sexta-feira, dezembro 30, 2011

Mensagem de Ano Novo.

Estes oito minutos de esplendor que constituem o prólogo de "Melancholia", a última obra prima de Lars Von Trier, falam por mim. Eu queria dizer que entre o caos e a mediocridade, entre a cobardia e a ignorância, entre a estupidez e a crueldade, no fulcro obstinado e apocalíptico de um mundo decadente haverá, ainda assim, um vestígio de esperança, uma frágil presença do que é belo, uma nano-promessa para o futuro. Mas o Lars diz isso tudo e mais alguma coisa. Feliz 2012.

quarta-feira, dezembro 14, 2011

O elogio da loucura.


Cumprindo a sua tristemente célebre tradição de equívocos, a revista Time acaba de eleger como Homem do Ano a turba que se manifesta. A turba que ocupa e conspurca a Wallstreet, como a turba dos fanatismos religiosos do Cairo, como a turba que incendeia Londres. São todas turbas justas e dignas de um título honorífico. Entre os laureados está este senhor na fotografia e os rapazinhos que violaram a jornalista Lara Logan em plena praça Tahrir.
A equipa editorial da Time, que em má hora teve esta triste ideia e que sofre de uma ingenuidade arrepiante e perigosa, parece acreditar que esta gente que se manifesta por esse mundo fora luta pela democracia, pelo estado de direito e pela justiça social. Ora, o que acontece é que os manifestantes do Cairo ou de Damasco, na sua maioria, pretendem apenas substituir regimes ditatoriais laicos por regimes ditatoriais religiosos; os manifestantes de Atenas pretendem tão só manter os seus privilégios de párias; os manifestantes de Nova Iorque fazem tudo o que podem para abolir o direito à propriedade e os manifestantes de Londres desejam muito simplesmente assaltar a loja de electrodomésticos e roubar o LCD necessário à plena fruição da Playstation 3 que compraram com o dinheiro do subsídio de desemprego.
A equipa editorial da Time, que tem uma visão infantil do mundo e que padece de um humanismo de centro esquerda que está a arruinar a civilização ocidental, elege agora como Homem do Ano o manifestante com a mesma displicência e ignorância que elegeu para o mesmo título em 1939 um senhor chamado Adolf Hitler. Ora, os movimentos de base populista patrocinados pela extrema esquerda europeia e pelo radicalismo islâmico constituem, hoje em dia, uma ameaça tão séria como na altura era já séria a ameaça constituída pelos movimentos de base populista patrocinados pelo partido nazi.
Compreendo a dificuldade em eleger para Homem do Ano seja quem for, neste mundo sem glória, nestes tempos de caos e mediocridade, mas, caramba, não pode ser essa a desculpa para uma escolha assim infame.

Ainda e sempre à procura da razão da matéria.


Ainda não foi desta que os senhores do CERN apanharam o Bosão de Higgs em flagrante delito, na gigantesca pista de corridas subatómicas que montaram para o efeito, mas - pelo que se soube ontem - estamos lá perto. É que já deu para perceber que esta ínfima coisinha deve ter uma valor de massa entre os 116 e os 130 Gev (Giga-electrãoVolts), e essa percepção permite apontar os detectores de forma mais precisa, pelo que em 2012 já devemos ficar todos muito entendidos sobre esta pergunta: porque raio é que existe matéria no universo? Ou não. A ciência não parece tão competente a encontrar verdades, como é eficaz a revelar mistérios. E assim sendo, desconfio bem que, encontrando finalmente a porcaria da Partícula que Deus teima em esconder-nos, vamos ficar um bocadinho na mesma. O universo usa e abusa da lógica das matrioskas russas. Mesmo a bonequinha mais pequena ainda terá lá dentro não sei quantas outras bonequinhas para nosso pasmo e entretenimento.
Podem pois estar descansados os padres de todo o mundo: não está para breve o arranjo de uma verdade absoluta que substitua os dogmas da fé.

