que eu vou gastar em Outubro ou Novembro nesta máquina de felicidade:
quarta-feira, junho 14, 2017
terça-feira, junho 13, 2017
E também gosto destes.
O clip continua a ser manhoso, mas ao menos toca uma malha substancial.
Day Wave . On Your Side
segunda-feira, junho 12, 2017
terça-feira, maio 23, 2017
50 anos, caraças!
Por Nuno Miguel Silva
50 anos, caraças!
Entrados, entrudos,
Talvez sortudos…
100 trapaças
100 2 caras!
50, 100 máscaras
50 a fundo
Nunca 2º!
50, 1º!
100, depois
Amizade para 2
A gosto ou janeiro
50, caramba!
Carambola…
Na corda bamba,
Na nossa bola,
50, Paixão!
Sempre a pulsar
Muito a viver
50, meu irmão!
Espero por ti
Aguenta por mim
Tanto que vivi
100 ti, seria assim?
quarta-feira, maio 17, 2017
Uma pequena frase que diz quase tudo sobre os 43 anos desta república.
"No ominoso tempo do nazi-fascismo, Portugal era só o Festival da Canção, Fátima e o Benfica."
Bruno Oliveira Santos
Bruno Oliveira Santos
segunda-feira, maio 15, 2017
sábado, maio 13, 2017
O Herói do Tetra.
Vivi o tempo suficiente para estar sentado no Estádio da Luz a ver o bom do Eusébio,
que chutava à baliza como se disso dependesse a sobrevivência da humanidade.
Vivi o tempo suficiente para estar sentado no Estádio da Luz a ver
o maluco do Simões
que fazia sempre a mesma finta, e era sempre bem sucedido naquela finta
que fingia que ia à linha, mas não era isso que acontecia
(como o Robben de agora).
Vivi o tempo suficiente para que o Humberto Coelho crescesse
para além da sua altura,
para além da sua classe,
para além do seu destino.
O tempo suficiente para que o Vitor Baptista perdesse o brinco da orelha direita
e para que o Chalana fizesse circo e transformasse o futebol
no maior espectáculo do mundo.
O tempo suficiente para que o Nené conseguisse finalmente
mostrar uma nódoa de lama nos impolutos calções de goleador cruel
e diletante;
o tempo suficiente para que o Pietra mostrasse a toda a gente o que significa
ser um jogador do Benfica;
O tempo suficiente para que o Carlos Manuel explodisse com o cabedal da bola
e o Diamantino revelasse à audiência que afinal era um intelectual
e o Alves marcasse livres directos de precisa geometria elíptica, gregos de tão belos,
sem um passo de balanço que fosse e apenas com o movimento das luvas pretas,
que eram pássaros;
que eram poemas.
Vivi o tempo suficiente para perder uma Taça dos Campeões Europeus
porque alguém mandou o Veloso chutar um penalti.
E o Veloso, que falhou eese decisivo penalti, e que sempre foi
um jogador de futebol de máxima competência,
ficou com as culpas.
Adoro-o por ter ficado calado, com as culpas todas que não eram dele.
Vivi o tempo suficiente para assistir, encantado, ao talento único
do Vítor Paneira.
Vivi o tempo suficiente para ver o Álvaro Magalhães parar de comer a relva e,
por um instante divino,
marcar um dos mais belos golos da história da Taça UEFA.
O tempo suficiente para que um dinamarquês e cinco suecos invadissem o relvado
com a sua arte serena, com a sua determinação engenhosa, com o seu método pagão:
Maniche e Magnusson, Stromberg e Thern, Schwarz e Lindelof.
Filhos, todos eles, de Thor.
Filhos, todos eles, de Wagner.
Vivi o tempo suficiente para assistir ao bailado viril e eficiente e camarada,
de Mozer e Ricardo;
vivi o tempo suficiente para me apaixonar por um puto canina, meio russo,
que numa célebre tarde, em Alvalade, foi, de longe, o melhor jogador do mundo.
Vinha de um bairro pobre do Porto,
vinha com aquele jeito reguila de génio irrequieto
e jogava à bola com o diabo no corpo e o coração nos pés:
chamava-se Pinto. João Vieira Pinto.
Vivi o tempo suficiente para pasmar com o gigantismo bravo, biblíco, ensandecido
do Isaías e a tranquila lucidez de Kulkov.
O tempo suficiente para que Rui Costa passasse de delfim a príncipe;
o tempo suficiente para que as minhas redes fossem guardadas
pelo melhor dos belgas,
o mais correcto dos homens,
o mais educado dos futebolistas,
o mais esbelto dos atletas:
Michele Preud'homme.
Vivi o tempo suficiente para que Paulo Futre levantasse o Jamor
e Simão Sabrosa inventasse a ternura, na posição de extremo esquerdo.
O tempo suficiente para que Luisão garantisse o seu lugar no céu
e Nicolas Gaitán o seu canto no paraíso.
O tempo suficiente para que Fábio Coentrão percebesse
que era um grande defesa esquerdo;
O tempo suficiente para que Axel Witsel cometesse o disparate
de ir jogar para a Rússia,
O tempo suficiente para que Nemanja Matic fizesse esquecer Witsel
e que Enzo Perez pulverizasse a memória do belga e a saudade do sérvio.
O tempo suficiente para que alinhassem no onze inicial do meu querido clube
uma quantidade espantosa de monstros sagrados, a saber:
Valdo Cândido Filho,
Claudio Cannigia,
Carlos Gamarra,
Karel Poborsky,
Fabrizio Miccoli,
Pablo Aimar,
Angel Di Maria,
Xavier Saviola,
Ramires Santos.
Vivi o tempo suficiente para ter a consciência de que Jonas Gonçalves Oliveira,
nascido em 1984, na localidade de Bebedouro, Estado de S. Paulo, Brasil;
o mago acidental,
o mais improvável dos camisolas 10,
o mais equívoco dos cracks,
Jonas, ele mesmo, o alienígena sem carreira nem futuro,
é que é o herói, verdadeiro, desta tetralogia;
o astuto Ulisses desta odisseia,
o derradeiro crack, o triunfante cromo,
o valente correio da glória
que é ser benfiquista.
que chutava à baliza como se disso dependesse a sobrevivência da humanidade.
Vivi o tempo suficiente para estar sentado no Estádio da Luz a ver
o maluco do Simões
que fazia sempre a mesma finta, e era sempre bem sucedido naquela finta
que fingia que ia à linha, mas não era isso que acontecia
(como o Robben de agora).
Vivi o tempo suficiente para que o Humberto Coelho crescesse
para além da sua altura,
para além da sua classe,
para além do seu destino.
O tempo suficiente para que o Vitor Baptista perdesse o brinco da orelha direita
e para que o Chalana fizesse circo e transformasse o futebol
no maior espectáculo do mundo.
O tempo suficiente para que o Nené conseguisse finalmente
mostrar uma nódoa de lama nos impolutos calções de goleador cruel
e diletante;
o tempo suficiente para que o Pietra mostrasse a toda a gente o que significa
ser um jogador do Benfica;
O tempo suficiente para que o Carlos Manuel explodisse com o cabedal da bola
e o Diamantino revelasse à audiência que afinal era um intelectual
e o Alves marcasse livres directos de precisa geometria elíptica, gregos de tão belos,
sem um passo de balanço que fosse e apenas com o movimento das luvas pretas,
que eram pássaros;
que eram poemas.
Vivi o tempo suficiente para perder uma Taça dos Campeões Europeus
porque alguém mandou o Veloso chutar um penalti.
E o Veloso, que falhou eese decisivo penalti, e que sempre foi
um jogador de futebol de máxima competência,
ficou com as culpas.
Adoro-o por ter ficado calado, com as culpas todas que não eram dele.
Vivi o tempo suficiente para assistir, encantado, ao talento único
do Vítor Paneira.
Vivi o tempo suficiente para ver o Álvaro Magalhães parar de comer a relva e,
por um instante divino,
marcar um dos mais belos golos da história da Taça UEFA.
O tempo suficiente para que um dinamarquês e cinco suecos invadissem o relvado
com a sua arte serena, com a sua determinação engenhosa, com o seu método pagão:
Maniche e Magnusson, Stromberg e Thern, Schwarz e Lindelof.
Filhos, todos eles, de Thor.
Filhos, todos eles, de Wagner.
Vivi o tempo suficiente para assistir ao bailado viril e eficiente e camarada,
de Mozer e Ricardo;
vivi o tempo suficiente para me apaixonar por um puto canina, meio russo,
que numa célebre tarde, em Alvalade, foi, de longe, o melhor jogador do mundo.
Vinha de um bairro pobre do Porto,
vinha com aquele jeito reguila de génio irrequieto
e jogava à bola com o diabo no corpo e o coração nos pés:
chamava-se Pinto. João Vieira Pinto.
Vivi o tempo suficiente para pasmar com o gigantismo bravo, biblíco, ensandecido
do Isaías e a tranquila lucidez de Kulkov.
O tempo suficiente para que Rui Costa passasse de delfim a príncipe;
o tempo suficiente para que as minhas redes fossem guardadas
pelo melhor dos belgas,
o mais correcto dos homens,
o mais educado dos futebolistas,
o mais esbelto dos atletas:
Michele Preud'homme.
Vivi o tempo suficiente para que Paulo Futre levantasse o Jamor
e Simão Sabrosa inventasse a ternura, na posição de extremo esquerdo.
O tempo suficiente para que Luisão garantisse o seu lugar no céu
e Nicolas Gaitán o seu canto no paraíso.
O tempo suficiente para que Fábio Coentrão percebesse
que era um grande defesa esquerdo;
O tempo suficiente para que Axel Witsel cometesse o disparate
de ir jogar para a Rússia,
O tempo suficiente para que Nemanja Matic fizesse esquecer Witsel
e que Enzo Perez pulverizasse a memória do belga e a saudade do sérvio.
O tempo suficiente para que alinhassem no onze inicial do meu querido clube
uma quantidade espantosa de monstros sagrados, a saber:
Valdo Cândido Filho,
Claudio Cannigia,
Carlos Gamarra,
Karel Poborsky,
Fabrizio Miccoli,
Pablo Aimar,
Angel Di Maria,
Xavier Saviola,
Ramires Santos.
Vivi o tempo suficiente para ter a consciência de que Jonas Gonçalves Oliveira,
nascido em 1984, na localidade de Bebedouro, Estado de S. Paulo, Brasil;
o mago acidental,
o mais improvável dos camisolas 10,
o mais equívoco dos cracks,
Jonas, ele mesmo, o alienígena sem carreira nem futuro,
é que é o herói, verdadeiro, desta tetralogia;
o astuto Ulisses desta odisseia,
o derradeiro crack, o triunfante cromo,
o valente correio da glória
que é ser benfiquista.
quinta-feira, maio 11, 2017
segunda-feira, abril 24, 2017
terça-feira, abril 18, 2017
Só sabem fazer bem feito.
Velhos amigos deste blog, os Said The Whale não sabem fazer nada que não seja pop de primeira linha. E este último álbum sobe por essa corda melódica até lá acima. Ao céu dos tímpanos.
Said The Whale . Confidence
sábado, abril 15, 2017
Outro elogio da incompetência.
"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo."
Álvaro de Campos
Todos os meus amigos que escrevem poemas
(tenho bastantes amigos que escrevem poemas, por graça de Cristo)
gostam imenso que eu leia os poemas que eles escrevem.
O facto traduz, na verdade, uma lisonja parva porque
eu não sou propriamente o Luís Borges e porque
eu não sou sequer um legítimo crítico literário até pelo simples facto
de escrever também poemas.
Por muito má que seja a minha poesia
(tão má que serve a boa poesia dos outros, pelo contraste)
não deixa de ser poesia e um poeta que também serve
para crítico literário, é uma besta.
Eu próprio, fenómeno espantoso,
gosto imenso de ler os poemas que os meus amigos escrevem,
mesmo quando são de caras melhores que os meus
ou piores do que eu consigo imaginar.
Tudo isto não interessa realmente à poesia.
As pessoas gostarem ou não gostarem da poesia que se escreve é
completamente irrelevante.
Tudo isto não serve realmente à amizade.
Não é por ser amigo de poetas que sou amigo deles,
independentemente de eles serem bons ou maus poetas ou mais ou menos.
