quarta-feira, novembro 28, 2018

Matéria e consciência: a hipótese animista.



A Teoria da Emergência, de que já aqui falei, tem um grande aliado na escola do Pan-Psiquismo. Nesta surpreendente e interessantíssima palestra, o biólogo Rupert Sheldrake argumenta que o sol, como a galáxia, como o universo e como todos os sistemas que se auto-organizam, é uma entidade consciente. A tese, que integra correntes filosóficas que vão da Escola de Atenas ao naturalismo de Leibniz, dos animistas à ontologia processual de Whitehead, oferece soluções sólidas para muitos problemas das neurociências e da física contemporânea, inclusivamente o da matéria negra e da energia negra, que deixam de ser necessárias à orgânica do cosmos, bem como o da localização da memória no cérebro humano, um assunto que permanece em aberto e que Sheldrake procura resolver de uma forma muito elegante com a sua célebre Conjectura da Ressonância Mórfica.
Para além das questões científicas, o argumento que o biólogo inglês defende neste vídeo dá resposta a dores filosóficas que sempre nos atormentaram, como aquela que se estabelece sobre o significado da vida humana e a mistérios teológicos como a mecânica da omnisciência divina, sobre a qual apenas Newton teve a ousadia de especular.
A ideia do universo como um processo ondulatório, não materialista, de ganho de consciência é aqui articulada de uma forma particularmente sedutora. E dá que pensar. Dá muito que pensar.

Dos coletes amarelos à polícia do pensamento: uma elegia da Civilização Ocidental.


O movimento "Gilets Jaunes" é um dos mais sintomáticos fenómenos dos dias que correm. Enquanto as elites bem pensantes insistem nos fascismos culturais, linguísticos e ambientais - vendendo-os ainda por cima como valores virtuosos, auto-evidentes e por isso sem necessidade de discussão ou liberdade de contraditório - há cada vez mais gente que se revolta. A gente do meio. Aquele tipo de gente que não encontramos geralmente em manifestações e que não tem o glorificado hobby da cidadania e que costuma deixar a ciência política ao cuidado da inteligência dos comentadores de futebol. Esta estranha rebelião tem-se manifestado sobretudo através do voto, como aconteceu nos Estados Unidos com Trump, em Inglaterra com o Brexit, em Itália com Salvini e no Brasil com Bolsonaro, mas também chega às ruas, como agora acontece em França.

Assistimos na última década, na Europa e nos Estados Unidos, a uma divergência evidente entre as elites e as massas e esta divergência abre-se sobre vertentes civilizacionais de largo espectro como a imigração, a natureza jurídica das fronteiras e o conceito das nações; a identidade e a história dos povos; as virtudes da liberdade de expressão e os seus limites; a identidade étnica e rácica e o decorrente conflito com uma ideia de meritocracia; a sexualidade e as suas implicações nas dinâmicas sociais, no direito e na filologia. Há na verdade, nas sociedades ocidentais contemporâneas, um debate existencial, intrincado e barricado, entre as classes que medeiam e as classe que mandam.

De tal forma é vibrante e esquizofrénico este conflito, que até os polos ideológicos trocaram de lugar.  Hoje, é a direita que se manifesta contra os totalitarismos das classes dirigentes. É a direita que luta pela liberdade de expressão. Bem sei que o que vou escrever a seguir é do domínio do irreal, mas a verdade é esta: actualmente, a esquerda ocidental mantém muito melhores relações com o mundo empresarial e com as elites da esfera privada do que a direita. E tem mais facilidade em captar o dinheiro corporativo. Por outro lado, a direita apela agora muito mais aos segmentos sociais economicamente desfavorecidos. Os operários, os pequenos agricultores, as famílias de classe média e média-baixa, os desempregados. Este é o eleitorado típico da família Le Pen, só para citar um caso extremo, mas há mais: nas últimas midterm elections, 73 dos 100 mais ricos círculos eleitorais do congresso americano elegeram candidatos do Partido Democrata.

Uma das consequências mais nítidas desta rotação epistemológica de grande impacto é o monopólio da opinião. Enquanto a esquerda foi a frente rebelde contra o capitalismo e o mainstream industrial, constituía uma força de equilíbrio que contrariava naturais instintos humanos como a ganância, a corrupção, a insensibilidade perante o sofrimento alheio, etc. Esta posição justificava até, embora discutivelmente, a sobranceria moral que sempre presidiu à fundação das esquerdas.
Mas a partir do momento que entrou em alinhamento com as grandes estruturas do capitalismo, canonizando a globalização dos mercados, retirando à riqueza o seu cunho de pecado, alienando necessariamente a causa dos "trabalhadores" e capitalizando nas cruzadas das minorias e das políticas de identidade, a esquerda tornou-se rapidamente uma força reaccionária, na medida em que domina os media e os aparelhos do poder, sem ter perdido a arrogância ética. Vivemos hoje tempos extremamente perigosos, em que máquinas globais de esmagador poder propagandista, como a Google ou a CNN, funcionam livremente como polícias do pensamento e censores do discurso.