sexta-feira, dezembro 09, 2011

O Natal do Sr. Alarcão

Por Artur Paixão


Vem aí o Natal, dia em que se celebra o nascimento de Jesus Cristo, festivamente, mas também, segundo consulta aturada, de qualquer individuo parido em qualquer dia do ano. Na minha cinzenta e ignorada biografia, que sou ninguém e nem sequer arrumo letras para fado vadio, não foi celebrado Natal nem mesmo por altura dos meus filhos, netos e bisnetos. Os sucessos ficaram-se pelos costumados cumprimentos da praxe, umas palmadinhas no costaço e uns sorrisos de simpatia e circunstância.
Nada de balões multicoloridos, espetadas do lombo, broas e rabanadas.
Diz-se que a Natividade assinala o parir de J. Cristo, da virgem Maria (!) ou de um Santo. Não sei nada desta intrigante trilogia, desta complicada associação que aliás, sempre me confundiu desde que há cerca de setenta anos atrás frequentava a catequese do padre Vitalino, embrulhado num bibe de quadradinhos verdes e pretos que detestava.
Assim como eu, os meus filhos, netos e bisnetos, os meus amorosos descendentes não tiveram festarolas e pançadas, espumantes e avinhados decentes. Tanto quanto sei o meu pai e meu avô não foram objecto desse tipo de festanças, parece-me que por força das severas tradições dum tetra-avô pouco dado a usanças que pusessem em perigoso desnorte as suas economias. Fraldas muitas e muito pó de talco para amenizar os ardores do rabito deve ter sido o que me foi dado quando me despejaram neste mundo chanfrado faz uma cabazada de Invernos.
Por mim sempre apreciei mais os arraiais de Santo António, em especial os de Alfama, talvez um tanto a escorregar para ritual pagão, no assar da sardinha com batata cozida com pele, pimentos e água pé e bailaricos bastante distantes do fervor devido ao bom do Sto. António; Alfama recheada de cantinhos, ruelas e travessinhas onde se beliscavam, animadamente, os traseiros de mulatinhas sorridentes e se acediam mais intimamente às rendinhas de algumas senhoras carentes, por entre os fumos das desilusões dos sessenta anos.
E depois, com os setenta e tal milhões que nasceram neste últimos anos, o planeta seria uma espécie de feira em festa permanente, cheio de balões a rebentar-nos nas trombas - um infatigável assar de entremeadas.
Ainda ontem, no andar de cima, nasceu mais um infeliz e o que ouvi foi um estrepitosa berraria e uma escaldante cacofonia de risos estridentes, fados, rumbas e, para meu completo desespero, o Quim Barreiros e o seu nefando fole.
Porém, a grande questão é que não sei como vou desencalhar-me este ano, caído como estou no fundo negro duma penúria total. Se a reforma não chega sequer para a ordem de despejo que não tarda aí, por via dos quatro ou cinco meses em atraso de rendas, como vou comprar as habituais peúgas, apitos, caramelos e toda essa tralha para a cambada, ainda mais quando estou a tentar reunir uns tostões para comprar umas alpargatas nos chineses para substituição dos destroçados chanatos que me arrastam as calosidades da planta dos pés pelo duro empedrado da calçada da Bica e o Pai Natal nas tintas.
Estoira-me a cachola na busca duma saída para esta desgraçada situação. E depois, aquela maldita consoada em que devo comparecer com o fatinho num fio, as mãos a abanar e um sorriso amarelo sem sequer os dentes que se foram em tempos já sem memória. E neste bocado de vazio, metido num buraco do caneco, passa no Chiado um desses bonecos de Carnaval de trunfa branca e bigode caído até ao saco testicular a gritar um ressonante “Hó Hó Hó", pago à hora, afora a barba, a gritar-me que é tempo de coisas boas e presentes para os meninos, mais para a botija que traz no bolso.
Arrasto-me no espelho deslumbrante das montras a rebentar para o que eles dizem, por entre odiosos néons TENHA UM NATAL FELIZ, UM NATAL DIFERENTE. Diferente, com certeza; feliz, uma merda. Leve agora e pague depois em suaves prestações. Levar, levava mas, quanto às prestações, nem as suavíssimas teriam nada de suave.
E depois, com este aspecto, sem cartões de crédito, sem referências nem, ao menos, um fiador creditado - perguntem ao meu senhorio - era mais do que certo que o insensível calmeirão da segurança me despejasse no olho da rua, rasgando-me provavelmente o resto das ceroulas que me restam.
Há-de haver uma solução. Parece-me viável intrometer-me numa dessas grandes superfícies onde a malta se entrechoca na busca dum consumismo desenfreado. Misturar-me nessa feliz multidão e enfiar, com descrição, as manápulas numas coisitas pequenas, coloridas e safar-me de peito cheio, sem passar pela caixa, como que distraído.
Não. Não tenho gâmbias nem frieza para me meter numa dessas, depois humilhado e exposto por razão duns cueiros e babetes para os miúdos, mesmo que ainda em saldo.
Pensei em apanhar uns tantos pombos sempre dependurados na varandita do casebre. Depená-los e assá-los no forno da padaria do Venâncio, um compincha da maior, por sinal padrinho do meu filhote mais velho. Não foi possível porque logo que os bicharocos me pressentiam, rumavam para os píncaros da capela mais próxima.
Outra ideia foi a de pedir ao Zeferino, famoso poeta de cantares populares aqui da Bica e meu habitual parceiro da sueca, que me alinhasse um poema de categoria, dramático, que metesse Cristo, Maria e cordeirinhos, para ler com emoção à cambada. Que não era muito do jeito, propondo-me uma desgarrada que ensaiaríamos na tasca do Careca onde ainda tenho uns créditos mal parados.
Ocorreu-me, em desespero, aplicar uma traulitada na cabaça dum desses policias de reconhecidos maus fígados, amacacados, da velha guarda que há por aqui à dúzia para me enjaularem, presumivelmente, até esmorecerem essas baboseiras do Natal mais a missa do Galo que é um frete de todo tamanho, tendo, antes, o cuidado de endereçar em tom dorido, um desses postais ilustrados alusivos à quadra de festas felizes e muita saúde, onde declarava que por motivos inesperados e de muita delicadeza, lamentava não estar presente como tanto desejava.
Pensando bem meti a ideia no saco dado que seria muito possível magoar a ossada em resultado dum retorno de bastonada, atendendo a que no momento do cometimento não teria ainda tomado o pequeno almoço e o grande - uma remota miragem. De construção débil, acabaria no hospital para aplicação de pensos rápidos e muito hematoma, distribuídos a esmo, sujeito depois a presença em Tribunal, que como sabemos despeja um malfeitorzeco no olho da rua num abrir e fechar de olhos, desde que não haja crime de sangue, o que infelizmente não seria o caso.
Subtrair as malinhas de velhas senhoras após operações junto dos Multibancos que não levantam peva e pelo contrário vão atulhar as máquinas de pagamentos com facturas da EDP do gás e da água sabe Deus com que sacrifício, que se está borrifando para estes detalhes, muito ocupado com as contas do Vaticano é coisa que não é do meu carácter.
Entretanto, a Santa Casa de Misericórdia recusou uma exposição muito bem elaborada, onde constavam até algumas citações da Constituição e balelas da Democracia, alegando que servia milhões de ensarilhados e que as verbas haviam caído drasticamente no que se refere a lotarias, totolotos e outras jogatinas bem como certas restrições impostas pelo Orçamento do Estado e que assim, as reduzidas verbas, não contemplavam donativos para as filhoses natalícias e outros assins de forma, aliás, muito comovente. Aproxima-se esse malfadado Dezembro e eu vazio de ideias e bolsos, quando, de súbito e enfim! me ocorre um processo infalível. Eureka!
Na Bica há uma série de transversais que descem no sentido do elevador. Há por ali umas passadeiras para peões com as marcadas desgastadas, pouco perceptíveis a olho nú, quanto mais para a malta carregada de dioptrias, com consultas agendadas no departamento desse tipo de zarolhos, míopes e ceguetas para daqui a pelo menos ano e meio. Ali a iluminação pública não vale um par de velas e a Câmara não liga nenhuma; os aceleras descem a abrir para evitar o mostrengo do elevador, a caminho do Papa Açorda e outros centros de gastronomia semelhantes.
Foi assim que saí do beco das Alforrecas, onde ainda assento a condenada ocupação apoiado na bengala do meu saudoso avô, caminhando, tropegamente, como convém a um sénior de vista curta, portador de deploráveis varizes há mais de vinte anos e pública consternação, metido no fatinho preto no fio, adornado duns óculos escuros para encher a encenação, e escolho uma geringonça de menos peso e aí estou eu, pisando a passadeira com a lentidão estudada, disposto a partir um par de costelas, pelo menos uma perna e algumas outras contusões avulsas.
Hospital de S. José ali à mão. Atropelamento por criminosa negligência - que o Seguro vai pagar - uma indemnização à vitima que deve pagar a substituição do fatinho preto no fio, dos chanatos rotos e de alguma roupa interior, que me vai permitir um justo repousar numa cama confortável; refeições decentes e muito amável carinho em volta.
A perna engessada e as costelas partidas e algumas intervenções de somenos não têm a menor importância. A cambada foi informada do lamentável acidente e apareceu em massa pelo dia da Natividade ou lá o que é. E ninguém esqueceu de me mimar com uma farta provisão de rabanadas salpicadas com canela, como tanto gosto.