Digamos que me sinto um felizardo por ser amigo destes notáveis trovadores,
embora a qualidade da sua trova seja substancialmente indiferente
tanto para a história universal da literatura como
para mim.
A qualidade da minha própria poesia
é a coisa mais indiferente para mim que tu possas imaginar,
gentil e tolerante leitor.
Talvez por isso, ou por legítimo nojo estético, ou por justificada
inoportunidade ontológica, os meus amigos poetas evitam
o convívio dos meus versos, embora,
estranhamente,
procurem a benção da minha crítica.
Sendo um péssimo poeta serei ainda um pior crítico e é assim
que tantas vezes sinto aquilo que o engenheiro naval sentia:
a improvável singularidade de ser o único gajo que escreve
má poesia.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo."
Álvaro de Campos
Todos os meus amigos que escrevem poemas
(tenho bastantes amigos que escrevem poemas, por graça de Cristo)
gostam imenso que eu leia os poemas que eles escrevem.
O facto traduz, na verdade, uma lisonja parva porque
eu não sou propriamente o Luís Borges e porque
eu não sou sequer um legítimo crítico literário até pelo simples facto
de escrever também poemas.
Por muito má que seja a minha poesia
(tão má que serve a boa poesia dos outros, pelo contraste)
não deixa de ser poesia e um poeta que também serve
para crítico literário, é uma besta.
Eu próprio, fenómeno espantoso,
gosto imenso de ler os poemas que os meus amigos escrevem,
mesmo quando são de caras melhores que os meus
ou piores do que eu consigo imaginar.
Tudo isto não interessa realmente à poesia.
As pessoas gostarem ou não gostarem da poesia que se escreve é
completamente irrelevante.
Tudo isto não serve realmente à amizade.
Não é por ser amigo de poetas que sou amigo deles,
independentemente de eles serem bons ou maus poetas ou mais ou menos.
Digamos que me sinto um felizardo por ser amigo destes notáveis trovadores,
embora a qualidade da sua trova seja substancialmente indiferente
tanto para a história universal da literatura como
para mim.
A qualidade da minha própria poesia
é a coisa mais indiferente para mim que tu possas imaginar,
gentil e tolerante leitor.
Talvez por isso, ou por legítimo nojo estético, ou por justificada
inoportunidade ontológica, os meus amigos poetas evitam
o convívio dos meus versos, embora,
estranhamente,
procurem a benção da minha crítica.
Sendo um péssimo poeta serei ainda um pior crítico e é assim
que tantas vezes sinto aquilo que o engenheiro naval sentia:
a improvável singularidade de ser o único gajo que escreve
má poesia.
sexta-feira, abril 14, 2017
A corporação dos bandidos ainda bomba que se farta.
Já me tinha esquecido destes bons ladrões, que tanto beneficiaram os meus ouvidos quando estávamos a mudar de milénio. Mas eis que estão de volta; e de que maneira. Disquinho bombástico que só comprova a seguinte evidência: na música pop, o crime compensa.
Thievery Corporation . Letter to the Editor (feat. Racquel Jones)
Pé na Tábua.
Os senhores da Poliphony convidaram-me para os testes beta do Gran Turismo Sport. Estou com uma pica doida. Começa amanhã. Vroom.
quinta-feira, abril 13, 2017
domingo, abril 09, 2017
Um Lehane lunar.
Por Nuno Miguel Silva
Texto publicado a 24/02/17 no Jornal Económico
O último livro do escritor norte-americano Dennis Lehane publicado em Portugal surgiu nas livrarias nacionais no verão do ano passado, com o título ‘Moonlight Mile – A Última Causa’, mas data de 2010. O escritor que traçou inesquecíveis retratos da sua cidade-fétiche, e de centenas de personagens com que a povoou nas diversas obras, regressa ao thriller psicológico, terreno em que é um dos melhores escribas da atualidade. E retorna ao par de detetives que criou ao longo da sua profícua carreira literária: Patrick Kenzie e Angie Gennaro.
Boston volta a ser protagonista num tortuoso regresso ao passado, outra imagem de marca do autor. Uma mulher pediu para lhe encontrarem a sobrinha de quatro anos, que havia desaparecido. Os detetives conseguiram esse intento. A menina foi devolvida, mas a uma mãe negligente e alcoólica. Agora, 12 anos depois, Amanda volta a sair do radar e os detetives de Lehane voltam a entrar em cena.
Há um minucioso destrinçar dos laços familiares e sociais enquanto a cidade de Boston fervilha em pano de fundo. Lehane tem estilo, muito e bom; tem ritmo. É preciso, conciso, destila poesia, enaltece a amizade e o amor, desmascara a violência e alguns bastidores de poder. Há uma queda pelo gótico, pela ficção ‘pulp’, pelos filmes de série B, pelas noites negras. Há tensão e vingança, um bisturi manobrado com precisão.Tudo isso é verdade, certamente bem acolhida para quem com este livro se estreou na obra de Dennis Lehane. Mas para quem já leu grandes livros deste escritor – também autor do guião da série televisiva ‘Boardwalk Empire’ – como ‘Um Copo Antes da Batalha’, ‘Mystic River’ ou ‘Shutter Island’, ou mesmo a monumental ‘biografia’ de Boston, traduzida para português como ‘Terra de Sonhos (’A Given Day’ no original norte-americano), fica a desilusão de perceber que há pouco de novo na estrutura ficional em relação a essas obras incontornáveis. Há mais Lua e menos Sol. Mas vale sempre a pena lê-lo porque é um autor brilhante. E pelos diálogos deliciosos.
Texto publicado a 24/02/17 no Jornal Económico
O último livro do escritor norte-americano Dennis Lehane publicado em Portugal surgiu nas livrarias nacionais no verão do ano passado, com o título ‘Moonlight Mile – A Última Causa’, mas data de 2010. O escritor que traçou inesquecíveis retratos da sua cidade-fétiche, e de centenas de personagens com que a povoou nas diversas obras, regressa ao thriller psicológico, terreno em que é um dos melhores escribas da atualidade. E retorna ao par de detetives que criou ao longo da sua profícua carreira literária: Patrick Kenzie e Angie Gennaro.
Boston volta a ser protagonista num tortuoso regresso ao passado, outra imagem de marca do autor. Uma mulher pediu para lhe encontrarem a sobrinha de quatro anos, que havia desaparecido. Os detetives conseguiram esse intento. A menina foi devolvida, mas a uma mãe negligente e alcoólica. Agora, 12 anos depois, Amanda volta a sair do radar e os detetives de Lehane voltam a entrar em cena.
Há um minucioso destrinçar dos laços familiares e sociais enquanto a cidade de Boston fervilha em pano de fundo. Lehane tem estilo, muito e bom; tem ritmo. É preciso, conciso, destila poesia, enaltece a amizade e o amor, desmascara a violência e alguns bastidores de poder. Há uma queda pelo gótico, pela ficção ‘pulp’, pelos filmes de série B, pelas noites negras. Há tensão e vingança, um bisturi manobrado com precisão.Tudo isso é verdade, certamente bem acolhida para quem com este livro se estreou na obra de Dennis Lehane. Mas para quem já leu grandes livros deste escritor – também autor do guião da série televisiva ‘Boardwalk Empire’ – como ‘Um Copo Antes da Batalha’, ‘Mystic River’ ou ‘Shutter Island’, ou mesmo a monumental ‘biografia’ de Boston, traduzida para português como ‘Terra de Sonhos (’A Given Day’ no original norte-americano), fica a desilusão de perceber que há pouco de novo na estrutura ficional em relação a essas obras incontornáveis. Há mais Lua e menos Sol. Mas vale sempre a pena lê-lo porque é um autor brilhante. E pelos diálogos deliciosos.
Ode a Allen Ginsberg.
Allen Ginsberg, estás sentado ao balcão de um bar em New Jersey e eu
estou a beber um dirty martini contigo e a falar-te do destino perdido
dos escritores da América e tu bocejas de um sono antigo, onde pastam
búfalos e washingtons de toda a espécie que fumam as mais estranhas
marcas de tabaco azul. A barba chega-te aos pés e a poesia dá-te pela
cintura e o teu barbeiro tem saudades tuas e tu tens saudades do after
shave das sarjetas de Manhatan e do haxixe de algas de Atlantic City e
do ácido estradista do Kerouak e da porrada dos polícias do Midwest e do
Jazz ciclónico, carnavalesco, psicadélico-parvo de New Orleans. Como se New Orleans fosse alguma coisa de jeito. Não é.
Allen Ginsberg, estás a apanhar sol nas docas de Boston, que horror - Boston, e a alucinar como um cavalo no opiário. Montas esse cavalo loucamente, e estás a cavalgar a rua cor de rosa aqui no Cais do Sodré que dantes era das putas e que agora é da tua poesia e que devia ter continuado como rua das putas. As putas funcionam como rimas, pá, e tu que sempre recusaste as rimas, mas não tanto as putas; devias saber isso melhor que ninguém e não devias estar aqui comigo, sentado ao balcão de um bar onde o Cardoso Pires também já bebeu o seu copo a mais e o relógio conta o tempo ao contrário como se houvesse uma maneira de contar o tempo ao contrário. Não há.
Allen Ginsberg, fazes-me lembrar o meu amigo Márcio Candoso, embora na verdade o meu amigo Márcio Candoso seja muito melhor poeta do que tu, mas tem o problema de não se chamar Allen Ginsberg e de viver em Algés, que não é um sítio onde vivem poetas decentes. O problema imobiliário, o problema geográfico, o problema demográfico dos poetas é que são poucos e esparsos e não têm morada certa e nunca por nunca seriam capazes da enorme corrupção de comprar um apartamento em Algés. Os grandes poetas sofrem, regra geral, de insuficiência postal e tu, por exemplo, serias um gajo difícil de localizar até pelo Ministério das Finanças, que é uma polícia política que encontra toda a gente.
Allen Ginsberg, impenitente paneleiro, és potente como a pila de um gajo com dezoito anos, tu és erecto-veloz como uma bicicleta a descer pela Rua Poço dos Mouros em São Francisco, tu debitas prosápia como um amplificador Marshall debita as notas graves e a verdade é que escreveste uma quantidade enorme de poemas enormes que ninguém de facto consegue compreender, porque tu nunca escreveste para seres compreendido porque te disseram, talvez a tua mãe, talvez um teu obscuro professor de liceu, talvez o teu incauto mestre do curso superior que fingiste que tiraste ou que não tiraste de todo, não interessa; talvez o teu controlador do partido comunista americano de que nunca fizeste parte, talvez algum ignorante sem nome, génio sem sombra, te tenha dito um dia que tinhas alguma, se bem que remota, hipótese de escreveres num dia, se bem que remoto, um verso decente e tu acreditaste e deste na fúria de escrever versos remotos para entendimento de ninguém. A ver se saía alguma coisa que fizesse de ti um imortal. Nunca saiu.
Allen Ginsberg, mais valia ficares aqui comigo sentado neste bar de Odeceixe, para sempre, a ver as garças fazerem filhos; mais valia fazeres tu próprio alguns filhos, mais valia fazer eu três ou quatro ou setenta filhos. No meio do ruído todo dos teus poemas que ninguém realmente entende, camarada, o que se aproveita é aquilo que não conseguimos e o que não conseguimos foi: continuidade.
Allen Ginsberg, a vida só tem uma ambição: continuar a ser vida. E tu, estúpido, nem isso percebeste. E se nem inteligência tens para perceber isso, desgraçado, como é que esperas que todos os outros, que tiveram a inteligência para ter filhos, percebam a merda intrincada dos teus versos?
Allen Ginsberg, estás aqui sentado comigo, no bar absurdo de Telheiras, que até tem duas mesas de snooker e tudo e não consegues mais que umas estrofes ainda mais absurdas do que é costume, mas estás contente com elas porque a tua Beat Generation acha que és deus e mesmo que as estrofes sejam absurdas, fazem parte de um novo-antigo testamento e são sagradas porque sim. Estás aqui sentado comigo no improvável bar suburbano que não tem jukebox porque a MTV é à borla e entristeces porque o Kansas fica do outro lado do oceano e a estrada sessenta e seis ou sessenta e oito ou lá o que é não te leva para além da Amadora. Sem o faróeste não tens veia para os teus indecifráveis poemas de drogadinho. Sem a tua América de boleias e charros, sem os teus horizontes hollywodescos de estradas poeirentas e mezcal estragado, não encontras inspiração para mais do que teres sono - esse sono antigo onde pastam os fantasmas de uma civilização que já foi civilização e que os teus versos ajudaram a trair.