Ora, o que se passou no fim de semana passado em Paris é de difícil processamento para estas organizações de controlo da opinião, habituadas a ver na rua as suas vítimas eleitas (ambientalistas, chegevaristas, femininistas, independentistas, igualitaristas, marxistas, lgbtês e outros artistas do circo mediático ortodoxo) e não a tal resignada maioria silenciosa que, progressivamente, está a ter a deplorável ousadia de contrariar a resignação e quebrar o silêncio. Os motivos desta gente não são os do costume ou os da moda. Não protestam por causa do aquecimento global, nem montam barricadas nos Campos Elísios em defesa dos direitos dos homossexuais, nem levam porrada da polícia por horror da xenofobia. Ou melhor: se os franceses vieram para a rua gritar é precisamente porque estão fartinhos de viver numa república que se preocupa mais com as minorias do que com a classe média, que proteje as indústrias sexy dos Musks de todo o mundo e ignora os proletários de toda a França, que investe nas casas de banho para travestis e desinveste no combabe ao crime urbano, que é ávida a taxar e avarenta a servir quem é taxado. É claro que as redacções do Le Monde ou do New York Times não sabem bem o que fazer com esta matéria. Inimigos históricos das polícias de choque (pelo menos das polícias de choque ocidentais), não podem agora abençoar as cargas sobre civis. Indefectíveis defensores dos arruaceiros das causas fracturantes da esquerda, não têm desta feita grande margem de manobra para condenar a praxis vandalizante. Estes Coletes Amarelos são um embaraço enorme. Mas também e principalmente, um símbolo vivo do caos instalado.

O caso é que andamos todos com as voltas trocadas, nesta segunda década do vigésimo primeiro século depois de Cristo. Confortavelmente instalados nos sofás de um inédito conforto material e de um longo e raro período de paz, estamos, no Ocidente, a perder rapidamente a lucidez e a coragem dos nossos avós. A civilização que construímos, com o esforço épico e o sanguinolento sacrifício de centenas de gerações, cai com velocidade vertiginosa e ruidoso espalhafato num trágico-cómico poço sem fundo. E parece-me já demasiado tarde para que o cataclismo possa ser evitado. Voltemos ao caso francês: se é mais que nítido que Macron tem o futuro político definitivamente comprometido, a sua principal herança - ironia dos deuses da república - poderá muito bem ser a de abrir as portas do poder executivo, finalmente, à senhora Le Pen. E esta é a tragédia: também não vai ser esta senhora a salvar a França.

Até porque essa França que merece o combate pela salvação, aqui entre nós gentil leitor, já não existe para ser salva.


sábado, novembro 24, 2018

Da Poesia chinesa: Li Bai a sós com a montanha.

Sobre o inumerável, monstruoso e monumental corpo da poesia chinesa, já aqui foram postadas algumas pequenas coisas e hei-de, talvez, na reforma dos meus dias, escrever sobre o assunto mais aprofundadas linhas, sempre insignificantes, sempre necessárias para mim.
Por enquanto, tudo o que consigo produzir é uma pobre versão muito livre e muito minha de uma pérola do mestre Li Bai.

Caracteres originais e tradução literal:


独坐敬亭山     Sentado sozinho na montanha Jingting
众鸟高飞尽     As aves voam alto
孤云独去闲。 Nuvem solitária sozinho
相看两不厌, Não me importa o olhar de um para o outro
只有敬亭山。 Apenas a montanha Jingting


Versão Blogville:

Sento-me a sós contigo, Jingting.
Do céu passaram os pássaros já
E a única nuvem voou também.
Não me canso de te olhar e só há
uma montanha que me olha, Jingtin.

Primeiro o poema. Depois tudo o resto.



You always sleep with your clothes at the foot of the bed
Waiting for someone to wake you back up then you're gone again
Always knew you were a runner but I never thought you'd run

Run right back out to the street to yell
I don't know why I'm so angry but I'll try not to be
Catching a cab in the cold with you thinking I musta' gotten lazy
Me and this whole God damn city
Ain't that the way it always goes?
You hate what you love when it loves you the most

You always told me that someday you'd tear me apart
I didn't think I believed you, well I guess that I did
Always knew you were a winner but I never thought you'd win
Didn't even know we were playing

So run right back out to the street to yell
I don't know why I'm so angry but I'll try not to be
Catching a cab in the cold with you thinking I musta gotten lazy
Me and this whole God damn city
Ain't that the way it always goes?
You hate what you love when it loves you the most
Ain't that the way it always goes?
You hate what you love if it loved you first 


For Love . Boniface

Todas as grandes bandas fracassam.

