente, quando outros, que tinham mais a ganhar, se acobardaram. Na ausência de Kittel, a Alemanha contou com a grande forma de André Greipel. O melhor velocista em prova ganhou 4 etapas com a eloquência de um puro sangue, deixando outros grandes sprinters como Cavendish, Kristoff e Coquard a sonhar com melhores dias.
Uma última nota para Rui Costa. Nas últimas duas edições do Tour, que coincidiram também com a circunstância de ser líder da Lampre, Rui Costa desistiu por alegadas razões de ordem física. A sua liderança na equipa, para voltas de 3 semanas, estará por certo comprometida. O que é uma pena. Mas não uma catástrofe. O Rui poderá sempre ser bem sucedido em clássicas, em provas de menor duração e em competições como os campeonatos do mundo ou os Jogos Olímpicos. Não terá talvez características de ordem física e psicológica para ser líder de uma equipa no Tour. E é bom que o atleta defina estrategicamente o que pretende fazer no futuro.
Ah, pois é.
Os automóveis do Século XXI são, na verdade, sistemas informáticos. O problema é que, como a maior parte dos sistemas informáticos contemporâneos, são muito frágeis no que respeita à protecção contra ataques de hackers. Assustadora reportagem, na Wired.
sexta-feira, julho 24, 2015
Poema do Gajo do Terceiro Anel
O gajo do terceiro anel senta-se sempre atrás da assembleia.
E se chega à praia com a maré cheia,
espera que fique vazia, para ter o espaço que é preciso
para ser dono das costas dos outros.
O gajo do terceiro anel é uma espécie de lanterna-vermelha-de-propósito,
prefere seguir na poeira derradeira a fazer parte do pelotão compósito.
O gajo do terceiro anel é claramente o mais insuportável dos arrogantes
e não se importa de apanhar com a merda dos elefantes,
desde que não siga com a coorte do marajá, desde que siga atrás do cortejo
e desde criança que sempre sentiu o desejo
de encostar a carteira simétrica
à parede final da sala, na aula de aritmética.
O gajo do terceiro anel já não vai ao cinema desde que acabaram
com o segundo-balcão
e nunca teve a infeliz ideia de comprar um bilhete para o peão.
O gajo do terceiro anel chega a ter pena
dos desgraçados que se sentam demasiado perto da arena.
O gajo do terceiro anel insiste no lugar lá atrás de todos os lugares atrasados,
mesmo quando o concerto está a meia casa
(o gajo do terceiro anel acha que não deve sofrer com os petardos
de suor que são projectados
pelo entusiasmo capilar do maestro).
O gajo do terceiro anel prefere estar sozinho quando devia seguir acompanhado
e é por isso que nunca vai dar um bom soldado.
E se chega à praia com a maré cheia,
espera que fique vazia, para ter o espaço que é preciso
para ser dono das costas dos outros.
O gajo do terceiro anel é uma espécie de lanterna-vermelha-de-propósito,
prefere seguir na poeira derradeira a fazer parte do pelotão compósito.
O gajo do terceiro anel é claramente o mais insuportável dos arrogantes
e não se importa de apanhar com a merda dos elefantes,
desde que não siga com a coorte do marajá, desde que siga atrás do cortejo
e desde criança que sempre sentiu o desejo
de encostar a carteira simétrica
à parede final da sala, na aula de aritmética.
O gajo do terceiro anel já não vai ao cinema desde que acabaram
com o segundo-balcão
e nunca teve a infeliz ideia de comprar um bilhete para o peão.
O gajo do terceiro anel chega a ter pena
dos desgraçados que se sentam demasiado perto da arena.
O gajo do terceiro anel insiste no lugar lá atrás de todos os lugares atrasados,
mesmo quando o concerto está a meia casa
(o gajo do terceiro anel acha que não deve sofrer com os petardos
de suor que são projectados
pelo entusiasmo capilar do maestro).
O gajo do terceiro anel prefere estar sozinho quando devia seguir acompanhado
e é por isso que nunca vai dar um bom soldado.
terça-feira, julho 21, 2015
Nem ela, nem eu.
Alabama Shakes . Don't Wanna Fight
Brittany Howard, a grandiloquente protagonista dos Alabama Shakes, parece em definitivo não estar disposta a mais querelas. Já somos dois. E nesta concórdia, fica uma malha daquelas que vão ficar uns anos no ouvido. A bombar.
segunda-feira, julho 20, 2015
Jornal de Letras - Edição Especial - Antes do Destino, de Márcio Alves Candoso
Crónica publicada a 19/06/15 |
“Antes do Destino” (Rui Costa Pinto Edições – 2015) é um exemplo especialmente gritante desta triste sina. Especialmente gritante porque o autor não merecia o anacrónico objecto gráfico de que foi vítima: este é o primeiro livro de poemas de Márcio Alves Candoso, mas até podia ser o último. Chama-se Antes do Destino, mas podia chamar-se Depois. O autor não é propriamente um rookie e a sua poesia, valente e sonora, substancial e épica, matura e pensada, a sua poesia massacrada por décadas de revisões e cortes e acréscimos e alterações de humor, a sua poesia heróica precisava de um outro palco de papel. Adiante.