Allen Ginsberg, a verdade é que nem para companhia de bebedeira tu serves, ò fraude, nem para crepúsculo de Walt Whitman tu tens queda, ò mito! Tudo o que posso dizer de ti é que és fisionomicamente parecido com o Francis Ford Capolla e que o teu apocalipse de agora nunca chegou a acontecer: és um falso profeta e estás a ressonar.
Allen Ginsberg, estás a apanhar sol nas docas de Boston, que horror - Boston, e a alucinar como um cavalo no opiário. Montas esse cavalo loucamente, e estás a cavalgar a rua cor de rosa aqui no Cais do Sodré que dantes era das putas e que agora é da tua poesia e que devia ter continuado como rua das putas. As putas funcionam como rimas, pá, e tu que sempre recusaste as rimas, mas não tanto as putas; devias saber isso melhor que ninguém e não devias estar aqui comigo, sentado ao balcão de um bar onde o Cardoso Pires também já bebeu o seu copo a mais e o relógio conta o tempo ao contrário como se houvesse uma maneira de contar o tempo ao contrário. Não há.
Allen Ginsberg, fazes-me lembrar o meu amigo Márcio Candoso, embora na verdade o meu amigo Márcio Candoso seja muito melhor poeta do que tu, mas tem o problema de não se chamar Allen Ginsberg e de viver em Algés, que não é um sítio onde vivem poetas decentes. O problema imobiliário, o problema geográfico, o problema demográfico dos poetas é que são poucos e esparsos e não têm morada certa e nunca por nunca seriam capazes da enorme corrupção de comprar um apartamento em Algés. Os grandes poetas sofrem, regra geral, de insuficiência postal e tu, por exemplo, serias um gajo difícil de localizar até pelo Ministério das Finanças, que é uma polícia política que encontra toda a gente.
Allen Ginsberg, impenitente paneleiro, és potente como a pila de um gajo com dezoito anos, tu és erecto-veloz como uma bicicleta a descer pela Rua Poço dos Mouros em São Francisco, tu debitas prosápia como um amplificador Marshall debita as notas graves e a verdade é que escreveste uma quantidade enorme de poemas enormes que ninguém de facto consegue compreender, porque tu nunca escreveste para seres compreendido porque te disseram, talvez a tua mãe, talvez um teu obscuro professor de liceu, talvez o teu incauto mestre do curso superior que fingiste que tiraste ou que não tiraste de todo, não interessa; talvez o teu controlador do partido comunista americano de que nunca fizeste parte, talvez algum ignorante sem nome, génio sem sombra, te tenha dito um dia que tinhas alguma, se bem que remota, hipótese de escreveres num dia, se bem que remoto, um verso decente e tu acreditaste e deste na fúria de escrever versos remotos para entendimento de ninguém. A ver se saía alguma coisa que fizesse de ti um imortal. Nunca saiu.
Allen Ginsberg, mais valia ficares aqui comigo sentado neste bar de Odeceixe, para sempre, a ver as garças fazerem filhos; mais valia fazeres tu próprio alguns filhos, mais valia fazer eu três ou quatro ou setenta filhos. No meio do ruído todo dos teus poemas que ninguém realmente entende, camarada, o que se aproveita é aquilo que não conseguimos e o que não conseguimos foi: continuidade.
Allen Ginsberg, a vida só tem uma ambição: continuar a ser vida. E tu, estúpido, nem isso percebeste. E se nem inteligência tens para perceber isso, desgraçado, como é que esperas que todos os outros, que tiveram a inteligência para ter filhos, percebam a merda intrincada dos teus versos?
Allen Ginsberg, estás aqui sentado comigo, no bar absurdo de Telheiras, que até tem duas mesas de snooker e tudo e não consegues mais que umas estrofes ainda mais absurdas do que é costume, mas estás contente com elas porque a tua Beat Generation acha que és deus e mesmo que as estrofes sejam absurdas, fazem parte de um novo-antigo testamento e são sagradas porque sim. Estás aqui sentado comigo no improvável bar suburbano que não tem jukebox porque a MTV é à borla e entristeces porque o Kansas fica do outro lado do oceano e a estrada sessenta e seis ou sessenta e oito ou lá o que é não te leva para além da Amadora. Sem o faróeste não tens veia para os teus indecifráveis poemas de drogadinho. Sem a tua América de boleias e charros, sem os teus horizontes hollywodescos de estradas poeirentas e mezcal estragado, não encontras inspiração para mais do que teres sono - esse sono antigo onde pastam os fantasmas de uma civilização que já foi civilização e que os teus versos ajudaram a trair.
Allen Ginsberg, a verdade é que nem para companhia de bebedeira tu serves, ò fraude, nem para crepúsculo de Walt Whitman tu tens queda, ò mito! Tudo o que posso dizer de ti é que és fisionomicamente parecido com o Francis Ford Capolla e que o teu apocalipse de agora nunca chegou a acontecer: és um falso profeta e estás a ressonar.
quinta-feira, abril 06, 2017
Um bocadinho de bom senso.
It Would Not Be Cool If AI Were Conscious — It Would Be Dumb | Daniel Dennett
segunda-feira, abril 03, 2017
sábado, abril 01, 2017
quinta-feira, março 30, 2017
Queridos convidados eléctricos.
Gosto muito desta banda, e não é de agora. Mas, estranhamente, é a primeira vez que aparecem no blog. Sejam, pois, muito bem vindos, meus queridos electricistas.
Electric Guest . Dear to me
Desenho da vida no lago
Texto publicado a 10/02/17 no Jornal Económico
Em boa hora decidiu a Quetzal, insígnia da Bertrand, reeditar em Portugal, no final de 2016, o belíssimo ‘Seda’, de Alessandro Baricco, estreado 20 anos antes e editado pela primeira em Portugal pela extinta Difel. Mario Vargas Llosa, prémio Nobel da Literatura em 2010, sintetiza este best seller assim: “É uma história misteriosa, lacónica, perfeita”. Em mais um exemplo do fascínio do Ocidente pelo Oriente, o autor de Turim traça-nos aqui a intrigante vida de Hervé Joncour, cujo pai lhe idealizava “um brilhante futuro no Exército”, mas que acabaria por ganhar a vida com um ofício insólito.
“Hervé viveu numa determinada região do sul de França, numa vila de nome Lavilledieu. Hélène era o nome da sua mulher”. Com as epidemias a grassar, viu-se obrigado a procurar os ovos dos bichos-da-seda, na Síria ou no Egito. Numa noite “sincopada por periódicos tragos de Pernod”, Balbadiou, seu amigo de idade incerta, amante de golfinhos, convence-o que, para sobreviver, “temos de conseguir chegar lá acima”. Ao Japão, “ao fim do mundo”.
A obra de Baricco retrata o fascínio pela viagem – na prática, quatro viagens ao longo da vidade Hervé Joncour entre o Sul de França e o Japão – do fascínio pelo outro, pelo contraste de culturas. E, por isso, se torna amigo do “mais inalcançável homem do Japão”, Hara Kei, “dono e senhor de tudo aquilo que o mundo conseguia levar para fora daquela ilha”. Hervé conta a sua vida a Hara Kei. O comércio dos bichos-da-seda entre os dois continentes está garantido. Mas não a paz de espírito do personagem principal deste livro porque se intromete na vida de Hervé uma jovem rapariga. Real, diáfana, mudou tudo. E Hervé volta cada vez mais depressa ao Japão, consumido pelo amor e pela paixão, mas regressa sempre a França e a Helène, senhora de pacientes esperas.
“Em Takaoka, Hervé Joncour embarcou num navio de contrabandistas holandeses que o levavam até Sabirk. Dali, percorreu a fronteira até ao lago Baical, atravessou quatro mil quilómetros de terra siberiana, transpôs os Urales, alcançou Kiev e percorreu de comboio toda a Europa de leste a oeste, até chegar, após três meses de viagem, a França. No primeiro domingo de abril - a tempo da grande missa - chegou às portas de Lavilledieu”. Foi sempre assim, menos na última viagem. Os bichos apodrecem no caminho e Hervé, vindo da guerra e da desilusão, perde a grande missa na terra-natal. O princípio do fim, enquanto o mundo acelera.
Um sobrescrito que Hervé recebe com carimbo da Flandres vai surpreender, mas, no final, ficam as imagens de uma luva e de um vestido laranja, e o afogar da solidão junto à campa de Hèléne, entretanto falecida. Ver a vida desenhada no lago e “morrer de saudade de uma coisa que nunca se irá viver”.
quarta-feira, março 29, 2017
segunda-feira, março 27, 2017
Os australianos é que sabem.
V8 Supercars. Uma das mais competitivas e espectaculares competições de turismos do mundo.
quinta-feira, março 23, 2017
O que diz a besta.
A propósito da barbaridade que sucedeu ontem, o senhor Sadiq Khan, infeliz e criminoso Mayor de Londres, afirmou que o terror islâmico, de que ele é com certeza primeiro apologista, faz parte da vida nas grandes cidades. As declarações desta verdadeira besta negra, e outras do género proferidas por personagens do género, pretendem convencer-nos que o quotidiano marcado pelo horror é normal. E, por ser normal, será justificado e, na verdade, merecido. Sadiq Khan (e a sua incrível pesporrência de islamita impenitente) é a arrepiante demonstração de que a Europa já não é dos europeus. É do inimigo.
quinta-feira, março 16, 2017
terça-feira, março 14, 2017
Porque é que já não escrevo poemas.
Já não escrevo poemas porque
estou no barbeiro e no programa da tarde que ocupa a televisão do barbeiro
está um entertainer a dizer que o papa francisco e o barak obama
são muito boas pessoas.
Já não escrevo poemas porque
a veia não aguenta a estupidez de toda a gente, a ignorância maluca e aos pulos
por dentro das pessoas todas. Mesmo as boas pessoas.
Já não escrevo poemas porque
o entertainer do programa da tarde do canal público não sabe
(e é natural que não saiba, caso contrário não estaria a poluir o éter
do canal público àquela singela hora da tarde)
que as pessoas serem boas ou más
é completamente irrelevante para a história universal das pessoas.
E é por isso que já não escrevo poemas.
Já não escrevo poemas porque
as pessoas serem fundamentalmente estúpidas
é que é relevante para a história universal das pessoas.
Já não escrevo poemas porque
tenho mais que fazer e porque
não consigo transformá-los em balas.
Se sucedesse o inverso, seria uma verdadeira fábrica de poemas.
Era poemas-bala para dar e vender.
Já não escrevo poemas porque
o facebook pacificou as sensibilidades e os espíritos
com a boa e velha técnica da lobotomia, agora tecnologicamente avançada
com o acréscimo da indignação.
Já não escrevo poemas porque
os meus poemas iam certamente indignar este mundo e o outro e eu
não tenho tempo para me chatear tantas vezes assim.
Já não escrevo poemas porque
o instagram vale mais que mil versos
e o twitter não aceita para além de uns poucos caracteres.
Já não escrevo poemas porque
as faculdades proíbem as pessoas de dizerem o que pensam
e porque
os meus poemas podem ser processados e os advogados são caros
e porque
não foi a escrever poemas que eu cheguei a este lugar
e porque
é demasiado tarde para me arrepender do triste lugar onde cheguei
e porque
ninguém me prometeu nada na infância.
Já não escrevo poemas porque
os meus poemas não salvam os cristãos do médio oriente
(se os exércitos cristãos não salvam os cristãos do médio oriente
como é que os meus versos iam fazer qualquer diferença?).
Já não escrevo poemas porque
os meus poemas não salvam o Ocidente desta morte lenta e horrorosa.
Já não escrevo poemas porque
Platão, Cristo e Kant perderam a imortalidade.
Já não escrevo poemas porque
um gajo tão reles como o Trump consegue estar carregado de razão.
Já não escrevo poemas porque
Jorge Luis Borges.
Já não escrevo poemas porque
Fernando Pessoa.
Já não escrevo poemas porque
Luís Vaz de Camões
Já não escrevo poemas porque
o Ricardo Araújo Pereira é de esquerda.