Não gosto do último disco de uma banda que adoro: The Pineapple Thief. Mas como adoro esta banda e porque lhes desculpo completamente este último conjunto inferior de canções ("Dissolution"), aqui fica uma coisa magnífica, em formato acústico e só com a interpretação do insubstituível Bruce Soord, que se refere à penúltima Obra ao Branco que gravaram ("Rock") e que eu, na minha modestíssima opinião, considero como sagrada:



The Pineapple Thief . Tear You Up


Uma curiosidade: as colunas monitoras que Bruce tem no estúdio, e que são visíveis neste clip, são de uma marca que também é sagrada para mim: KEF. Tenho um par delas que me servem maravilhosamente há cerca de trinta anos.

quarta-feira, novembro 21, 2018

Nova SBE: um campus que é uma obra prima.

Como já aqui escrevi, a propósito da palestra de Jordan B. Peterson, fiquei agradavelmente surpreendido com a o projecto arquitectónico da Nova School of Business & Economics, um campus qualificadíssimo em Carcavelos. Vitor Carvalho Araújo Arquitectos, Tetractys Arquitectos, Global Arquitectura e GRID Consultas são as empresas que estão por trás do projecto e estão completamente de parabéns.
Ficam aqui umas quantas fotos, que na verdade não fazem justiça ao espaço, mas servem para dar uma ideia.
Nesta faculdade, ninguém tem desculpa para ser mau aluno.










terça-feira, novembro 20, 2018

Quando o espectáculo considera o espectador.

Ontem, no LA Memorial Coliseum, aconteceu aquele que foi, muito provavelmente, o melhor jogo de sempre, em época regular, da NFL.
Numa partida electrizante, Os LA Rams bateram os Kansas Chiefs pelo resultado insano de 54 - 51. Nunca num jogo da NFL duas equipas tinham marcado mais de 50 pontos e este é o terceiro mais volumoso resultado de sempre. Mas, para além dos números, a estonteante intensidade do jogo, bem como a incerteza do resultado, que só foi resolvido a um minuto do fim, contribuíram deveras para três horas de inigualável entretenimento.
No resumo que aqui deixo dá para perceber bem o vendaval atacante que assolou as 100 jardas do Memorial Coliseum. Há touchdowns de todas as maneiras e feitios, intercepções para todos os gostos e até um defesa como o linebacker Samson Ebukam, que pesa uns bons 111 quilos, foi capaz de dois touchdowns. Deu para tudo e deu para todos e, principalmente, deu para os espectadores. É que, ao contrário do que pensam os dirigentes e os adeptos de futebol, esse é que deve ser o primeiro objectivo de um espectáculo desportivo: divertir quem o vê.

sábado, novembro 17, 2018

Melodiosos e tontos.

Se fosse mais pateta, o clip seguinte rebentava. Porém, estes Future Generations fazem até um pop bastante aceitável, descomprometido e despretensioso, amigo do ouvido mas sem cair na tentação facilitista das bandas sonoras para bombas de gasolina. Não está nada mal.



Future Generations . Landscape

Parágrafo do mês.

"O futebol não é isto, diz-se. Então é o quê? Parece que, descontados os dirigentes, as “claques”, os comentadores, os empresários, as “estruturas”, o sr. Bruno de Carvalho, a “clubite”, a Liga daquilo, a Federação daqueloutro, a delinquência, a corrupção, as arbitragens, os “e-mails”, o fanatismo, a tutela, a cobiça, os canais generalistas e especializados, o sr. “Mustafá”, a violência, as trafulhices, o ódio, os pontapés na gramática e os casos judiciais, o futebol é uma coisa linda.
Eis a questão: será assim tão linda que justifique sofrermos as calamidades acima? E eis a resposta: não, evidentemente que não."

Alberto Gonçalves . Ópios do povo . Observador

Absolutamente belo.

O canhão da Nazaré é uma fonte inesgotável de belíssimas imagens. Esta sequência aérea, captada pela produtora Máquina Voadora, de uma onda gigante surfada por Sebastian Steudtner, é verdadeiramente espantosa.

sexta-feira, novembro 16, 2018

Jordan Peterson ao vivo ou a teatralidade da filosofia contemporânea.