É preciso dizer que Márcio Alves Candoso não está interessado no poema pelo poema. Cada estrofe tem não sei quantas significações de forma e de conteúdo. Recusando a elipse e o vácuo, os versos correm multidimensionalmente em linhas rectas como setas e em todas as direcções da sintaxe e da semântica, na corrente eléctrica de alta voltagem que alimenta um existencialismo reinventado a partir do tudo e do nada.
Mostraremos as mamas, sim, filha,
e dormiremos tempos vastos nos colchões gastos
com totobolas sem prémio.
O autor “descasca o pessegueiro” da lírica com uma má disposição carismática e sem medo de ninguém. Entre o poeta e os outros cria-se um elo maldito de desdém apaixonado, uma vontade de vomitar que chega com mais ou menos rapidez ao orgasmo redentor, onde o entendimento é possível, mas não a concórdia. Há aqui uma veemência que precisa de muitos anos de vida e de bastantes porradas para ser verdadeira – e há muita verdade nestas páginas.
Que cretinosa, malcheirosa pieguice
messiânica vai chegar para abater esta vontade
com que, rubros os campos, astralmente vamos
expandir látimos de glória onde se arregalam
olhos de colossal conquista?
Manifestando-se num eixo instável e incongruente que percorre o trajecto infinito que vai de Horácio a Ginsberg, “Antes do Destino” é um livro quase enciclopédico. Carregado até mais não de referências e cruzamentos de referências, excessivamente epigrafado, com citações e dedicatórias a cada passo (outro aspecto em que se nota a ausência de um trabalho editorial mais rigoroso), brilhantemente prefaciado por Bruno Oliveira Santos (cujo texto introdutório à poesia de Márcio Alves Candoso levará invariavelmente o crítico ao abismo da redundância), este é um trabalho violento e generoso, quase obsceno, porque exige do leitor uma honestidade insustentável e demanda, do mundo, uma obediência que transgride os mais tolerantes protocolos.
Pára os pseudónimos e os tolos fingimentos
que chegou o tempo de beijar-te as coxas!
Para Márcio Alves Candoso, o amor é um tempo de cólera. Uma demanda utópica. E o sexo transforma-se num conto de fadas para maiores de 18 anos.
Quando Carolina do Mónaco perdeu os três assim,
como outra qualquer,
Cinderela deixou de correr ansiosa ao toque da meia noite.
Raramente encontramos, nos escaparates contemporâneos, poesia que pese tanto: gorda sem gorduras, anafada de misérias, alegre de angústias, eloquente de singularidades lexicais, mostra de versos raivosos e meias histórias arrancadas a ferros da existência, essa tágide-meretriz-mãe que vai parir, inevitavelmente, estrofes sónicas para ler aos gritos e com lágrimas.
E vim do chão, do sol, para rasgar a cabeça
com navetes que nos estalam a porcaria dos nervos.
E vim bêbado e límpido por dentro atrás do novo quinhão de raiva
que é ser nada fora da poesia.
(…) Vós sois folhas mortas
Eu venho da raíz e rumo às copas
às cúpulas e às cópulas
que não entendereis nunca!
O som e o ritmo são importantes, urgentes, para o poeta (como em Europa, um poema que reinventa o usa da língua e o destino de um continente), mas são apenas um meio para um fim. E o fim é a literatura, claro. A poesia de Márcio Alves Candoso não nasceu para ser coroada de louros, elevada pelos críticos ou glorificada pela posteridade. A sua missão é ser escrita e ser lida. Tudo o mais é menos que o desejo de regressar à erudição do zero absoluto:
Ah, quem me dera ser analfabeto!
quinta-feira, julho 16, 2015
Plutão como ele é.
Já não precisamos de ilustradores para ter uma imagem decente de Plutão. Por enquanto, a NASA só divulgou estas duas fotografias, mas outras se hão-de seguir, por certo. Entretanto, a sonda New Horizons segue viagem, para os confins do Sistema Solar.
domingo, julho 12, 2015
Viagem aos limites do Sistema Solar.