Já não escrevo poemas porque
estou velho.
Já não escrevo poemas porque.
estou no barbeiro e no programa da tarde que ocupa a televisão do barbeiro
está um entertainer a dizer que o papa francisco e o barak obama
são muito boas pessoas.
Já não escrevo poemas porque
a veia não aguenta a estupidez de toda a gente, a ignorância maluca e aos pulos
por dentro das pessoas todas. Mesmo as boas pessoas.
Já não escrevo poemas porque
o entertainer do programa da tarde do canal público não sabe
(e é natural que não saiba, caso contrário não estaria a poluir o éter
do canal público àquela singela hora da tarde)
que as pessoas serem boas ou más
é completamente irrelevante para a história universal das pessoas.
E é por isso que já não escrevo poemas.
Já não escrevo poemas porque
as pessoas serem fundamentalmente estúpidas
é que é relevante para a história universal das pessoas.
Já não escrevo poemas porque
tenho mais que fazer e porque
não consigo transformá-los em balas.
Se sucedesse o inverso, seria uma verdadeira fábrica de poemas.
Era poemas-bala para dar e vender.
Já não escrevo poemas porque
o facebook pacificou as sensibilidades e os espíritos
com a boa e velha técnica da lobotomia, agora tecnologicamente avançada
com o acréscimo da indignação.
Já não escrevo poemas porque
os meus poemas iam certamente indignar este mundo e o outro e eu
não tenho tempo para me chatear tantas vezes assim.
Já não escrevo poemas porque
o instagram vale mais que mil versos
e o twitter não aceita para além de uns poucos caracteres.
Já não escrevo poemas porque
as faculdades proíbem as pessoas de dizerem o que pensam
e porque
os meus poemas podem ser processados e os advogados são caros
e porque
não foi a escrever poemas que eu cheguei a este lugar
e porque
é demasiado tarde para me arrepender do triste lugar onde cheguei
e porque
ninguém me prometeu nada na infância.
Já não escrevo poemas porque
os meus poemas não salvam os cristãos do médio oriente
(se os exércitos cristãos não salvam os cristãos do médio oriente
como é que os meus versos iam fazer qualquer diferença?).
Já não escrevo poemas porque
os meus poemas não salvam o Ocidente desta morte lenta e horrorosa.
Já não escrevo poemas porque
Platão, Cristo e Kant perderam a imortalidade.
Já não escrevo poemas porque
um gajo tão reles como o Trump consegue estar carregado de razão.
Já não escrevo poemas porque
Jorge Luis Borges.
Já não escrevo poemas porque
Fernando Pessoa.
Já não escrevo poemas porque
Luís Vaz de Camões
Já não escrevo poemas porque
o Ricardo Araújo Pereira é de esquerda.
Já não escrevo poemas porque
estou velho.
Já não escrevo poemas porque.
Cada vez gosto mais do jornalismo do Correio da Manhã.
Este vídeo aqui é para servir de documentário.
domingo, março 12, 2017
terça-feira, março 07, 2017
O detetive impassível, a femme fatale e a estatueta de ouro de Carlos V
Por Nuno Miguel Silva
Texto publicado a 20/01/17 no Jornal Económico
1523. A Ordem dos Hospitalários de São João Jerusalém, uma organização que foi contribuinte líquida para as Cruzadas, é expulsa da ilha de Rodes pelo sultão otomano Solimão, o Magnífico. A Ordem muda-se com armas e bagagens para a ilha de Creta, onde permanece sete anos.
Em 1530, convencem o imperador Carlos V, líder do Sacro Império Romano-Germânico, a ceder-lhes as ilhas de Malta, Gozo e Trípoli. O imperador aceita com uma condição: todos os anos, a Ordem teria de lhe pagar o tributo de um falcão, fazendo sentir-lhes que Malta fazia parte de Espanha.
Com recursos vastos decorrentes dos saques sistemáticos a que se dedicava, a Ordem aceita o trato. E como prova da sua gratidão a Carlos V, em vez de lhe entregar um simples falcão, em versão natural, oferece ao imperador um maciço falcão de ouro, com 30 centímetros de altura, incrustado com as mais preciosas pedras.
Quatrocentos anos e inúmeras peripécias depois, ninguém sabe onde pára o valioso
falcão. Ninguém, não é bem o caso, como poderão descobrir depois de lerem a trama arquitetada por Dashiel Hammett no delicioso “O Falcão de Malta”, também conhe- cido por “A Relíquia Macabra”.
No desenrolar do enredo, surge-nos um dos detetives com a história mais fulminante da ficção policial (Miles Archer), uma verdadeira femme fatale (Miss Wonderly, aliás, Miss O’Shaughnessy) e um detetive impassível (Sam Spade).
Na procura da centenária estatueta andam ainda criminosos de diversos recortes. E não podia faltar um célebre par de polícias (o bom e o mau) que tentam investigar os assassinatos que vão pingando no decorrer da genial ação engendrada por Hammett, tendo São Francisco por pano de fundo.
O suspense vai subindo à medida que estas e outras personagens se vão cruzando, sendo surpreendente o desenlace, como convém. Sam Spade foi poupado, na trama, para nosso deleite em outras aventuras.
“O Falcão de Malta” regressou recentemente às livrarias portuguesas pelas mãos da Livros do Brasil, uma chancela que agora pertence à Porto Editora, numa coleção que replica a famosa Coleção Vampiro, que encantou leitores desde o final dos anos 40 do século passado até 2010.
Esta referência da literatura policial universal foi publicada pela primeira vez em 1930 e logo no ano seguinte foi passada ao cinema, mas só 10 anos mais tarde gerou outra obra-prima na tela: Sam Spade terá para sempre a pose e a voz de Humphrey Bogart, a femme fatale foi encarnada por Maryh Astor, Peter Lorre fez a sua estreia, assim como o realizador, um tal de John Houston. É considerado um dos melhores filmes de sempre.
Texto publicado a 20/01/17 no Jornal Económico
1523. A Ordem dos Hospitalários de São João Jerusalém, uma organização que foi contribuinte líquida para as Cruzadas, é expulsa da ilha de Rodes pelo sultão otomano Solimão, o Magnífico. A Ordem muda-se com armas e bagagens para a ilha de Creta, onde permanece sete anos.
Em 1530, convencem o imperador Carlos V, líder do Sacro Império Romano-Germânico, a ceder-lhes as ilhas de Malta, Gozo e Trípoli. O imperador aceita com uma condição: todos os anos, a Ordem teria de lhe pagar o tributo de um falcão, fazendo sentir-lhes que Malta fazia parte de Espanha.
Com recursos vastos decorrentes dos saques sistemáticos a que se dedicava, a Ordem aceita o trato. E como prova da sua gratidão a Carlos V, em vez de lhe entregar um simples falcão, em versão natural, oferece ao imperador um maciço falcão de ouro, com 30 centímetros de altura, incrustado com as mais preciosas pedras.
Quatrocentos anos e inúmeras peripécias depois, ninguém sabe onde pára o valioso
falcão. Ninguém, não é bem o caso, como poderão descobrir depois de lerem a trama arquitetada por Dashiel Hammett no delicioso “O Falcão de Malta”, também conhe- cido por “A Relíquia Macabra”.
No desenrolar do enredo, surge-nos um dos detetives com a história mais fulminante da ficção policial (Miles Archer), uma verdadeira femme fatale (Miss Wonderly, aliás, Miss O’Shaughnessy) e um detetive impassível (Sam Spade).
Na procura da centenária estatueta andam ainda criminosos de diversos recortes. E não podia faltar um célebre par de polícias (o bom e o mau) que tentam investigar os assassinatos que vão pingando no decorrer da genial ação engendrada por Hammett, tendo São Francisco por pano de fundo.
O suspense vai subindo à medida que estas e outras personagens se vão cruzando, sendo surpreendente o desenlace, como convém. Sam Spade foi poupado, na trama, para nosso deleite em outras aventuras.
“O Falcão de Malta” regressou recentemente às livrarias portuguesas pelas mãos da Livros do Brasil, uma chancela que agora pertence à Porto Editora, numa coleção que replica a famosa Coleção Vampiro, que encantou leitores desde o final dos anos 40 do século passado até 2010.
Esta referência da literatura policial universal foi publicada pela primeira vez em 1930 e logo no ano seguinte foi passada ao cinema, mas só 10 anos mais tarde gerou outra obra-prima na tela: Sam Spade terá para sempre a pose e a voz de Humphrey Bogart, a femme fatale foi encarnada por Maryh Astor, Peter Lorre fez a sua estreia, assim como o realizador, um tal de John Houston. É considerado um dos melhores filmes de sempre.
sábado, fevereiro 25, 2017
Está tudo estragado.
A partir de agora, quem quiser ter uma conversa séria comigo sobre o actual presidente destes Estados Unidos da América tem que ter a paciência de ver e ouvir o discurso que o homem fez hoje no CPAC (também aconselho a que saibam o que é o CPAC). O segmento entre os 15 e os 33 minutos é especialmente esclarecedor.
Há aqui um conjunto alargado de questões em que concordo em absoluto com a actual administração americana e que até me espantam por serem tão polémicas. Posso não gostar do estilo populista, posso não gostar daquele penteado e do pavoroso domicílio, posso não gostar da fanfarronice e das meninas em Moscovo. Posso. Mas a substância, e lamento se ferir susceptibilidades estéticas ou tácticas, está dentro do meu quadro de valores ideológicos. Aos quais acresce o elemento prosaico, mas virtuoso, do senso comum.
sexta-feira, fevereiro 24, 2017
O humor segundo RAP: ofício belo, nobre, indispensável e inútil.
Por Nuno Miguel Silva
Texto publicado a 27/01/17 no Jornal Económico
Não esperem anedotas, nem chistes. Este senhor, já o sabemos, leva o humor muito a sério. Ainda bem, dizemos nós... Em pouco mais de cem pagininhas, Ricardo Araújo Pereira (RAP) embarca-nos numa fabulosa viagem à volta do humor, no livro editado no final do ano passado pela Tinta da China, com o sugestivo título “A doença, o sofrimento e a morte entram num bar”.
“Esta é a minha hipótese: humor, ou sentido de humor, é, na verdade, um modo especial de olhar para as coisas e de pensar sobre elas. É raro, não porque se trate de um dom oferecido apenas a alguns escolhidos, mas porque esse modo de olhar e de raciocinar é bastante diferente do convencional (às vezes, é precisamente o oposto), e a maior parte das pessoas não tem interesse em relacionar-se com o mundo dessa forma, ou não pode dar-se a esse luxo”, alerta RAP no texto escolhido pela editora para a contracapa da obra. Onde se aprende ainda que “somos treinados para saber o que as coisas são, não para perder tempo a investigar o que parecem ou o que poderiam ser”, pelo que este último livro de RAP, segundo o próprio, “procura identificar e discutir algumas características dessa maneira de ver e de pensar”.
E há pérolas cristalinas neste ensaio despretensioso de RAP. Aqui vai um exemplo: “O riso subverte o medo. Corrói-o, domina-o, torna-o mais pequeno”. É o que o autor faz como leitor, para depois lhe dar a graça de conviver nesta jornada com alguns dos cérebros mais fulminantes da espécie humana. Platão, Hobbes, Dickens, Chaplin, Machado de Assis, Eça de Queiroz, Quentin Tarantino, Goethe, Cervantes, Vasco Graça Moura, James Joyce, Oscar Wilde, Lewis Carroll, Woody Allen, Camilo
Castelo Branco, Kant, Mark Twain, Monty Phython,Voltaire, Chico Buarque, Buñuel, Ricky Gervais, Fernando Pessoa, David Lodge, Alberto Pimenta, Samuel Beckett, Jacques Tati, Schopenhauer, Chesterton, Kafka, Freud, Jerome K. Jerome, Manuel António Pina, Jerry Lewis, Barão de Munchhausen, Miguel Esteves Cardoso, Dean Martin, Brueghel, Kevin Costner, Henri Bergson, Diderot, Aristóteles e muitos outros são alguns crânios que RAP coloca em diálogo com o leitor, com ritmo e assertividade a toda a prova. Para não falar de referências à Bíblia, ao Livro de Pantagruel ou mesmo às energias do Super-Homem, Muhammad Ali ou George Foreman...