Jordan B. Peterson, a estrela rock do panorama filosófico actual, esteve ontem a fazer aquilo que mais gosta - falar pelos cotovelos - na Nova School of Business & Economics, em Carcavelos. Com alguma sorte, consegui um bilhete e fui lá ouvir o homem e o homem, tanto como o evento, bem merecem umas linhas aqui no blog.

A primeira sensação que me fez cair o queixo, logo que cheguei, foi a criada pela magnificência arquitectónica desta escola, de cuja simples existência era desconhecedor. A Nova School of Business & Economics é uma espécie de campus paradisíaco, estendido junto ao mar sobre um perímetro imenso, com amplas estruturas exteriores e interiores. Deve ser mesmo fantástico estudar aqui, isso é certo. Num post futuro hei-de deixar algumas fotos que tirei da estrutura, que não deve ter paralelo em Portugal.


Os organizadores do evento (a faculdade e a editora do livro de Peterson em Portugal - a Lua de Papel) não acreditaram, nitidamente, que o psicólogo canadiano tivesse a popularidade em Portugal que tem no resto do universo ocidental e reservaram para o efeito um pequeno auditório. Rapidamente se aperceberam que estavam equivocados e a massiva procura de bilhetes obrigou-os a utilizar o main hall da escola, que é um espaço lindíssimo e consideravelmente amplo. Estava, claro, repleto. Tanto o reitor Daniel Traça, como o presidente do conselho científico da Nova SBE, Miguel Pina e Cunha, como o meu amigo de faculdade José Pratas, que representava a editora, manifestaram nas suas sucintas alocuções introdutórias algum espanto por tanta gente estar interessada em ouvir, durante duas horas, não um futebolista, não um político, não uma estrela de rock, não um socialite, mas um filósofo extremamente tagarela, que discursa sobre assuntos tão densos como o comportamento social das lagostas ou a natureza do bem e do mal na psiquiatria de Carl Jung. Miguel Pina Moura fez notar que a lotação atingiria ainda assim o seu limite mesmo que existissem o dobro dos lugares (eu calculo por alto que estavam cerca de 800 pessoas ontem na Nova SBE).


Acontece que Jordan B. Peterson é popular precisamente por ser denso. Precisamente por conseguir discorrer, com fluência e brilhantismo e sem qualquer cábula, duas e três horas seguidas sobre assuntos complexos e intrincáveis, que ele transforma em mensagens inteligíveis, coerentes entre si e extremamente poderosas junto dos muitos milhões de pessoas que estão cansadas das "verdades" vazias, simplórias e ideologicamente carregadas dos media convencionais. Falando sobretudo contra o vácuo moral do pós-modernismo e a falsa e inócua promessa da felicidade sem sacrifício, da igualdade sem responsabilidade e da ideologia sem ciência, a cruzada do autor canadiano trava-se pelo regresso dos valores fundamentais do Ocidente e pela importância de encontrar significado para a existência.
Imperativos categóricos típicos de Peterson, como aquele que aconselha as pessoas a levantarem a cabeça e endireitarem as costas ou a arrumarem o seu quarto antes de protestarem com a sociedade, podem parecer, à partida, primários, mas ressoam no imaginário de milhões de pessoas, principalmente dos jovens, como uma bomba atómica de razão pura.



12 Rules For Life já foi traduzido em mais de 40 línguas, tendo chegado a número um de vendas na Austrália, no Brasil, no Canadá, nos Estados Unidos, na Holanda, no Reino Unido, na Nova Zelândia e na Suécia.
Até o New York Times, ao mesmo tempo que omite escandalosamente a obra na sua famosa lista de livros mais vendidos, é obrigado a considerar que este é "o mais influente pensador do mundo ocidental".
O canal de Peterson no Youtube soma mais de 150 milhões de visualizações e 1,3 milhões de subscritores. A sua conta de Twiter tem "apenas" 300 mil seguidores. Através da Patreon, uma start-up online que angaria fundos para uma diversidade enorme de projectos, Peterson garante que 9500 admiradores financiem a sua frenética actividade com cerca de um milhão de dólares por ano.

Não admira, por isso, que também em Portugal o autor seja admirado e seguido por milhares de pessoas. Apesar de não ter praticamente nenhuma presença nos canais mediáticos convencionais (com excepção do Observador, que tem mais recentemente tentado seguir o fenómeno e que ainda hoje publica uma entrevista com ele).


Devo fazer notar que o evento de ontem decorreu sem perturbações nem aparato de forças de segurança, o que é muito raro na vida pública de Jordan Peterson. Em sua grande parte, as palestras de professor da Universidade de Toronto são acompanhas por um insuportável ruído de fundo: radicais de esquerda manifestam-se frequentemente à entrada e no interior dos recintos, interrompendo as palestras ou vandalizando as áreas circundantes ou criando mil maneiras de ensurdecer as pessoas que querem ouvir o que o canadiano tem para dizer. Ainda recentemente, na civilizadíssima Queens University, Peterson viu-se obrigado a articular o seu pensamento ao som de impropérios vindos do exterior e murros nas janelas da venerável sala da reitoria.