Acho que o Pai Natal me vai oferecer esta máquina de guerra, que dá para matar muita gente:



Pena que não exista no mercado uma máquina para dar um tiro bem certeiro no José Sócrates, que essa sim, seria a mais bela das prendas de Natal.

Anti-facebook: os perigos do pacifismo.

"Pacifism is objectively pro-Fascist. This is elementary common sense. If you hamper the war effort of one side you automatically help that of the other. Nor is there any real way of remaining outside such a war as the present one. In practice, ‘he that is not with me is against me’. The idea that you can somehow remain aloof from and superior to the struggle, while living on food which British sailors have to risk their lives to bring you, is a bourgeois illusion bred of money and security. Mr Savage remarks that ‘according to this type of reasoning, a German or Japanese pacifist would be “objectively pro-British”.’ But of course he would be! That is why pacifist activities are not permitted in those countries (in both of them the penalty is, or can be, beheading) while both the Germans and the Japanese do all they can to encourage the spread of pacifism in British and American territories. The Germans even run a spurious ‘freedom’ station which serves out pacifist propaganda indistinguishable from that of the P.P.U. They would stimulate pacifism in Russia as well if they could, but in that case they have tougher babies to deal with. In so far as it takes effect at all, pacifist propaganda can only be effective against those countries where a certain amount of freedom of speech is still permitted; in other words it is helpful to totalitarianism."
George Orwell | Pacifism and War - 1941

Moleskine Power | Zangado com Deus.


terça-feira, dezembro 06, 2011

Uma possibilidade de vida.

Esta é uma representação mais ou menos fantasista do aspecto que pode ter o Kepler 22-b, um planeta semelhante à Terra, que cumpre uma órbita dentro da zona habitável de um sistema solar que dista 600 anos-luz da Terra.
A missão Kepler é a primeira da NASA que tem como objectivo encontrar planetas semelhantes à Terra na chamada zona habitável - ou seja, planetas cujas características e distâncias em relação à estrela do seu sistema permitem pensar na existência de água em estado líquido e de uma atmosfera que poderá ser compatível com a vida (segundo os nossos parâmetros, claro está). Com o Kepler 22-b passam a ser três os exoplanetas – planetas fora do nosso sistema solar – com condições para que a vida possa ser uma possibilidade.
Nos tempos que correm, isto é mesmo o melhor que a NASA pode fazer, porque de resto, está fechada para balanço.

segunda-feira, dezembro 05, 2011

The :Kubrik Experience


Mais uma experiência :Kubrik.