Um deleite. RAP socorre-se de Shakespeare, no ‘Hamlet’ incontornável. Diz o protagonista, com tradução de Sophia de Mello Breyner Andresen: “Onde estão agora as tuas troças, as tuas cabriolas, os brilhos da tua alegria que faziam romper na mesa um longo riso? Nada te resta agora para troçares da tua própria careta! Não tens beiços nem língua. Vai agora ao quarto da dama da corte e diz-lhe que, mesmo que ela ponha uma camada de pintura da grossura de umdedo, esta há de ser um dia a sua imagem. Faz que ela se ria disto”.
E o autor remata: “Não conheço melhor definição do trabalho do humorista. Fazer com que as pessoas se riam desta ideia: por mais que façam, vão morrer. Fornecer-lhes uma espécie de anestesia para esse pensamento. É um ofício belo, nobre, indispensável e inútil: sim, o riso tem o poder de esconjurar o medo, mas só durante algum tempo, talvez apenas durante o tempo que dura a gargalhada. Às vezes, nem tanto”.
Mais um exemplo da teoria bem arquitetada de RAP sobre o que é o humor, ou seja, “uma estratégia para reagir ao sofrimento”, “uma espécie de mau perder que leva o humorista, não a adaptar-se ao mundo, mas a afeiçoá-lo a si - mesmo que, para isso, tenha de dobrá-lo, torcê-lo, virá-lo do avesso”.
Conclui RAP que “na verdade, é quase nada, mas é o que há”. Será que a culpa é do Benfica?...
Texto publicado a 27/01/17 no Jornal Económico
Não esperem anedotas, nem chistes. Este senhor, já o sabemos, leva o humor muito a sério. Ainda bem, dizemos nós... Em pouco mais de cem pagininhas, Ricardo Araújo Pereira (RAP) embarca-nos numa fabulosa viagem à volta do humor, no livro editado no final do ano passado pela Tinta da China, com o sugestivo título “A doença, o sofrimento e a morte entram num bar”.
“Esta é a minha hipótese: humor, ou sentido de humor, é, na verdade, um modo especial de olhar para as coisas e de pensar sobre elas. É raro, não porque se trate de um dom oferecido apenas a alguns escolhidos, mas porque esse modo de olhar e de raciocinar é bastante diferente do convencional (às vezes, é precisamente o oposto), e a maior parte das pessoas não tem interesse em relacionar-se com o mundo dessa forma, ou não pode dar-se a esse luxo”, alerta RAP no texto escolhido pela editora para a contracapa da obra. Onde se aprende ainda que “somos treinados para saber o que as coisas são, não para perder tempo a investigar o que parecem ou o que poderiam ser”, pelo que este último livro de RAP, segundo o próprio, “procura identificar e discutir algumas características dessa maneira de ver e de pensar”.
E há pérolas cristalinas neste ensaio despretensioso de RAP. Aqui vai um exemplo: “O riso subverte o medo. Corrói-o, domina-o, torna-o mais pequeno”. É o que o autor faz como leitor, para depois lhe dar a graça de conviver nesta jornada com alguns dos cérebros mais fulminantes da espécie humana. Platão, Hobbes, Dickens, Chaplin, Machado de Assis, Eça de Queiroz, Quentin Tarantino, Goethe, Cervantes, Vasco Graça Moura, James Joyce, Oscar Wilde, Lewis Carroll, Woody Allen, Camilo
Castelo Branco, Kant, Mark Twain, Monty Phython,Voltaire, Chico Buarque, Buñuel, Ricky Gervais, Fernando Pessoa, David Lodge, Alberto Pimenta, Samuel Beckett, Jacques Tati, Schopenhauer, Chesterton, Kafka, Freud, Jerome K. Jerome, Manuel António Pina, Jerry Lewis, Barão de Munchhausen, Miguel Esteves Cardoso, Dean Martin, Brueghel, Kevin Costner, Henri Bergson, Diderot, Aristóteles e muitos outros são alguns crânios que RAP coloca em diálogo com o leitor, com ritmo e assertividade a toda a prova. Para não falar de referências à Bíblia, ao Livro de Pantagruel ou mesmo às energias do Super-Homem, Muhammad Ali ou George Foreman...
Um deleite. RAP socorre-se de Shakespeare, no ‘Hamlet’ incontornável. Diz o protagonista, com tradução de Sophia de Mello Breyner Andresen: “Onde estão agora as tuas troças, as tuas cabriolas, os brilhos da tua alegria que faziam romper na mesa um longo riso? Nada te resta agora para troçares da tua própria careta! Não tens beiços nem língua. Vai agora ao quarto da dama da corte e diz-lhe que, mesmo que ela ponha uma camada de pintura da grossura de umdedo, esta há de ser um dia a sua imagem. Faz que ela se ria disto”.
E o autor remata: “Não conheço melhor definição do trabalho do humorista. Fazer com que as pessoas se riam desta ideia: por mais que façam, vão morrer. Fornecer-lhes uma espécie de anestesia para esse pensamento. É um ofício belo, nobre, indispensável e inútil: sim, o riso tem o poder de esconjurar o medo, mas só durante algum tempo, talvez apenas durante o tempo que dura a gargalhada. Às vezes, nem tanto”.
Mais um exemplo da teoria bem arquitetada de RAP sobre o que é o humor, ou seja, “uma estratégia para reagir ao sofrimento”, “uma espécie de mau perder que leva o humorista, não a adaptar-se ao mundo, mas a afeiçoá-lo a si - mesmo que, para isso, tenha de dobrá-lo, torcê-lo, virá-lo do avesso”.
Conclui RAP que “na verdade, é quase nada, mas é o que há”. Será que a culpa é do Benfica?...
quinta-feira, fevereiro 23, 2017
Aqui tão perto.
Eis um sistema planetário em que 7 planetas 7, muito próximos uns dos outros, aparentam ter condições propícias à vida. E que dista apenas 40 anos luz do nosso Sistema Solar. Se isto acontece já aqui ao lado, imaginem os sistemas com condições favoráveis que devem existir por essa galáxia fora. Imaginem os sistemas com condições favoráveis que devem existir por todo o universo.
Ainda alguém acredita que a vida orgânica é um exclusivo deste planeta a que chamamos Terra?
quarta-feira, fevereiro 22, 2017
Com clip ou sem clip, este blog já está há muito tempo a bombar sem a música-céu dos White Lies.
Sai um estático. É a vida. Quer dizer, tomara a vida ser estática e ter esta banda sonora.
White Lies . Big TV
terça-feira, fevereiro 21, 2017
Iogurte grego, muito azedo!
Sobre a reportagem do CM que postei anteriormente, e sobre a inqualificável presença do inqualificável Pedro Marques Lopes no Trio de Ataque de ontem, escreve Mike Bramble:
É
inacreditável, inenarrável, como é que um dirigente de um clube de
futebol, ao fim de quatro décadas, permanece impune neste País e
continua a passear-se com
a bandeira da corrupção e da vilania mais abjeta e a zombar dos comuns
dos mortais que não fazem parte da sua seita!
Ontem
fui, mais uma vez, surpreendido, da pior maneira, porque vi e ouvi (e
repeti) o Pedro Marques Lopes na RTP a dizer que o CM era “um lixo, uma
espécie
de jornal”.
E
depois atacou o João Gobern e o meu, o nosso clube, o Sport Lisboa e
Benfica, ao falar da história de um alegado dirigente do Benfica que
poderia estar a
traficar cocaína.
Qual foi a ‘espécie de jornal’, o ‘lixo’ que revelou essa história?
E
irrita-me sobremaneira que um alegado moderador do debate, suposto
jornalista, certamente pago só por nós, contribuintes parolos, permita
que assim se ataquem
os fundamentos do sistema democrático, da pluralidade de opiniões, do
direito ao contraditório (já nem falo do ataque sistemático aos seus
colegas de profissão).
E que deixa correr e ocorrer isto de uma forma pachorrenta e invertebrada, sem mexer uma palhinha naquela postura de sonsinho.
Infelizmente, mais um ‘plácido domingo’ na TV pública portuguesa.
Sem direito a lirismos canoros…
Mas
também se percebe: a partir de uma certa hora de ontem, gerou-se muita
azia, talvez tipo iogurte azedo, grego, servido geladinho…
segunda-feira, fevereiro 20, 2017
Isto não é jornalismo?
Muito se diz do Correio da Manhã. Mas porque é que não se diz que o Correio da Manhã faz serviço público, como esta reportagem é serviço público?
Duas ou três coisas sobre um senhor chamado Konstantinos Mitroglou.
Toda a gente que nos últimos dois anos viu um jogo do Benfica comigo, já me ouviu dizer isto:
"Ninguém convence o Mitroglou que ele não é um tecnicista".
Acontece que o rapaz tem razão. Para a altura que tem, para o peso que tem, para a falta de figura de crack da bola que tem, Mitroglou é um tecnicista.
Este golo não é um golo; é um logótipo. Como já tinha acontecido no sobrenatural jogo contra os diabos de Dortmund, Mitroglou mete várias vezes os pés pelas mãos e vice-versa. Mas sabe ter calma. Sabe emendar. Percebe que o futebol é um jogo difícil. E percebe a importância que tem a humildade. O que conta não é o erro, que é comum quando jogas uma bola com os pés. O que conta é a persistência, a superação, a consciência plena de que as probabilidades estão contra ti.
Mitroglou é - para sua felicidade e para felicidade de milhões de benfiquistas - uma espécie de super-herói ao contrário. Uma espécie de anti-Jonas. Uma espécie de Prometeu com barbicha. Ninguém está à espera que este gajo desengonçado e equívoco roube o fogo da glória, ninguém está à espera que saia daqueles pés uma finta decente, um remate direito ou uma jogada de génio. Mas sim, o grego sabe fintar; mas sim, remata com imensa certeza no cagar e faz jogar até, espanto dos espantos, mais que muita gente do actual plantel do Sport Lisboa e Benfica.
A partida de hoje, contra uma equipa muito bem organizada, agressiva à brava e que sabia - até ao golo - o que estava a fazer em campo, só podia ter sido resolvida como foi resolvida. E foi resolvida pelo mestre da desfaçatez. Por um gajo que, aparentemente, não nasceu para isto. E que, talvez por isso, é um grande jogador de futebol. E um profissional exemplar.
______________________________________
Sobre o grego em particular e o benfica em geral, jornalismo de factos, por João Pedro Ferreira, no Mais Futebol:
"Kostantinous Mitroglou foi mais uma vez o herói da noite encarnada, como já tinha sido com o Arouca e com o Borussia Dortmund.
O grego foi, em 180 minutos de futebol, o único jogador do Benfica a
enquadrar remates à baliza frente ao Sp. Braga e aos germânicos. Acertou
lá dois, os suficientes para dois triunfos importantíssimos nos
objetivos da equipa.
À pressão exercida pelo FC Porto após o triunfo sobre o Tondela,
responderam as águias com nova vitória sobre os arsenalistas. É a sétima
consecutiva, já agora.
O Benfica tem-se superiorizado ao Sp. Braga quer no campeonato, quer
nas outras provas, Supertaça Portuguesa incluída: foi esse o primeiro
jogo da temporada 2016/17, é bom lembrar.
Nesse encontro de campo neutro, Kostas Mitroglou não faturou. Mas a
verdade é que o grego tem uma tendência para marcar golos aos minhotos.
Em cinco jogos contra os arsenalistas já apontou outros tantos golos.
Esta é, aliás, a primeira vez que quando marca não o faz a dobrar
frente ao Sp. Braga. Na época passada, Mitroglou tinha bisado na jornada
28 da Liga e já nesta temporada foi ele uma das principais figuras do
jogo da primeira volta também com um bis, num triunfo por 3-1.
Na época que decorre, dois ao Sp. Braga na Luz (3-1), um ao Boavista
(3-3) também em casa e o deste domingo. Golos sem os quais o Benfica não
somaria os mesmos pontos nessas partidas.
Sem Jonas, com Raul Jimenez a voltar de lesão e com Gonçalo Guedes em
Paris, Kostas Mitroglou tem sido o avançado mais regular e eficaz do
Benfica. E aquele que está em melhor forma: nos últimos quatro jogos
(Nacional, Arouca, Bor. Dortmund e Sp. Braga) fez cinco golos!