Muitas vezes, o bom do professor tem que ser escoltado pela polícia do hotel para a sala da conferência e vice versa. Acusado de ser nazi, fascista, machista, racista e retrógrado; vilipendiado e agredido de todas as maneiras e feitios pelas turbas de controlo ideológico na rua e nos estúdios das televisões e nas redacções dos jornais e nos fóruns das universidades, Peterson insiste, ironicamente, numa mensagem literalmente platónica que é tudo menos belicista: trata-te como tratas as pessoas que mais amas. Depois de conseguires isso, trata toda a gente como te tratas a ti.

No que diz respeito à palestra propriamente dita, Jordan transcendeu um pouco o propósito teórico, que seria o de falar sobre o seu best-seller, integrando o aparelho axiomático desse livro com um outro que publicou em 1999, "Maps of Meaning", e que marcou profundamente a psicologia das religiões, embora o seu impacto tenha incidido sobretudo no plano científico. Convém registar que antes do triunfo mediático, Peterson já tinha triunfado na vertente académica, com centenas, sim centenas, de papers publicados nas mais prestigiadas revistas académicas do mundo.


Com a sua habitual perícia oratória, acrescida de um teatral e eloquente uso da gestualidade, Jordan discorreu durante hora e meia sobre a ideia de que a geografia da realidade é na verdade uma geografia conceptual, na medida em que depende da percepção, da interpretação e da motricidade humanas. Esta geografia conceptual está, por razões de selecção darwiniana, biológica e neurologicamente dividida entre a ordem e o caos. O fundamento estrutural da existência é assim parametrizado dialecticamente entre o bem e o mal e é ao indivíduo e à sua capacidade moral que cabe a responsabilidade de manter a dicotomia em equilíbrio. É precisamente quando os indivíduos esquecem essa responsabilidade que acontecem os holocaustos, as grandes guerras, os genocídios, as trágicas desgraças da terrível história da humanidade. É quando esquecemos valores que são maiores que nós próprios, que conhecemos o inferno.


Por antítese, o apogeu moral, filosófico e industrial da civilização ocidental  - indiscutivelmente o mais bem sucedido modelo de governação dos povos na história - aconteceu precisamente porque inumerável gente, durante centenas de gerações, foi trabalhando incansavelmente e sacrificando os seus destinos em nome de valores sólidos e positivos como o direito constitucional e a protecção do indivíduo contra o estado, a liberdade, a tolerância, a segurança, o conforto material, a funcionalidade e estabilidade de governos e economias, a capacidade de sonhar e de materializar os sonhos que é uma promessa de progresso.


O produto histórico é assim, na filosofia de Peterson, o resultado épico da luta contra o mal. Contra o caos que é inevitável (mais inevitável do que a ordem), mas que tem sido equilibrado pelo paradigma da tradição judaico-cristã. Ao aniquilarmos, como temos feito no século XXI, os valores dessa tradição, estamos a colocar em perigo um equilíbrio periclitante. Porque Peterson concorda com Calvin: há monstros debaixo da cama. Há predadores na escuridão. Convém que cada um de nós faça o que for possível para que esses monstros permaneçam em repouso nas trevas, esse perímetro determinado pela civilização. Caso contrário, um apocalipse não é apenas possível. É bastante provável.



























No fim, como já tinha acontecido na sua chegada ao palco, a audiência aplaudiu de pé numa aclamação que diz mais sobre o trajecto, a mensagem e o perfil do homem do que sobre a particularidade do evento. Jordan Peterson é uma estrela. Se calhar, a única no firmamento da filosofia deste século. E isto não é dizer pouco.

quinta-feira, novembro 15, 2018

Scriptorium #04




Hostilidades.

Para termos uma ideia de como a América está tensa e dividida, nada como um spot da célebre ou infame - consoante o ponto de vista - National Riffle Association, a associação que defende com unhas e dentes a integridade da Segunda Emenda, objecto constitucional que institui o porte de arma como um direito de cidadania.



O discurso está de tal forma radicalizado, entrincheirado já na nefasta dialéctica do "nós contra eles", que conseguimos sentir o cheiro da pólvora. Até a rapariga é um revólver.

Um discurso para Setúbal - Composição Fertagus









Concept & design: partícula . átomo criador

terça-feira, novembro 13, 2018

Nacionalismo, patriotismo e outros sinónimos da civilização que Macron não entende.