Terreiro do Paço Terreiro do Paço

Levo a vida passo a passo,
gasto as solas ao compasso
da cidade que pulsa e arde.
O Paço que passeio é um terraço,
o chão que piso é de ferro e aço
e vibra e brilha ao sol da tarde.

Terreiro do Paço, Terreiro do Paço,
Terreiro do Paço, já não sei o que faço.

Paro e tiro um cigarro do maço;
transitam transeuntes em cansaço
com a pressa que levam na boa.
Vão d’ombros caídos pelo Paço,
o destino é um cheirinho de bagaço
e de sonhos traídos à toa.

Terreiro do Paço, Terreiro do Paço,
Terreiro do Paço, já não sei o que faço.

Este é o movimento escasso,
é a praça que devagar devasso,
são as ruas do tempo que voa.
O futuro é um buraco no espaço,
esta é a distância que eu abraço
e roubo aos deuses de Lisboa.

Terreiro do Paço, já não sei o que faço.
Terreiro do Paço, já nem sei o que faço.

Anti-facebook: moral e política.

"Platão e Aristóteles nunca consideraram a política como algo separado, independente da moral. A separação entre ambas teve lugar mais tarde (...), com a aparição do individualismo. Para Platão e Aristóteles, o homem não é indivíduo, por um lado, e cidadão, por outro. O homem é cidadão e é precisamente no seio da cidade, do Estado, da polis, que se desenvolve como homem e, portanto, se moraliza."
J. M. Navarro Cordon, T. Calvo Martinez - História da Filosofia.

sexta-feira, dezembro 02, 2011

O apocalipse é isto aqui:


Na Holanda - só neste país esquizofrénico é que isto podia acontecer - o vilão Ron Fouchier e a sua incrivelmente estúpida equipa de aprendizes de feiticeiro conseguiram a duvidosa proeza de pegar no vírus H5N1 - o agente patogénico da gripe das aves - e manipulá-lo geneticamente para matar pessoas. O H5N1 original já era altamente letal para os humanos - cerca de seis em cada 10 vítimas sucumbiram à doença, mas, desde que foi identificado, este vírus infectou menos de 600 pessoas e sempre por contacto directo com aves infectadas. A nossa defesa contra a praga estava no facto do vírus ser dificilmente transmissível. A porta que se abre agora ao bio-terrorismo coloca porém a hipótese de um armagedão à séria, através da aniquilação de mais de metade da população humana. Enquanto Fouchier já tem garantido um lugar eterno na galeria da infâmia - ou nos anais da imbecilidade humana - a revista Science está a considerar se deve ou não publicar o seu trabalho. Afinal, é bastante necessário e até pertinente que os terroristas de todo o mundo fiquem a saber como é que se mata gente assim à fartazana.
Mais um dia de glória para a ciência.

quarta-feira, novembro 30, 2011

Anti-Facebook: a justa destruição.

"A geração dos seres existentes tem lugar a partir daquilo a que conduz a sua destruição, como é justo e necessário. E indemnizam-se e pagam o seu castigo uns aos outros por sua ofensa, segundo a ordem do tempo."
Anaximandro - Sec. VII a.C.

Moleskine Power | Heróis do Nosso Tempo


The :Kubrik Experience


Esta música inicia a apresentação do albúm "Dance Poetry". Este trabalho tem por base o registo de voz do PodCast "A Poem a Day", apenas com duas exepções, que publicarei mais tarde.
O conceito passa por criar música para alguns dos poemas e dos autores que me perseguem a existência. E assim sendo, tinha mesmo que começar com uma pequenina pérola do James Joyce:

Alone (feat. James Joyce) de :kubrik Alone, de James Joyce :kubrik

The noon's greygolden meshes make
All night a veil,
The shorelamps in the sleeping lake
Laburnum tendrils trail.

The sly reeds whisper to the night
A name-- her name-
And all my soul is a delight,
A swoon of shame. 

Tão bonito que até dói (à brava).

Esta versão de Hurt, um original dos Nine Inch Nails aqui levado à perfeição estética e ao clímax dramático por Johnny Cash, pouco antes de morrer, é de uma beleza transcendental. Sempre que vejo este clip sou esmagado por uma onda de emoção, uma espécie de contentamento infeliz que me invade o corpo todo. Trata-se, muito simplesmente, de um momento de eternidade. Comparado com isto, até o My Way, do Sinatra, parece uma musiquinha para adormecer bebés.