Quando a New Horizon partiu da Terra, há dez anos atrás, Plutão ainda era considerado um planeta. Hoje já todos sabemos que foi despromovido à categoria de calhau, mas isso não retira nenhum interesse à missão da pequena sonda (tem o tamanho de um piano e o peso de um violoncelo): Plutão é o corpo celeste mais misterioso e tímido do Sistema Solar. Descoberto em 1930 por Clyde Tombaugh, ainda não deu uma volta inteira ao Sol nos 85 anos que entretanto decorreram. Nem os telescópios mais potentes conseguem uma imagem decente do planeta-anão e ainda não sabemos, muito simplesmente, quantos satélites tem. Plutão é tão distante da terra (5.763.920.000 kms) que a totalidade da informação recolhida pela New Horizon vai demorar um ano a fazer a viagem de regresso (embora as primeiras imagens fotográficas possam chegar quatro horas depois de serem tiradas). Mas nessa informação estão os segredos da jóia do Cinturão de Kuiper, e dos limites do Sistema Solar. Até porque a New Horizon continuará a sua viagem na direcção dos abismos do espaço.
A partir de terça-feira, há uma nova fronteira conquistada.
Mais coisas sobre esta viagem épica na Wired.
sábado, julho 11, 2015
Galáxia Zen
Eis a Via Láctea, em três frequências de cor, segundo o Spitzer Space Telescope. Dá vontade de sair daqui. Dá vontade de foguetões.
Algumas ideias básicas sobre a hipótese de uma invasão extraterrestre.
Parágrafo eloquente tirado de uma entrevista da Wired a Ernie Cline:
“[In movies] they just come down and begin to conduct a World War II-style ground invasion against us, with ship-to-ship combat, because it’s all really great and cinematic and a lot like Star Wars. But why would the aliens do that? They could just hurl a meteor at Earth if they wanted to exterminate us. Or why do they even come to Earth to begin with? The idea is always that Earth is this perfect, rare, blue world, but it’s perfect for us because we evolved to live here, but for any other alien they always have to terraform Earth. Well why not terraform a lifeless world that’s not inhabited by nuke-wielding monkey boys who are going to fight back? … And if an intelligent species has the technology to travel light years across interstellar space with these massive warships, then they’ve probably reached the Singularity, and they’d be beyond the need for anything that we have.”
“[In movies] they just come down and begin to conduct a World War II-style ground invasion against us, with ship-to-ship combat, because it’s all really great and cinematic and a lot like Star Wars. But why would the aliens do that? They could just hurl a meteor at Earth if they wanted to exterminate us. Or why do they even come to Earth to begin with? The idea is always that Earth is this perfect, rare, blue world, but it’s perfect for us because we evolved to live here, but for any other alien they always have to terraform Earth. Well why not terraform a lifeless world that’s not inhabited by nuke-wielding monkey boys who are going to fight back? … And if an intelligent species has the technology to travel light years across interstellar space with these massive warships, then they’ve probably reached the Singularity, and they’d be beyond the need for anything that we have.”
terça-feira, julho 07, 2015
I Don't Believe In The Sun: um poema de amor para alterar as leis da física.
Crónica publicada a 04/05/15 |
"69 Love Songs is not remotely an album about love. It's an album about love songs, which are very far away from anything to do with love."
STEPHEN MERRITT
Ao contrário do que se pode suspeitar pelo texto anterior desta série, que contava a história, real e vivida, do tema "Reno Dakota", Stephen Merritt nunca acreditou que, para escrever de enfiada uma quantidade impensável de músicas de amor, seria preciso ao autor passar necessariamente pelo corredor de horrores de várias e diversas experiências românticas (graças a deus!). O projecto "69 Love Songs" não seria, afinal, um manifesto ontológico mas si antológico, ou seja, conceptual. Quase enciclopédico. O que interessava a Merritt não era o amor, mas o conceito da música de amor. E é por isso que, nos 69 temas deste grandioso exercício, encontramos trovas medievais e melodias folk, faixas pop ao jeito dos Beach Boys, trechos psicadélicos do género Grateful Dead, peças obsessivas-compulsivas que lembram Joy Division e toda uma panóplia de estilos e vocações que vão do A ao H da esquizofrenia harmónica e da patologia lírica.
Na
duração intransigente deste percurso estético, encontramos textos que
procuram explorar os limites criativos da comicidade, tanto como da
dramaticidade, inerentes ao amor passional. Trata-se, invariavelmente,
de um trabalho de abstracção; formalista, satírico, impiedoso. Reparem
no refrão de "A Chicken With Its Head Cut Off":
But my heart's running 'round like a chicken with its head cut off
All around the barnyard, falling in and out of love
The poor thing's blind as a bat, getting up, falling down, getting up
Who'd fall in love with a chicken with its head cut off?
All around the barnyard, falling in and out of love
The poor thing's blind as a bat, getting up, falling down, getting up
Who'd fall in love with a chicken with its head cut off?