Pour le Roi, souvent. - Pour la Patrie, toujours.
Jean Baptiste Colbert


Outra das recentes, intempestivas e bizarras afirmações públicas de  Emmanuel Macron foi a de que patriotismo é o exacto oposto de nacionalismo, e que o nacionalismo é algo de draconiano e civilizacionalmente explosivo. Esta tese, claramente dirigida a Donald Trump, que num comício das midterm elections se declarou nacionalista, merece uma análise crítica:

a) Os termos nacionalismo e patriotismo significam exactamente a mesma coisa, até no progresssista diccionário do Google.  Aconteceu sim que o termo Nacionalismo foi encostado a um certo modo de ser patriota: o fascista. Mas isso não quer dizer nada. O socialismo também já foi nacional fascista, com Hitler. O comunismo foi internacional fascista com Lenine e nacional fascista com Estaline. A democracia cristã deu em fascismo de extermínio nos balcãs. E a social democracia numa espécie de social comunismo, a certa altura da história recente dos países do norte da Europa.

b) A globalização liberal e humanista, a revolução transnacionalista que é oposta ao perigoso nacionalismo de que fala Macron, é interpretada pela China e pela Rússia, por exemplo, como uma forma de reforçar o nacionalismo que preside à filosofia e à praxis dos respectivos regimes. Não há hoje no mapa geo-político país mais nacionalista que a Rússia, como é óbvio, mas Macron está estranha e principalmente preocupado com o nacionalismo de Tump.

c) Macron não deve saber muito da história do seu próprio país, caso contrário tinha sido mais cauteloso. Todo o glorioso iluminismo francês é fundado e subsidiado pela economia de Colbert, que é radicalmente mercantilista, logo protectora dogmática dos interesses nacionais.

d) Ao contrário do que indicam os receios do presidente francês, o nacionalismo tem sido uma poderosa força civilizacional que tem actuado com sucesso contra uma força bárbara e essa sim perigosíssima: o tribalismo.

e) Aliás, as nações do mundo foram criadas na sua generalidade por duas ordens de razões: a primeira, para determinar território tributável que alimentasse a lógica imperialista das monarquias. A segunda, para efectivamente separar povos distintos, respeitando a natural tendência repulsiva entre culturas diferentes que é própria da condição humana e reduzindo a predisposição para o conflito. A invenção e constituição das nações - grupos coerentes de povos que partilham, num determinado perímetro geográfico, a mesma história, a mesma língua, a mesma cultura, a mesma religião e uma plataforma genética comum - constitui a mais bem sucedida solução para o problema tribal e tem sido assim uma força efectiva de ordem sobre o caos.

f) A República a que Macron desastradamente preside é um país com uma grande e rica história de nacionalismos. De Luís XIV a De Gaulle, de Robespierre a Miterrand, de Carlos Magno a Napoleão, todos decerto concordariam que um dos princípios fundamentais do exercício do poder político em França é o da defesa dos interesses dos franceses. E defender os interesses dos franceses foi muito frequentemente defendê-los contra alguém. Contra outras nações, como a Inglaterra, a Alemanha, a Prússia ou a Itália. Mas também contra ameaças internacionalistas de foro interno, como os huguenotes, os habsburgos, os jacobinos, os judeus ou os colaboracionistas.

Emmanuel Macron perdeu assim uma excelente, uma solene ocasião para estar calado. Até porque, aqui entre nós, um presidente que diz publicamente aos eleitores franceses que não é um nacionalista, arrisca-se a ser chumbado forte e feio, da próxima vez que for a eleições.

Raça de preguiçosos.

Os meus dois podengos nunca estão de pé se podem estar sentados. E não se sentam quando se podem deitar. A gravidade pesa-lhes imenso e consideram filosoficamente que a maior invenção da humanidade foi a almofada. São uma enternecedora e piegas raça de preguiçosos que respeita solenemente a inércia, as leis da termodinâmica e os códigos da meiguice. Em casa. Porque depois, quando saem à rua, as leis mudam. E os comportamentos também.

Macron: um sofrível De Gaulle.