Johnny Cash | Hurt

I hurt myself today  
To see if I still feel
I focus on the pain
The only thing that's real
The needle tears a hole
The old familiar sting
Try to kill it all away
But I remember, everything

What have I become
My sweetest friend
Everyone I know,
goes away
In the end
And you could have it all
My empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt

I wear this crown of thorns
Upon my liar's chair 

Full of broken thoughts
I cannot repair
Beneath the stains of time
The feelings disappear
You are someone else
I am still right here

What have I become
My sweetest friend
Everyone I know
goes away
In the end
And you could have it all
My empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt

If I could start again
A million miles away
I would keep myself
I would find a way

Moleskine Power | O Platão não tem razão.





The :Kubrik Experience


Este é o primeiro tema retirado do álbum "The Soul Soundtrack" que reúne composições orquestrais e bandas sonoras de sites. Para ouvir ao fim da tarde.

Soul Search de :kubrik Soul Search :Kubrik

terça-feira, novembro 29, 2011

O (glorioso) regresso das Teclas Pretas.



Black Keys. A banda do momento, que sinto como a banda de sempre, está de volta. E em grande forma. Começo a ouvir estes dois e fico logo super bem disposto. E a culpa disto tudo é deste meu amigo aqui.

Fado de Santo Anselmo

É claro: já não há paciência para o Bono Vox
Nem para a sua música de supermercado,
Mas o rapaz estava certo, quando escreveu
Que tudo o que sabemos está errado.

Eu por exemplo, um caso ao acaso,
Pensava saber umas verdades, entre as pielas,
Eram minhas e eram-me queridas
E agora custa-me andar pela vida sem elas.

Uma dessas verdades que amava convicto
E de que sinto agora falta, foi um achado
Do Nietszche, que inventou a morte de Deus
Antes de se passar para o outro lado.

Mas depois de ler que o bom do Godel
Provou a errática dos sistemas aritméticos
E que o Heisenberg descobriu a incerteza,
Acho todos os cientistas patéticos

E comecei a pensar para comigo
Que o Demócrito é que tinha razão:
O cosmos mais não é que o produto caótico
De átomos tontos em rota de colisão

E comecei a pensar para comigo
Que Santo Anselmo, nos tempos saudosos
Em que a Terra era ainda plana,
Bem advertia os hereges teimosos:

Olhem que há qualquer coisa mais
No universo, amigos e amigas,
Do que pode em boa verdade admitir
O vosso entendimento de formigas.

Aliás, até Hamlet, que não era nenhum
Génio, sabia o que dizia:
Há fenómenos no céu e na terra, Hórácio,
Que não cabem na tua filosofia.

E mesmo Platão, que era tão assertivo,
Nunca conseguiu explicar com mestria
Porque raio é que até um carrasco
Pode ser fã da Nona Sinfonia.

E mesmo Stirner, que era tão esperto,
Ignorou a evidência dos factos por uma vez:
Ser dono de mim apenas não chega
Para pagar as contas ao fim do mês.

Por estas e outras é que me consola agora
Um certo agnosticismo religioso e desordenado.
Já ateu não sou e confesso que acredito
na imponderabilidade do fado.

Mais a mais, a cada dia que passa,
Fico com esta sensação triste e má
Que é um brincalhão que está sentado
Na cadeira olímpica de Jeová.

segunda-feira, novembro 28, 2011

The :Kubrik Experience


Depois de anos a tentar fazer qualquer coisa que se aproxime daquilo a que convencionalmente chamamos música, abri uma página aqui, com alguns dos temas que acho menos indecentes.

É claro que se trata de um registo amador, tanto no que respeita à produção como à prestação artística, mas estão todos convidados a ir lá vaiar ou patear, ou seja lá o que for que se faz hoje em dia, quando o ouvido protesta. No entretanto, fica já aqui uma amostra ruidosa:

Canção do Vento de :kubrikCanção do Vento :Kubrik

O meu verso é fechado,
não tem rima, não tem fado.
Eu sou quem não se encontrou,
tu vais onde eu nunca vou.

Não sei o que te diga, se te cante esta cantiga:
tu és a estrela e eu o cometa, planeta desfeito.
Tu vens de berço eleito, eu careta, provenho da proveta
e prisioneiro no nevoeiro, não sei se chego inteiro ao fim da cançoneta.
Tu és demais, voas p'las cartas astrais, sabes p'ra onde vais.
Eu sou de menos, reduzido a átomos pequenos, serenos locais.
É do inferno que eu sou. Tu chegas ao céu e ao cais.
Tu vais onde eu nunca vou.

O meu mundo é quadrado,
é um prisma só de um lado.
Eu sou quem não se encontrou,
tu vais onde eu nunca vou.

Para dizer a verdade, majestade, sou mais baixo de que a idade
e mais velho do que a medida. Tu és a minha vida e eu sou só metade
do que prometo, cometo o pecado de não ser suficiente e de repente,
tu deixas-me cair lento, com o vento.
Vou afogar a solidão nos copos da taberna,
caverna da servidão moderna, aberta para nunca mais.
É do inferno que eu sou. Tu chegas ao céu, chegas ao cais,
tu vais onde eu nunca vou.

O meu sonho sabe a pouco,
o destino não dá troco.
Eu sou quem não se encontrou,
Sou quem o vento levou.
Tu vais onde eu nunca vou.