Tão eficaz que com apenas dois remates do grego, os únicos a irem na
direção da baliza nesses dois jogos, as águias bateram o Dortmund, e vão
em vantagem para a segunda mão da Champions, e também o Sp. Braga, o
que deixa o FC Porto atrás na tabela."
terça-feira, fevereiro 14, 2017
Anti-Valentim #2
Oh Wonder . All We Do
All we do is hide away
All we do is, all we do is hide away
All we do is chase the day
All we do is, all we do is chase the day
All we do is, all we do is hide away
All we do is chase the day
All we do is, all we do is chase the day
All we do is lie and wait
All we do is, all we do is lie and wait
All we do is feel the fade
All we do is, all we do is feel the fade
All we do is, all we do is lie and wait
All we do is feel the fade
All we do is, all we do is feel the fade
I've been upside down
I don't wanna be the right way round
Can't find paradise on the ground
I don't wanna be the right way round
Can't find paradise on the ground
I've been upside down
I don't wanna be the right way round
Can't find paradise on the ground
I don't wanna be the right way round
Can't find paradise on the ground
All we do is hide away
All we do is, all we do is hide away
All we do is chase the day
All we do is, all we do is chase the day
All we do is, all we do is hide away
All we do is chase the day
All we do is, all we do is chase the day
All we do is play it safe
All we do is live inside a cage
All we do is play it safe
All we do, all we do
All we do is live inside a cage
All we do is play it safe
All we do, all we do
I've been upside down
I don't wanna be the right way round
Can't find paradise on the ground
I don't wanna be the right way round
Can't find paradise on the ground
I've been upside down
I don't wanna be the right way round
Can't find paradise on the ground
I don't wanna be the right way round
Can't find paradise on the ground
All we do is hide away
All we do is, all we do is hide away
All we do is chase the day
All we do is, all we do is chase the day
All we do is, all we do is hide away
All we do is chase the day
All we do is, all we do is chase the day
All I did was fail today
All I wanna be is whites in waves
All I did was fail today
All I wanna be is whites in waves
All I did was fail today
All we do, all we do
segunda-feira, fevereiro 13, 2017
3 grandes fitas.
Nocturnal Animals, de Tom Ford, Sully de Clint Eastwood e The Arrival, de Denis Villeneuve. Eastwood não sabe fazer nada que não seja uma obra prima e já chegou ao patamar da imortalidade há que tempos. Tom Ford é regular na qualidade (A Single Man é um excelente bocado de cinema) e o senhor Villeneuve também parece convencer (Sicario não é mauzinho de todo). Dois destes ilmes contam com a presença de Amy Adams, que é uma rapariga capaz (e capaz de fazer muita porcaria, também).
Seja como for, eis a prova provada que, apesar do meu cepticismo e da mediocridade reinante, de vez em quando, muito de vez em quando, ainda conseguimos descobrir uns filmezinhos decentes.
sábado, fevereiro 11, 2017
quinta-feira, fevereiro 09, 2017
segunda-feira, fevereiro 06, 2017
Freaking unbelievable.
Um drive para touchdown que percorre noventa e tal jardas seguidinhas, com a assinatura de Tom Brady. E com um catch surrealista de Edelman pelo meio. Ainda por cima, depois de somarem os seis pontos, os Patroits decidem - e bem - tentar novo touchdown para dois pontos (em vez da conversão por pontapé) para empatar o jogo. Vale a pena ver, aqui. É de loucos.
The greatest comeback in football history. And the greatest quarterback, too.
A quinquagésima primeira edição da Super Bowl vai ficar para a história. Nunca como hoje uma final da NFL tinha sido decidida em tempo extra (o tempo regulamentar esgotou-se com um empate a 28 pontos). Nunca como hoje uma equipa tinha sobrevivido a uma diferença pontual tão grande (o resultado chegou a 28-3 a favor dos Falcons). Nunca como hoje um jogador tinha conquistado a distinção MVP de uma final por quatro vezes. Nunca como hoje um jogador tinha ganho cinco títulos.
Tom Brady, o líder dos New England Patriots, é agora, sem disputa, o melhor quarter back de todos os tempos. E, muito provavelmente, o melhor intérprete deste belíssimo jogo a que os americanos chamam futebol. E hoje foi, durante a hora e meia que durou a incrível segunda parte da partida, um verdadeiro deus.
Estou completamente de queixo caído com o que acabei de ver. Que grande jogo de bola.
sexta-feira, fevereiro 03, 2017
O cristal do espaço-tempo.
Imaginem um cristal que é em simultâneo feito de matéria e de tempo. E que se movimenta perpetuamente sem consumir nem criar energia. A profecia contra-intuitiva que o Prémio Nobel da Física Frank Wilczek anunciou em 2012 acaba de ser comprovada em laboratório, pela equipa liderada por Norman Yao, da Universidade de Berkeley-Califórnia. A matéria quântica revela finalmente a sua quarta dimensão e a partir daqui nada será exactamente como antes.
Mais informação sobre esta descoberta verdadeiramente transformadora:
Phys.org
Eurekalert.org
Frank Wilczek na wikipédia
Mais informação sobre esta descoberta verdadeiramente transformadora:
Phys.org
Eurekalert.org
Frank Wilczek na wikipédia
quarta-feira, fevereiro 01, 2017
sábado, janeiro 28, 2017
sexta-feira, janeiro 27, 2017
segunda-feira, janeiro 23, 2017
Jornal de Letras - Colosso, de Niall Fergusson
“As primeiras armas da América são meias de senhora, cigarros e
outras mercadorias. Querem subjugar o mundo mas não conseguem subjugar a
pequena Coreia.”
Joseph Estaline
Também, mas não só por causa das suas origens libertárias e anti-imperialistas, os americanos gostam de ser ver como a primeira potência global não imperial. O império americano é de governação indirecta, informal e não territorial. A política, nos casos de intervenção em países estrangeiros, tem sido a de criação de governos autóctones, mais ou menos fantoches, desde que cooperem com a filosofia mercantil americana. E, regra geral, quando invadem um país, fazem-no dentro de uma estreita janela temporal. Nunca pretendem de facto a ocupação de longo prazo.
A América assume o império global com o culminar da Primeira Guerra Mundial, mas o seu envolvimento no conflito deveu-se fundamentalmente ao afundamento do Lusitania por um submarino alemão, que matou 128 americanos. E, também, à desastrada política externa alemã, que colocou em causa a integridade territorial dos EUA a propósito de uma pueril aliança diplomática com o México. Pearl Harbour e o 11 de Setembro são, comparativamente, fenómenos semelhantes: mesmo considerando os valores universalistas que decorrem da Constituição americana, a verdade é que o envolvimento dos Estados Unidos em conflitos militares de grande escala dependeu muitas vezes de um directo ataque aos seus interesses, aos seus bens e aos seus cidadãos e raramente de qualquer tipo de altruísmo ideológico.
Niall Fergusson pergunta-se, com algum desassombro e por várias vezes nesta obra: não será melhor para certos estados ditatoriais ou fracassados uma ocupação que permita a transição para a democracia sob protectorado, mesmo que esta ocupação dure décadas? Parece evidente que esta solução é preferível na maior parte dos casos, até porque a descolonização descomprometida com os destinos regimentais dos países colonizados, como foi feita pelas potências ocidentais, não trouxe paz nem prosperidade a esses países. Ao contrário, as ditaduras que se seguiram foram, na perspectiva das populações nativas, bem piores que os impérios coloniais. Na maior parte dos casos, as ex-colónias ficaram mais pobres relativamente às metrópoles. E a globalização não é desculpa: para o autor, o problema da globalização não é o de exisitir. É o de ser pouco ambiciosa.
Manifesta-se no Século XXI americano a mesma má equação que aflige a Europa desde as últimas décadas do Século XX: a relação deficitária entre a demografia e capacidade do estado em manter as prestações sociais. A médio prazo os EUA podem ter que escolher entre pagar a dívida soberana ou as pensões. O professor de Harvard traça aliás um quadro muito negro do futuro financeiro e tributário dos EUA: mesmo que os impostos sobre o rendimento fossem aumentados para o dobro e em tempo real, a sustentabilidade do sistema a médio-longo prazo não estaria ainda assim garantida.
Joseph Estaline
Crónica publicada a 13/07/16 |
A edição em Portugal de “Colosso” (Temas e Debates, 2015) – com o sub-título Ascensão e Queda do Império Americano
– tem um problema irresolúvel de fundo. É que esta obra foi publicada
em 2004. Desde aí, a América em especial e o mundo em geral sofreram
alterações profundas nas variáveis geo-estratégicas, económicas, sociais
e até ideológicas. O império americano de 2015 é muito diferente, de
muitas maneiras, do que era há 12 anos atrás. No entretanto, tivemos um
rol incrível de cataclismos naturais e sobrenaturais que mudaram de
facto a face do mundo. Niall Fergusson escreve num
momento da história que antecede a recessão económica iniciada em 2007, e
respectivas crises das dívidas soberanas e da Moeda Única Europeia; a
Primavera Árabe de 20010-11 e a desintegração de vários estados no Médio
Oriente que se lhe seguiu; a eleição de Barak Obama e consequente
retirada militar do Iraque e do Afeganistão; o surgimento do Estado
Islâmico; os atentados terroristas de Madrid, Londres, Bombaim e Paris; a
instauração de regimes socialistas no Brasil, na Venezuela e na
Bolívia, a institucionalização do cartelismo no México, a morte de Bin
Laden, o marmoto do Pacífico, o terramoto do Japão, etc., etc., etc.
Isto já para não falar da saída do Reino Unido da União Europeia,
fenómeno do género poltergeist que soaria ao Professor Fergusson, em
2004, como uma novela distópica, de enredo excessivamente fantasista.
Por vezes, este abismo cognitivo resulta em favor do autor, que
anuncia e prevê factos que vieram posteriormente a ocorrer; noutras,
resulta em desfavor da obra, no seu todo e principalmente para o leitor,
que não tem culpa de saber coisas desconhecidas em 2004. No prefácio,
por exemplo, Fergusson especula que uma retirada ignominiosa do Iraque
provocará o descalabro do império. Esse descalabro não aconteceu
completamente, mas não deixa de ser verdade que a retirada americana
facilitou, no mínimo, a afirmação militar de Estado Islâmico e a perda
de influência dos EUA no Médio Oriente.
Niall Fergusson, eminente professor de Oxford, Harvard e Standford e célebre documentarista do Channel Four,
procura nesta obra explicar as razões que estão na origem da
incompetência imperial americana. São os Estados Unidos um império? Com
certeza e, na verdade, o maior da história. Mas um império com
limitações inéditas: é que, dadas as origens liberais e libertárias da
sua nação federal, os americanos não gostam de ser ver como
imperialistas. Isto embora, como o autor demonstra abundantemente – e
muito bem acompanhado por outros ilustres académicos, como Yuval Noah
Harari (1) -, a existência de impérios não seja propriamente algo de
negativo na história humana. Pelo contrário, é a ausência de hegemonias
imperiais que leva ao caos e à ruptura civilizacional. Niall Fergusson
argumenta até que, em certos casos de nações falhadas, a invasão
territorial de longo prazo seria muito preferível para a qualidade de
vida dos povos nativos. Estamos assim a milhas do território
politicamente correcto.
Também, mas não só por causa das suas origens libertárias e anti-imperialistas, os americanos gostam de ser ver como a primeira potência global não imperial. O império americano é de governação indirecta, informal e não territorial. A política, nos casos de intervenção em países estrangeiros, tem sido a de criação de governos autóctones, mais ou menos fantoches, desde que cooperem com a filosofia mercantil americana. E, regra geral, quando invadem um país, fazem-no dentro de uma estreita janela temporal. Nunca pretendem de facto a ocupação de longo prazo.
É que, antes de ser um império político e militar, o império
americano é uma iniciativa comercial. A “coca-colonização”, embora
implique 752 instalações militares em mais de 130 países, é uma
gigantesca operação de marketing cultural, que funciona melhor se os
clientes permanecerem vivos, relativamente solventes e cidadãos de um
estado de direito (ou pelo menos com o direito à propriedade minimamente
assegurado). O espírito empreendedor e o poderio militar não fazem
porém um império excepcional: a hegemonia americana tem muito em comum
com os outros 70 impérios da história. E deve ser historicamente
comparado.