Ver a imagem de origem
No seu infeliz discurso do centenário do Armísticio, Emmanuel Macron afirmou que a Europa precisa de um exército para se defender da Rússia, da China e... Dos Estados Unidos.
A ingratidão dos franceses em relação aos seus aliados das duas grandes guerras é lendária e diz muito de um povo que foi, nos dois conflitos, incapaz de se defender por si mesmo (por exemplo: no seu discurso de libertação de Paris, De Gaulle foi incapaz de uma palavra de agradecimento aos ingleses e americanos que na verdade foram os primeiros responsáveis pela retirada dos nazis).
Mesmo assim, estas declarações do actual presidente francês, para além de evocarem um gaullismo passadista e freudiano, são de uma desfaçatez inacreditável. Um exército europeu é uma utopia completamente irrealista e, na verdade, altamente desaconselhável. Os estados constituintes da União Europeia não têm todos a mesma moeda. Não têm todos a mesma política de fronteiras (sim há estados da União que estão fora do espaço Schengen), não partilham todos dos mesmos aliados naturais e históricos nem dos mesmos interesses estratégicos. Imaginem o que seria um corpo militar com gregos e cipriotas, húngaros e croatas, romenos e checos, polacos e alemães. A capacidade operacional desta força militar localizar-se-ia perto do zero absoluto. Mas mesmo que assim não fosse, seria um exército europeu capaz de travar forças bélicas exponencialmente superiores como as das 3 potências que Macron indica? Sem a ajuda dos Estados Unidos, seria a Europa capaz de mobilizar recursos e capitais para fazer frente a uma agressão russa ou chinesa? é claro que não.
A única intenção de Macron é a de mostrar hostilidade para com o actual inquilino da Casa Branca. Retaliar contra Trump por Trump ter posto em causa a utilidade da NATO e os custos que representa para a tesouraria americana. O curioso é que, até agora, Trump não descapitalizou a NATO, mas os franceses devem muito dinheiro à Aliança Atlântica. Se Macron acha que a Europa está desprotegida, se calhar devia pagar o que deve e confiar na história: aliados desde os seus momentos fundacionais, franceses e americanos têm tudo a ganhar na continuação dessa aliança. Têm muito a perder, especialmente os franceses, se se encararem como inimigos.
Emmanuel Macron sabe isto muito bem. Mas a política contemporânea, na Europa, não é sobre aquilo que se sabe que é verdade. É sobre as mentiras que funcionam. O problema é que a mentira funciona a curto prazo. Não se pode mentir durante muito tempo e esperar que as pessoas continuem a acreditar na falácia. E é por isso que o actual Presidente da República Francesa, no mesmo momento carregado de ironia em que se coloca em bicos dos pés para suceder a Angela Merkel, não passa de um líder transitório, fraco, ideologicamente deficitário, cujo índice de popularidade no seu país está abaixo até do que os franceses pensam de... Donald Trump.

segunda-feira, novembro 12, 2018

Pela Estrada Fora #11

Depois de um fim de semana diluviano, uma segunda-feira gloriosa, pela estrada fora. Desço de Malveira da Serra para o Guincho e o sol incendeia a paisagem. Guiar é o melhor Prozac.




Mais do mesmo.

Estas gravações em modo acústico de Eric Elbogen para a Paste Magazine são electrizantes. Estou completamente viciado nisto.



Say Hi . Every Gauge Is On Empty

O aplauso sinistro.



Keith Oberman é um popular e bem sucedido comentador desportivo da ESPN, com posições políticas bastante discutíveis, como esta aqui documentada. A certa altura afirmou num tweet que Trump tem feito pior aos Estados Unidos do que Osama Bin Laden e o ISIS combinados. Afirmações como esta são o novo normal em 80% dos media e já nem chocam. O que choca neste vídeo é a reacção da plateia, quando a jornalista da ABC cita o tweet insano de Oberman: as pessoas começam a aplaudir o dislate. Espontaneamente. Como se a comparação fosse legítima e sã e assertiva. Como se não fosse apenas mais uma afronta à América, à democracia ocidental e ao bom senso.
Custa muito a acreditar, mas é assim.

O Mestre em Carcavelos.

Ver a imagem de origem

Jordan Peterson vem falar à Nova School of Business & Economics, em Carcavelos, na próxima quinta-feira dia 15 e eu, milagrosamente, consegui um bilhete para estar lá.
Devo isto à minha santa mãe que me avisou, porque ninguém está a falar na visita a Portugal de um dos mais brilhantes filósofos da actualidade (se fosse um borra botas de um intelectualóide qualquer de esquerda, era a loucura nos meios de comunicação social, mas como vem da direita...).
Apesar da ausência de divulgação, os organizadores tiveram que arranjar uma sala maior para o evento, dada a procura massiva de bilhetes. E foi por isso que eu consegui um (estava na lista de espera).
Estou todo contente.

sexta-feira, novembro 09, 2018

Eric Elbogen: o nerd de serviço.