Não chego para ti, já vi, fico curto aquém do bem e é melhor assim,
sem a erva ruim que envenena o teu jardim,
sem o mal que te faço, sem o ferro e sem o aço.
É melhor para o teu percurso, longo curso, linha aérea sobre o espaço.
Deixa-me por aqui de repente, monge doente no labirinto.
Vou afogar a solidão com uns copos de absinto,
no bar aberto para nunca mais. É do inferno que eu sou.
Tu chegas ao céu, chegas ao cais, tu vais onde eu nunca vou.

O meu verso é fechado,
não tem rima, não tem fado.
Eu sou quem não se encontrou
tu vais onde eu nunca vou.

O meu mundo é quadrado,
é um prisma só de um lado.
Eu sou quem não se encontrou,
sou quem o vento levou.

O meu sonho sabe a pouco,
o destino não dá troco.
Tu vais onde eu nunca vou
e tudo o vento levou.
 

domingo, novembro 13, 2011

Geocashing

Dizem-me que eu não viajo e perguntam-me porque é que não viajo.
Afinal, não sou um ignorante:
Devo concerteza perceber as vantagens e as glórias do turismo.
Querem que eu vá andar de bicicleta com eles
Ou que, pelo menos, vá ao ginásio suar com as multidões.
Dizem-me que é o preço a pagar pelo que fumo, pelo que como, pelo que bebo.
Sugerem o prazer de apanhar caixinhas
Que foram cuidadosamente escondidas
Algures nos interstícios do mundo.
Mandam-me para o médico com a mesma leveza insustentável
Com que me convidam para passear quilómetros sobre caminhos de ferro.
Fazem-me propostas irrecusáveis, tentadoras, fascinantes, exóticas, saudáveis!
Mostram-me clubes de desconto e restaurantes vegetarianos,
Roteiros e spas, resorts e pousadas e bares gay
E estrelas da mtv e youtubers e vídeos engraçados e fotografias pornográficas
E smart-phones e ipads e aplicações para processar os terabites disto tudo.
Recomendam-me vivamente, de olhos brilhantes, a dieta, a natação e o Nespresso,
Fazem planos para mim e por mim, sonham alto com a minha vida.
Parecem sinceramente preocupados comigo,
Como se me faltasse algo de fundamental,
Como se tivesse sido expulso de um qualquer e suspeito paraíso
E ainda nem tivesse dado por ela.

Ora, eu que acho simplesmente que tenho aquilo que mereço;
Eu que habito paraísos perdidos e não sei trabalhar com gps
E que por isso mesmo não podia nunca ser aceite no tal clube
Das pessoas que procuram caixinhas;
Eu que já faço desporto bastante, considerando o que me cansa;
Eu que acho, como o outro, que a Austrália é um país lindíssimo,
Desde que não me arrastem para lá;
Eu que não quero saber onde é que podia estar neste fim de semana
Porque na verdade só queria estar aqui, no carinho do meu escritório
A escrever precisamente estas palavras;
Eu que não tenho paciência nenhuma para o que a maior parte das pessoas
Acha que é engraçado ou divertido ou interessante ou saudável;
Eu, logo eu, que fico super constrangido com os gostos dos outros;
Eu que quero apenas ficar aqui quieto, no embalo do Steve Reich
E da trovoada que anuncia o Inverno;
Eu quero lá saber.
Todos vamos morrer e vocês também.
Vocês que andam pela vida de bicicleta e que fazem caminhadas,
Vocês que já encontraram cinquenta caixinhas no labirinto do inferno,
Vocês que têm assinatura no Holmes Place e que fazem a dieta da Primavera,
Sim, sim, sim,
Vocês vão morrer na mesma e - calhando - alguns até vão morrer primeiro que eu,
Porque a ciência é uma fraude,
O corpo humano é um mistério
E Deus não é um estilo de vida.

sexta-feira, novembro 04, 2011

Obra prima do momento x2

Depois de uma noite com o meu amigo Zé Aguiar, fiquei a ganhar dois momentos-obras-primas que desconhecia por completo (o abismo da minha ignorância é aterrador).


Music for 18 Musicians (Primeira Secção) - Steve Reich


Jesus' Blood Never Failed Me Yet - Gavin Bryars, Tramp & Tom Waits

Por estas e por outras é que ter amigos compensa.

sábado, outubro 29, 2011

Göbekli Tepe e a razão da religião.


Göbekli Tepe. Fixa este nome, caro leitor. Aqui, numa colina do sudeste da Turquia, prova-se que tudo o que julgávamos saber sobre as origens da religião, da arte e do engenho humano estava errado.
Göbekli Tepe é uma área de culto com onze mil anos. O templo que vemos nas imagens tem cerca de oito mil anos e foi erigido - cinco milénios antes das primeiras fundações de Stonehenge - por gente nómada, caçadores recolectores que não dominavam a escrita, a metalurgia ou a roda. As magníficas colunas aqui representadas, que pesam cerca de cinco toneladas e ascendem a seis metros de altura, são delicadamente decoradas com figuras de animais, deuses e sacerdotes, numa inaudita manifestação espiritual e artística. É que este é o primeiro templo conhecido que antecede o Neolítico e é aqui que tudo se complica.