No registo confessional em que é redigida a introdução, Niall
Fergusson defende os impérios como forças benignas que impedem o terror
dos pequenos estados contra outros estados, mas também contra os seus
povos. E argumenta a favor de políticas imperiais que intervenham em
estados como a Libéria (“estados fracassados” e/ou “regimes
criminosos”), enquanto recusa carregar o insustentável fardo do homem
branco: “A áfrica subsariana em particular tem empobrecido não
devido à muitas vezes denunciada herança do colonialismo, mas sim a
décadas de má governação desde a independência.”
Logo no seu início mas muito frequentemente no seu decorrer, a obra
traz para as luzes da discussão um factor de declínio civilizacional que
é pouco discutido nos dias de agora, embora tenha reinado sobre o
pensamento filosófico europeu durante séculos: a ausência de uma vontade
de poder. As elites americanas hesitam historicamente perante a
possibilidade do poder global. E esse deficit de vontade de poder pode
muito bem-estar na origem da queda do império.
A Ascensão.
O território dos Estados Unidos, logo após a independência, constituía 8% do actual e, em 1820, existiam apenas 320.000 americanos à face do planeta. A nação é assim, e ironicamente, imperialista logo na sua génese, sendo a conquista territorial do Oeste um primeiro exercício dessa expansão imperial. Apesar de grande parte dos territórios anexados terem sido comprados a franceses, espanhóis, ingleses, mexicanos e russos, foi necessário fazer a guerra com muitos povos e em múltiplos palcos para unificar a nação e os Estados Unidos, se são hoje uma potência militar de primeira grandeza, foi também porque sempre conviveram com violentos e massivos confrontos armados, tanto internamente como nos territórios da sua esfera de influência imediata.
O território dos Estados Unidos, logo após a independência, constituía 8% do actual e, em 1820, existiam apenas 320.000 americanos à face do planeta. A nação é assim, e ironicamente, imperialista logo na sua génese, sendo a conquista territorial do Oeste um primeiro exercício dessa expansão imperial. Apesar de grande parte dos territórios anexados terem sido comprados a franceses, espanhóis, ingleses, mexicanos e russos, foi necessário fazer a guerra com muitos povos e em múltiplos palcos para unificar a nação e os Estados Unidos, se são hoje uma potência militar de primeira grandeza, foi também porque sempre conviveram com violentos e massivos confrontos armados, tanto internamente como nos territórios da sua esfera de influência imediata.
Envolvidos logo no século XIX num movimento comercial expansionista,
de carácter global, os EUA sempre mostraram reticências no que diz
respeito à ocupação territorial típica do colonialismo europeu. A guerra
sanguinolenta com os independentistas nas Filipinas, depois da vitória
fácil frente aos espanhóis, levou à rejeição do modelo convencional e à
preferência pela instalação de “bons governos” que colaborem com os
interesses económicos e geo-estratégicos do Uncle Sam. Mas
enquanto a Nicarágua, Cuba e a República Dominicana corresponderam à
filosofia de tributar sem anexar, mantendo a independência destes países
sob um governo fantoche, já S. Domingos e o Haiti trouxeram mais
complicações, resolvidas com operações militares e intervenção directa
na constituição de regimes e governos, embora ainda assim sem anexação
formal (com excepção das Ilhas Virgens).
Observando o destino tirânico destes e de outros países, o autor interroga-se se a anexação não teria sido preferível. Os somoza
na Nicarágua, Fulgêncio Baptista em Cuba e Tiburcio Andino nas Honduras
(só para citar alguns exemplos) demonstraram que a política de
influência nem sempre resultou na instauração de democracias humanistas e
liberais, tendentes a aceitar a cultura comercial americana e a
promover a qualidade de vida e os direitos fundamentais dos povos
nativos.
As posteriores e consecutivas políticas externas de Hoover, Roosevelt
e Wilson, que visavam a instalação de democracias pró-americanas na
América do Sul, falharam redondamente. A defesa dos interesses mineiros
americanos no México também não foi bem-sucedida. Isto apesar do intenso
empenhamento político e militar da América, testemunhado
desassombradamente pelo General Smedley D. Butler, em 1935:
“Ajudei a fazer do Haiti e de Cuba locais decentes para os
rapazes do National City Bank obterem aí as suas receitas. Ajudei a
saquear meia dúzia de repúblicas centro-americanas para benefício de
Wall Street. O registo dos actos de extorsão é extenso. Ajudei a
purificar a Nicarágua para o banco internacional Brown Brothers entre
1902 e 1912. Levei a luz à República Dominicana para os interesses da
produção de açúcar em 1916. Ajudei a tornar as Honduras “adequadas” às
empresas de frutas da América em 1903. (…) Retrospectivamente, sinto que
até podia ter dado algumas dicas a Al Capone. O melhor que ele
conseguiu fazer foi instalar os seus esquemas em três zonas de uma
cidade. Nós, os fuzileiros, operámos em 3 continentes.”
O imperialismo do anti-imperialismo.
A América assume o império global com o culminar da Primeira Guerra Mundial, mas o seu envolvimento no conflito deveu-se fundamentalmente ao afundamento do Lusitania por um submarino alemão, que matou 128 americanos. E, também, à desastrada política externa alemã, que colocou em causa a integridade territorial dos EUA a propósito de uma pueril aliança diplomática com o México. Pearl Harbour e o 11 de Setembro são, comparativamente, fenómenos semelhantes: mesmo considerando os valores universalistas que decorrem da Constituição americana, a verdade é que o envolvimento dos Estados Unidos em conflitos militares de grande escala dependeu muitas vezes de um directo ataque aos seus interesses, aos seus bens e aos seus cidadãos e raramente de qualquer tipo de altruísmo ideológico.
Aliás, as duas grandes guerras não mudaram em nada o cepticismo com
que os americanos encaram a acção imperial, embora a ameaça do Bloco
Soviético, consequente ao desenlace da Segunda Grande Guerra, tenha sido
levada muito a sério. Isto apesar da União Soviética ter recusado o
modelo colonial que os americanos criticavam até aos seus próprios
aliados.
Mais a mais, o século XX veio demonstrar que os Estados Unidos não
são muito competentes quando precisam de implementar modelos de gestão
territorial. A ocupação do Japão, que implicou o estacionamento de
400.000 homens no seu máximo e nunca menos de 100.000 até 1957, e a
ocupação da Alemanha ocidental, constituíram responsabilidades
financeiramente desastrosas, muito porque os países derrotados não
estavam em condições de pagar a factura. Por um lado, existia uma
vontade objectiva de diminuir as capacidades de produção industrial
destes países, de forma a reduzir a possibilidade de voltarem a
constituir ameaças à paz mundial, mas por outro era necessário criar
condições de prosperidade que lhes permitissem o pagamento das
compensações da guerra, juros das dívidas soberanas e custos da
ocupação. As coisas nunca correram realmente a preceito para os
americanos: “O que era planeado não acontecia. O que acontecia não
era planeado. Não era tanto um império por convite mas um império de
improviso.”
Seja como for, a ajuda americana depois da guerra (incluindo o Plano
Marshall e os largos milhões gastos no Japão) nunca superou os 2% do PIB
e, na altura em que J. F. Kennedy proclamava que estava disposto a
pagar qualquer preço pela liberdade, a ajuda externa do Uncle Sam
desceu abaixo dos 1%. O investimento militar, no entanto, foi sempre
mais significativo e chegou a atingir os 14% do PIB nos anos 50, que
traduziam os gastos tecnológicos da era atómica mas, também, as
exigências financeiras das bases militares instaladas em 64 países em
1967, e 168 intervenções armadas entre 1946 e 1965.
O domínio mundial subsequente às grandes guerras levou os Estados
Unidos a aplicarem de facto políticas imperiais, mas sempre em nome do
anti-imperialismo (neste caso, o imperialismo russo). E a preferência
pela “guerra limitada” foi uma constante, quase sempre com péssimos
resultados. Essa filosofia imperial envergonhada, carregada de políticas
dúbias, teve como resultado derrotas militares (Vietname e Somália),
impasses e compromissos (Coreia), e desastres geo-estratégicos (Médio
oriente).
Com o fim da Guerra Fria, e dado a importância política,
civilizacional e energética da região, a questão era saber se os EUA
intervinham no Médio Oriente sozinhos ou acompanhados. O autor
responsabiliza a proverbial timidez operacional da ONU pelo
unilateralismo americano e afirma, com resoluta lucidez: “o multilateralismo também pode ser menos que esplêndido.”
E se é verdade que os EUA pagam 22% do que a ONU custa anualmente,
sendo seu o primeiro contribuinte, convém também saber que o orçamento
anual das Nações Unidas corresponde àquilo que o Pentágono gasta em 32
horas. Daí que Fergusson conclua que a ONU precisa mais dos EUA do que
os EUA da ONU.
Seja como for, foi a primeira guerra do Iraque, legitimada pela
Organização sediada em Nova Iorque, que levou a um reforço da presença
do Tio Sam nesta conturbada região do mundo. E foi precisamente essa
presença que primeiro acendeu o ressentimento de certos sectores
islamitas.
A incompetência americana para exercer o domínio militar que a sua
tecnologia e disponibilidade financeira de facto permite, em paralelo
com a total incapacidade das Nações Unidas para resolverem a esmagadora
maioria dos problemas que se lhe deparam, é evidente na análise dos
confrontos contemporâneos. Em Mogadíscio, como no Haiti, os americanos
mostraram que não estão preparados para sofrer baixas. E nos Balcãs –
enquanto a ONU permitiu e assistiu impávida aos genocídios e alemães,
franceses e ingleses contribuíam também e muito desajeitadamente com
achas para a fogueira, a administração Clinton decidiu tomar uma decisão
que prometia uma possibilidade de zero baixas: a NATO bombardeou os
sérvios, matando mais de 30.000 pessoas e deslocando 1 milhão, entre
Dezembro de 98 e Maio de 99. Tudo isto sem autorização da ONU, mas
também sem grandes protestos por causa disso, estranhamente. Entretanto,
no Ruanda, ocorria mais um desastre operacional das Nações Unidas, que
desta vez contou também com a negligência americana e a cumplicidade dos
franceses – o massacre dos tutsis pelos hutu resultou em 500.000
mortos, pelo menos.
Sobre as recentes guerras no Iraque e no Afeganistão o autor
manifesta uma opinião não convencional. Seguindo a doutrina que
recomenda o ataque a países que albergam organizações terroristas, já
que o terrorismo é difícil de combater de outra forma por forças
convencionais, a administração Bush consegui o apoio da ONU para a acção
militar no Afeganistão, muito porque foi rapidamente colocado um
governo nativo no poder. No caso do Iraque, Niall Fergusson mostra algum
espanto pelo facto deste país não ter sido invadido antes de 2005,
dadas as constantes infracções à lei internacional cometidas pelo
governo de Saddam Hussein, que levaram a 22 resoluções do Conselho de
Segurança (!). E assinala o cinismo da posição francesa, que é uma
constante da sua relação com os Estados Unidos, enquanto desvaloriza a
importância dos interesses do complexo industrial e militar na tomada de
decisão de invadir o país (a cadeia de retalho Wall Mart subiu mais na
bolsa do que a Halliburton durante os anos da guerra).
O autor gosta de chamar islamo-bolchevistas aos radicais islâmicos. É
preciso dizer que esta nomenclatura não é completamente correcta. Se
podemos enquadrar nesse imaginário, com um esforço de boa vontade, o
regime dos Ayatollas, no Irão, a nomenclatura só muito dificilmente é
apropriada para qualificar a Alquaeda ou o ISIS no mesmo enquadramento
ideológico. Mais abrangente e menos polémica será, porventura a
definição Islamo-fascistas usada por outros eminentes analistas da
realidade política no Médio Oriente (2).
A queda.
Niall Fergusson pergunta-se, com algum desassombro e por várias vezes nesta obra: não será melhor para certos estados ditatoriais ou fracassados uma ocupação que permita a transição para a democracia sob protectorado, mesmo que esta ocupação dure décadas? Parece evidente que esta solução é preferível na maior parte dos casos, até porque a descolonização descomprometida com os destinos regimentais dos países colonizados, como foi feita pelas potências ocidentais, não trouxe paz nem prosperidade a esses países. Ao contrário, as ditaduras que se seguiram foram, na perspectiva das populações nativas, bem piores que os impérios coloniais. Na maior parte dos casos, as ex-colónias ficaram mais pobres relativamente às metrópoles. E a globalização não é desculpa: para o autor, o problema da globalização não é o de exisitir. É o de ser pouco ambiciosa.