Os Say Hi são na verdade a banda de um génio só - este senhor que aqui, de forma majestática, se esganiça todo:



Em 2017, Elborgen afirmou que o projecto Say Hi, que criou em 2002, estava morto e enterrado. Em 2018 solta cá para fora os dez temas de "Canterpillar Centipede", numa demonstração de vida - e de vivacidade - verdadeiramente invejável.
Espero bem que este cota de Brooklin continue indeciso sobre a morte e a vida da sua música, porque enquanto hesita, escreve canções fantásticas. Como esta.
E eis como se prova que afinal, um nerd também pode ser muito cool.

quarta-feira, novembro 07, 2018

As eleições da divisão.

As midterm elections de hoje não constituíram nenhuma surpresa. Os republicanos ganharam no senado e no número de governadores. Como era esperado. Os democratas ganharam na House of Representatives, como era esperado. Mas a tão propagada "onda azul" não passou de uma vitória em 3 palcos possíveis. E Trump não foi de todo humilhado, não só porque a vitória no Senado é em grande parte creditada ao actual inquilino da Casa Branca, mas principalmente porque o registo histórico é inequívoco: os presidentes perdem lugares no congresso nas eleições intermédias (com a excepção de Roosevelt e G. W Bush nos seus primeiros mandatos e de Clinton no segundo),.

Há porém duas ou três notas a reter. A primeira é a de que alguns dos estados do sul, tradicionalmente republicanos, que têm nas últimas décadas registado uma aumento massivo da população imigrante, estão a virar à esquerda e, como Carlson Tucker muito assertivamente afirmou num vídeo da PragerU que aqui postei recentemente, essa é a razão decisiva para que os democratas sejam hoje em dia grandes críticos do reforço das fronteiras (quando defendiam o operariado americano, não pensavam assim e isto não foi há muito tempo atrás).

Apesar de tudo, a vitória de Ted Cruz sobre a grande aposta do Partido Democrata para uma vitória no estado do Texas - Beto O'Rourke -  não deixa de ser eloquente sobre a força que Trump, que batalhou imenso pela reeleição do seu adversário nas primárias republicanas de 2016, tem e mantém no seu território natural.

Uma outra conclusão óbvia, é que vamos ter um congresso dividido entre o Senado republicano e a House of Representatives democrata e aflitinha por correr com Trump da Casa Branca. O resultado desta divisão, bem como das diferenças marginais no número de assentos nas duas câmaras - que espelham bem a fractura exposta da actual sociedade americana - é que vai ser muito complicado legislar nos próximos dois anos. Quando eu digo complicado, digo praticamente impossível. Até porque na casa que agora dominam, os democratas vão levantar rapidamente um mandato de investigação e não de legislação. Poderão deixar passar iniciativas de natureza executiva relacionadas com infra-estrutura, mas estarão muito mais interessados em levantar uma miríade multidimensional de inquéritos, audiências e processos judiciais-barra-mediáticos que lhes permitam comprometer definitivamente a legitimidade do Presidente, consubstanciando e legitimando a planeada acção de impeachment que é quase garantida, independentemente do que podemos especular sobre o seu sucesso.










































































































É também importante reter que a maioria republicana no Senado vai provavelmente permitir a nomeação de pelo menos mais um juiz para o Supremo Tribunal, o que é, sem dúvida, um facto relevante, quando pensamos na doutrina constitucional a médio e longo prazo.

Por último, o resultado na câmara baixa do Congresso não deixa de ser uma derrota do Partido Republicano, que não conseguiu capitalizar a boa forma económica da nação, a baixa recordista no desemprego e a esquizofrenia profundamente anti-americana da esquerda radical, perdendo assim, parvamente, a câmara mais representativa do Congresso. Mas os dislates da direita institucional americana - e a sua incapacidade operacional - não são de agora e têm vindo a comprometer seriamente a integridade ideológica da federação. Acontece que nos tempos que correm, perigosos como o diabo, convinha uma subida dos níveis de competência, conveniência essa que não  se verificou de todo. Na verdade, o establishment republicano entregou-se, muito rápida e surpreendentemente, à retórica e à praxis de Donald Trump, de que depende agora de forma constrangedora.

Isto vai de mal a pior.

segunda-feira, novembro 05, 2018

A centopeia e a metamorfose.

Os Say Hi, bons amigos deste blog, são uma daquelas bandas de culto que não conseguem fazer nada que não seja inspirado. E o último disco, "Caterpillar Centipede" é uma obra de peso. É uma obra de metamorfose. É música para transformar sonhos em odisseias. É punk em traje de sinfonia. É rock alterado, ópera para romper com o silêncio da madrugada.



Say Hi . Dreaming The Day Away

The Strange Death of Europe

Douglas Murray disserta sobre a estranha morte da Europa. Um suicídio, na verdade.
Intervenção brilhante a convite do constitucionalista americano David Horowitz.