Até agora, acreditava-se que fora a revolução do Neolítico - ou seja, a invenção da agricultura e a sedentarização - que teria levado ao desenvolvimento estrutural da religião e isto parecia fazer todo o sentido: aqui há coisa de 9600 anos, o fim da idade do gelo teria proporcionado, pela proliferação da fauna e da flora, condições para a domesticação de plantas e animais e a respectiva povoação em permanência de certos locais. Depois da fixação humana em aldeias agrícolas, a religião surgia naturalmente como resposta a uma actividade profundamente dependente dos factores climatéricos não dominados pelo agricultor, que ficava à mercê dos caprichos dos deuses para obter uma boa colheita. Dentro desta linha de pensamento, a criação de locais de culto implicava a pre-existência de uma sociedade sedentária com níveis elementares de especialização profissional e cooperação social.
Ora, o que Göbekli Tepe demonstra é que o processo pode ter sido inverso. Senão em todas as circunstâncias da evolução humana, pelo menos em algumas terá sido a religião que gerou o desenvolvimento agrícola e não o inverso: com o degelo, o espanto por um novo mundo natural que se revelava, a reverência pela capacidade de mudança e regeneração de um ecossistema que passa a enquadrar as 4 estações do ano conduz à prática religiosa. A criação de locais de culto megalíticos, onde são celebrados rituais periódicos por milhares de pessoas terá implicado a necessidade de um pensamento logístico que providenciasse alimentação e abrigo para as multidões reverentes. O fenómeno religioso cria assim condições para a invenção da agricultura e da domesticação dos animais, a sedentarização, a manifestação artística e a complexidade dos papéis sociais.


A noção de que a capacidade de transcendência do Sapiens é a sua primeira ferramenta no caminho para a modernidade seria ainda hoje herética, se a evidência arqueológica em Göbekli Tepe não surgisse com esta notável eloquência, com esta arrogante elegância, com esta irónica magnitude. Isto embora o bom senso nos ensine - de caras - que a religião é resultado da imaginação humana e que a criatividade tem sido - a par com a agressividade e a ganância - um dos grandes motores da história. O problema da ciência, como de qualquer outra actividade humana, é que vive de dogmas. E os dogmas, mais tarde ou mais cedo, demonstram-se incapazes de explicar a natureza do cosmos. E é assim que aprendemos, todos os dias, que aquilo que pensamos saber está errado. E é assim que aprendemos, todos os dias, como somos ignorantes de tudo.

domingo, outubro 16, 2011

Indignada ou invejosa?


Ontem eram a geração à rasca, hoje são os indignados. A extrema esquerda está sempre a esconder-se por dentro de eufemismos deste género. Os ideais não mudam, são os de sempre, mas a nomenclatura está em perpétua metamorfose. O PSR - Partido Socialista Revolucionário - passou rapidamente a Bloco de Esquerda, para ganhar legitimidade eleitoral através da cosmética e quando o Partido Comunista vai a votos não é PC, é APU, é CDU, é um outro acrónimo qualquer inventado à pressão para aliviar os incautos do peso da ideologia paleolítica e dos equívocos históricos.
Ora, eu acho que esta gente devia, em boa verdade, assumir a sua indigência e declarar apenas isto: "olá, sou contra a propriedade privada e estou aqui para ver se convenço a malta a ir roubar um plasma à Worten." Seria talvez mais eficaz mas, sobretudo, seria concerteza mais honesto.

terça-feira, outubro 04, 2011

Speed Freak (2)


Agradecimentos: João Paulo Fernandes (fotografias) e Alexandre (alimentação eléctrica)

Deus é grande.

E uma coisa é certa: ainda sou perfeitamente capaz de me embebedar.

Em desacordo com o silêncio.

Tempos houve em que aqui no blog se escrevia fartamente, bem e mal. Escreve-se quase nada, nos tempos de agora. Escrevo cada vez menos que é como quem diz: penso cada vez menos.
Não tenho vagar para pensar. Não porque me escasseie o tempo, mas porque me falta o tesão. Mantenho-me neste silêncio que é um silêncio resultado da dificuldade de entender o mundo. E da humildade a que os anos obrigam. E da arrogância que os anos exigem. Limito-me a alguns, moderados, hábitos de sempre: a música a bombar, os livros a sério, as corridas virtuais. Este blog transformou-se num registo de costumes. Sim, coitado do Blogville, tão vulgar de existências! Sim coitado do seu autor, tão despejado de inspiração que consegue apenas um ou dois poemetas por trimestre, se tanto! E sim, outrossim, coitado do Hasse Paixão que está agora mesmo a rebolar-se convulsivamente por saudades da inocência do outro maluco que dissertava aqui sobre a heteronímia de Platão, o erro de Einstein, as Variações de Goldberg, a herança de Homero, as Vozes da Poesia Europeia ou a Mitologia da Saudade.
Pobre blogger sem musas, que é feito de ti, tagarela?

sábado, outubro 01, 2011

Obra prima do momento - o ataque dos nerds.


Two Door Cinema Club | Undercover Martyn

Estes irlandeses são bastante esquisitóides, mas o som até manda ventania.

quinta-feira, setembro 29, 2011

Speed Freak (1)

Doze anos de insistência e finalmente uma slot enorme, a bombar a 100%, com vinte e cinco automóveis por onde pegar. Lindo, não é?