Por outro lado, as variáveis ambientais, geográficas ou de
salubridade não justificam, na opinião de de Fergusson, o
subdesenvolvimento das ex-colónias, como defendem vários e eminentes
autores contemporâneos como o Professor Jared Diamond (3). O problema
está na ausência de instituições democráticas e liberais, que assegurem
os direitos da propriedade privada, as liberdades individuais, os
direitos contratuais, a estabilidade governativa, a governação honesta,
moderada e eficiente; uma opinião que tem vindo a ser secundada
posteriormente por outros reputados académicos como Daron Acemoglu e
James A. Robinson (4). É, assim, por omissão de civilização e não por
excesso que pecam os impérios.
Seguindo a lógica desta linha de pensamento, não devemos criticar os
americanos por intervirem em territórios além das suas fronteiras, mas
por não estarem dispostos a prolongar a sua estadia por períodos mais
longos, de forma a criar condições reais que alicercem o curso de
democracias de inspiração ocidental.
Os britânicos ficaram 40 anos no Iraque, que é um estado inventado
por eles. E quando permitiram a independência (controlada) e coroaram o
rei Faisal, o hino que tocou na cerimónia oficial foi o “God Save the
King”. É claro que a lógica de Fergusson tens as suas lacunas: mesmo
permanecendo 40 anos no Iraque, o Império Britânico acabou por não criar
um estado estável, como sabemos hoje muito bem.
E, de qualquer forma, percebe-se que os americanos prefiram residir
no seu país e avaliar com cepticismo o colonialismo à maneira europeia. A
nação federal oferece um nível de conforto material e civilizacional
aos seus cidadãos que não tem comparação com o que era assegurado pela
Inglaterra do século XIX (ou o Portugal dos Séculos XV a XX). Entre
viver em Boston ou viver em Kabul, é compreensível que o americano médio
prefira ficar em casa. Ou voltar para esse farto conforto o mais
depressa que lhe seja possível.
Em oposição directa a escoceses e irlandeses, que usavam o serviço
público colonial do Império Britânico como trampolim sócio-económico, os
cidadãos mais discriminados dos Estados Unidos da América tendem,
apesar de tudo, a querer permanecer nos Estados Unidos da América e,
assim, os EUA lutam com uma escassez crónica de mão-de-obra para o
“nation-building” que é necessário à boa gestão de um império (mesmo que
apenas económico, mesmo que apenas cultural). Actualmente (leia-se:
números de 2004), cerca de 3,8 milhões de americanos vivem no
estrangeiro. Um oitavo do número de estrangeiros que vivem nos EUA.
Destes americanos emigrantes, um milhão vive no México e 687 mil no
Canadá. E dos 290 mil que vivem no Médio Oriente, dois terços residem em
Israel. Há apenas 37 mil americanos a viver em África. A América é “um império sem colonos“.
E como as faculdades americanas não têm vocação ideológica e técnica
para a formação de quadros que operem além-fronteiras, é também “um império sem administradores“.
Além do mais, o apoio popular a aventuras além mares com duração
temporal substantiva é cada vez mais escasso. Se no Vietname foram
precisos 30.000 mortos e anos de combate acesso para que a opinião
pública retirasse o seu apoio ao esforço de guerra, no Iraque bastaram 6
meses de confronto para que a administração Bush se visse a braços com a
contestação geral. Isto embora a análise histórica demonstre o acerto
de uma estratégia mais consistente. A presença militar na Alemanha, no
Japão e na Coreia do Sul, porque foi de longa duração (décadas), gerou a
formação de estados bem-sucedidos.
Por outro lado, e paradoxalmente, a hegemonia americana não parece
ameaçada, como nos tempos da Guerra Fria, por nenhum inimigo cujo
poderio bélico ou económico tenha que ser levado em conta. No
entendimento do autor, a União Europeia é o único rival à altura. A
demografia é superior em mais do dobro (450 milhões de europeus para 200
milhões de Americanos) e o PIB é ligeiramente superior (mais uma vez,
em números de 2004). A economia da União apresenta bons índices de
produtividade, a aproximarem-se da americana, e um peso comercial que é
par, mas não está tão endividada. Porém, e mesmo que se trate de um
aliado céptico e, muitas vezes, cínico, a União Europeia não tem impulso
imperial, nem coordenação militar, preferindo contar, nessa área, com o
protagonismo americano, mesmo que depois se prontifique a criticá-lo
abertamente.
Acresce que a União Europeia tem vários handicaps: a população
envelhecida, um crescimento económico decepcionante, um mercado de
trabalho pouco flexível, com altas taxas de desemprego e baixo
voluntarismo. Os trabalhadores americanos folgam menos, fazem menos
greves e têm um terço dos dias de férias em relação aos trabalhadores
europeus. As políticas comunitárias, que tendem ao proteccionismo
sectorial, e a união monetária, que demonstra grandes fragilidades (o
autor antecipa a crise do euro com extrema acuidade), são também
factores que reduzem a capacidade dos europeus de competirem
efectivamente com os Estados Unidos.
A China – candidata a primeira potência mundial em 2041 (e de
primeira potência de facto até 1850) apresenta altas taxas de
crescimento económico. Mas também sérios problemas de crescimento e de
interdependência comercial. E não está, ou não estava em 2004, em
condições de competir tecnológica e militarmente com os Estados Unidos.
Assim, o declínio e queda do império americano será devido,
fundamentalmente, a duas circunstâncias internas: por um lado, o ruído
de fundo psico-social que está na génese da nação e é anti-imperialista,
tem por consequência uma constante ausência de voluntarismo para a
acção externa. Por outro, a dimensão da dívida pública e a consequente
permanência de um estado de crise orçamental – curiosamente, não por
causa dos gastos militares, que têm descido em relação ao PIB,
consistentemente, desde os anos 50.
O produto americano subiu de 10% do produto mundial em 1980 para 31%
em 2002 e a economia americana é duas vezes e meia maior que a japonesa,
oito vezes e meia maior que a chinesa e trinta vezes maior que a russa
(à data da redacção da obra). Os gastos militares dos EUA excedem o
conjunto dos orçamentos de defesa da União Europeia, da China e da
Rússia.
Os custos da invasão do Iraque e do Afeganistão, ao contrário do que é
muitas vezes propagado, foram marginais face ao PIB. Mas o peso do
consumo público e privado, bem como com a segurança social, está a
transformar a América numa nação vulnerável.
Conclusão
Manifesta-se no Século XXI americano a mesma má equação que aflige a Europa desde as últimas décadas do Século XX: a relação deficitária entre a demografia e capacidade do estado em manter as prestações sociais. A médio prazo os EUA podem ter que escolher entre pagar a dívida soberana ou as pensões. O professor de Harvard traça aliás um quadro muito negro do futuro financeiro e tributário dos EUA: mesmo que os impostos sobre o rendimento fossem aumentados para o dobro e em tempo real, a sustentabilidade do sistema a médio-longo prazo não estaria ainda assim garantida.
O recurso à tradicional e muito questionável solução de emitir mais
moeda já não é nada atraente, porque o correspondente aumento da
inflacção levaria inevitavelmente à subida das taxas de juro dos títulos
do tesouro e da dívida. Ora, os mais significativos detentores da
dívida americana são os chineses e os japoneses, o que é, em termos
geo-estratégicos e civilizacionais, talvez um pouco complicado. A
garantia contra a catástrofe está no facto de tanto os credores do
Império do Meio como os da Terra do Sol Nascente não estarem assim tão
interessados na ruína dos EUA como poderia parecer à primeira vista, já
que muito dependem da prosperidade dos mercados de consumo americanos.
Mas esta conjuntura económica pode sempre mudar, claro, e um dumping de
títulos da dívida do primeiro motor económico mundial é algo que pode
absolutamente mudar o universo como o conhecemos.
É que um império rico e forte não é necessariamente um império poderoso. Fergusson enumera 3 deficits
do império americano que contribuem para a redução da sua influência
global: o económico, por causa da dívida, o da força de trabalho, por
causa da inexistência de um corpo de quadros disponível a dedicar-se a
uma carreira além mares; e o deficit de atenção, na medida em
que o povo americano tende a relativizar a importância dos
acontecimentos políticos e militares externos e a colocar-se
instintivamente com políticas de cariz imperialista.
O
império em negação, que atribui recursos insuficientes aos aspectos não
militares das intervenções e que procura transformar os territórios
económicos e políticos dos países colonizados num prazo
irresponsavelmente curto, é também um império de gordos: “o fardo do homem branco desceu-lhe para a cintura“. E atenção. Nem é preciso que o império caia para que se crie uma perigosa “apolaridade” global“,
O futuro, em resumo, poderá revelar-se por algum tempo como apolar, um
mundo em que não haverá sequer uma potência imperial dominante, talvez
como o século IX mas sem o califado abássida”.
Niall Fergusson não é um prosador sobredotado. Mas, se compararmos
este “Colosso” com outras duas obras do autor publicadas em Portugal
(5), esta será talvez o trabalho de leitura mais aprazível e de tom
menos académico, apesar dos problemas já referidos e que derivam do que
aconteceu no mundo nos últimos 12 anos.
O autor pertence com certeza a uma tribo bastante assertiva de
adivinhos. Prevê a crise económica que rebentou em 2007 com espantoso
detalhe, profetiza o percurso da Moeda Única Europeia como se tivesse
entrado numa máquina do tempo para ver a coisa acontecer uns anos mais
tarde e palpita-lhe que o abandono precoce do Iraque poderia descambar
em algo como o Estado Islâmico. Mas também é verdade que a ignorância
sobre factos entretanto ocorridos, como a incapacidade de encontrar as
armas de destruição maciça no Iraque, que era segmento fundamental do
argumento para a invasão, impedem o bom professor de ter no seu leitor
um dedicado apologista. Ainda assim, e considerando o acerto de muitas
das suas previsões, será de levar muito a sério a perspectiva de uma
ruptura do sistema financeiro americano, que o autor anuncia como
incontornável. E uma consequente era de apolaridade que, atendendo
objectivamente às lições da história, não é nada recomendável.
Um dos mais interessantes contributos desta obra é que se trata de um
trabalho de vocação comparativa. O autor explica-nos outros impérios
para nos explicar o americano. E principalmente explica com mestria e
capacidade de síntese o Império Britânico. E é através desse esforço
dialéctico que percebemos as fragilidades de um “império devedor”, uma
excepção volátil às tradições imperiais anteriores, que investiam nos
territórios da sua esfera de influência e eram essencialmente entidades
credoras.
“Colosso – Ascensão e Queda do Império Americano” é um livro
inquietante e provocador, polémico na mesma medida que é lúcido. E que
por isso vive para além dos seus defeitos intrínsecos. E que por isso é
um documento de profundidade inegável. E, a espaços, bastante
assustador.
—
(1) Sapiens – De Animais a Deuses – Yuval Noah Harari – Campo das Letras Editora – 2015
(2) Islamofascism refers to use of the faith of Islam as a cover for totalitarian ideology. W. Schwartz. The Spectator . 2006
(3) Colapso – Ascensão e Queda das Sociedades Humanas – Jared Diamond – Gradiva – 2006
(4) Porque Falham as Nações – Daron Acemoglu e James A. Robinson – Circulo de Leitores – 2012
(5) – História Virtual – Niall Ferguson (Coord.) – Tinta da China – 2006; A Lógica do Dinheiro – Niall Fergusson – Temas e Debates – 2008
(2) Islamofascism refers to use of the faith of Islam as a cover for totalitarian ideology. W. Schwartz. The Spectator . 2006
(3) Colapso – Ascensão e Queda das Sociedades Humanas – Jared Diamond – Gradiva – 2006
(4) Porque Falham as Nações – Daron Acemoglu e James A. Robinson – Circulo de Leitores – 2012
(5) – História Virtual – Niall Ferguson (Coord.) – Tinta da China – 2006; A Lógica do Dinheiro – Niall Fergusson – Temas e Debates – 2008
Subscrever:
Mensagens (Atom)