Ou no apelo aliterante e folclórico em "Absolutely Cukoo":
Don't fall in love with me yet
We only recently met
True, I'm in love with you, but
You might decide I'm a nut
Give me a week or two to
Go absolutely cuckoo
Ou ainda na perdição romântica, de tom bíblico, em "Book Of Love":
The book of love is long and boring
and written very long ago
It's full of flowers and heart-shaped boxes
and things we're all too young to know
but I, I love it when you give me things
and you, you ought to give me wedding rings
and written very long ago
It's full of flowers and heart-shaped boxes
and things we're all too young to know
but I, I love it when you give me things
and you, you ought to give me wedding rings
Mas,
talvez, o exemplo mais brilhante da abordagem conceptual a que Setphen
Merritt submeteu os Magnetic Fields para a construção deste triplo albúm
é o tema "I Don't Believe in The Sun".
Aparentemente, trata-se de um poema que se inspira na prosaica
depressão que sempre acomete o amante quando o objecto da sua paixão
decide, desgraçadamente, abandonar o romance. Porém, na verdade, estamos
perante algo muito mais ambicioso. Merritt utiliza a tragédia ligeira
do desgosto de amor para uma revisão das leis da física, num exercício
estilístico que é em exclusivo a substância do poema. E eis que somos
chegados conclusivamente ao pressuposto formal de "69 Love Songs": a
paixão é, em si, desinteressante. A forma como a arte tira partido da
paixão para ganhar poder terratransformador é que tem valor a sério. Até
o sol passa de corpo celeste a acto de fé. Senão vejamos:
They say there's a sun in the sky
But me, I can't imagine why
There might have been one
Before you were gone
But now all I see is the night
So I don't believe in the sun
How could it shine down on everyone
And never shine on me
How could there be
Such cruelty
The only sun I ever knew
Was the beautiful one that was you
Since you went away
It's night time all day
And it's usually raining, too
So I don't believe in the sun
How could it shine down on everyone
And never shine on me
How could there be
Such cruelty
The only stars there really are
Were shining in your eyes
There is no sun except the one
That never shone on other guys
The moon to whom the poets croon
Has given up and died
Astronomy will have to be revised
I don't believe in the sun
How could it shine down on everyone
And never shine on me
How could there be
Such cruelty
But me, I can't imagine why
There might have been one
Before you were gone
But now all I see is the night
So I don't believe in the sun
How could it shine down on everyone
And never shine on me
How could there be
Such cruelty
The only sun I ever knew
Was the beautiful one that was you
Since you went away
It's night time all day
And it's usually raining, too
So I don't believe in the sun
How could it shine down on everyone
And never shine on me
How could there be
Such cruelty
The only stars there really are
Were shining in your eyes
There is no sun except the one
That never shone on other guys
The moon to whom the poets croon
Has given up and died
Astronomy will have to be revised
I don't believe in the sun
How could it shine down on everyone
And never shine on me
How could there be
Such cruelty
Dei Verbum
Procuro nas palavras o poema que nunca li nem vou escrever; o poema que resolve a história e o cosmos; o poema que está por trás de deus, que é antes das coisas; o poema cosmogonia, protogonos da literatura, pai e mãe do espaço-tempo; o poema que dá sentido à vida e que transcende a morte. Procuro nas palavras a lírica e a matemática da teoria de tudo; o verso em que a física dos astros faz as pazes com a física das partículas; a rima que reduz o círculo colidor do CERN à anacronia. Procuro no ruído das palavras uma solução silenciosa e eloquente, a resposta última para a primeira pergunta, a virtude do universo na síntese de uma estrofe, o pecado original num canto irrepetível.
segunda-feira, julho 06, 2015
O triunfo dos piratas.
Hoje, 60% dos gregos que foram votar puseram uma cruzinha na frase que, em boa verdade, dizia isto: queremos continuar a viver com o dinheiro dos outros. Para fazer a democracia funcionar realmente, neste contexto, será agora necessário realizar referendos em cada um dos países credores de forma a saber se os seus cidadãos estão disponíveis para continuar a pagar a vida dos gregos.
Do outro lado da barricada, porém, não está gente com espinha dorsal para fazer o que deve ser rapidamente feito, que é, agora a sério, correr com a Grécia do Euro. Do outro lado da barricada, do nosso lado da barricada, estão os junkers e os constâncios do costume. E receio bem que os senhores do Syriza levem avante o seu ideário de piratas.
Inacreditável.
sexta-feira, julho 03, 2015
Mais uma voltinha.
Os meus amigos globetrotters foram dar mais uma voltinha. Desta feita, o cú do mundo que elegeram foi o Canadá. E, como não podia deixar de ser, trouxeram de lá um clip mesmo giro.
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