De acordo com o silêncio:

"Não é possível eu dizer para alguém: Fale mais alto, berre, pois sou surdo. Como pode abandonar-me o único dos sentidos que em mim deveria ser maior que nos outros?
Ludwig van Beethoven

Ai, meus irmãos! Sabemos talvez um pouco demasiado sobre todos nós! E muitos há que se nos tornam transparentes, mas ainda assim não o suficiente para que os consigamos penetrar. É difícil viver entre os homens: é tão difícil o silêncio.
Friedrich Nietzsche

Oh, eu morro, Horácio. O potente veneno já vence o meu espírito. Não posso viver para ouvir as notícias da Inglaterra, mas eu deveras prevejo que a eleição brilha sobre Fortinbras. Ele tem meu voto moribundo; diga-se-lhe isso, com os incidentes, grandes e pequenos, que serviram de motivação. O resto é... silêncio. (Morre).
Hamlet - William Shakespeare

Obra prima do momento ou a banda das cento e cinquenta malhas (3)



The Pigeon Detectives | Everybody Wants Me

Obra prima do momento ou a banda das cento e cinquenta malhas (2)




The Pigeon Detectives | I'm Not Sorry

terça-feira, setembro 27, 2011

Obra prima do momento ou a banda das cento e cinquenta malhas (1)



The Pigeon Detectives | Take Her Back 

Destes rapazinhos aqui conheço três discos. Destes 3 discos seleccionei "apenas" 30 músicas para a playlist do itunes onde só coloco grandes malhas. Impressionante. É um heat atrás do outro. Pinguins Detectives. Sim, senhor. Uma banda que recomendo vivamente para aliviar o aborrecimento da existência.

sexta-feira, setembro 23, 2011

Anti-Facebook: admoestação à Terceira República.

"Apóstolo do erro, moralistas e políticos! Depois de tantos indícios da vossa cegueira, pretendeis esclarecer o género humano? Se as vossas ciências ditadas pela sabedoria só serviram para perpetuar a indigência e os sofrimentos, dai-nos antes ciências ditadas pela loucura, conquanto elas acalmem os furores e aliviem a miséria dos povos. Eis filósofos, os frutos amargos das vossas ciências; indigência e mais indigência: entretanto afirmais ter aperfeiçoado a razão, quando soubestes apenas conduzir-nos de abismo em abismo."
Charles Fourier | Teoria dos Quatro Movimentos | 1808

terça-feira, setembro 20, 2011

Da natureza do riso.


Na imagem, Torres agoniza, após ter falhado um golo de baliza aberta. E os malucos do Man United mal se aguentam de felicidade. Um dos meus novelistas preferidos - Stendhal - diria: "Rimo-nos pelo prazer do amor-próprio."* E diria muito acertadamente. O humor é uma arma de nós contra os outros, de mim contra ti; uma espécie de tique tribal, um instrumento de afirmação pessoal.


Agradecimentos: Futebol Veteranos de Tremez
* Do Riso - Um Ensaio Filosófico Sobre um Tema Difícil

Obra prima do momento - Redux.




The Airborn Toxic Event | All I Ever Wanted

sábado, setembro 17, 2011

Uma cosmogonia na Casa da Música.



Wagner demorou 26 anos a escrever o Anel do Nibelungo, uma obra para mais de cem músicos com cerca de quinze horas de duração, que estabelece um cânone supremo sobre a cultura alemã. Este fim-de-semana, na Casa da Música, desenrola-se uma feliz adaptação sintetizada para 20 músicos (Remix Ensemble) e 9 horas de comprimento. Estou neste momento, saído da segunda jornada - A Valquíria, a meio da aventura. Às 21h00 volto para lá. E amanhã lá estarei outra vez, até ao fim do sonho mítico de Wagner. E, na expectativa da vingança de Siegfried, sinto-me neste momento um ser humano verdadeiramente privilegiado.

sexta-feira, setembro 16, 2011

Obra prima do momento - A bombar com aparato sinfónico.



The Airborn Toxic Event | All I Ever Wanted (Live from Walt Disney concert Hall)

Anti-Facebook: a opinião das massas.

Não submeta as suas ideias ao voto popular. A opinião das massas raramente é inocente e muitas vezes está errada. Maioria não é sinónimo de certo, nem tão pouco dá qualquer garantia.

In "Dez Mandamentos da Universidade Criativa" - IADE - 2011

quarta-feira, setembro 14, 2011

O rosto da depressão.

Depressão é a incapacidade de construir um futuro. Rollo May


O rumor em Washington é que Barack Obama sofre de um grave caso de depressão.
Tem boas razões para isso. Tem boas razões para estar deprimido aquele que vai ficar para a posteridade como o pior presidente da história dos Estados Unidos da América.
Tem boas razões para cair numa tristeza patológica quem finalmente, tardiamente, conclui que não está minimamente preparado para o mais exigente emprego que o império tem para oferecer. Tem boas razões para não querer sair da cama o infiel que quis fazer da América uma grande Islândia, com serviço Nacional de Saúde e tudo. Tem boas razões para se sentir baixo, inútil, incapaz, o senhor que prometeu dois milhões e meio de empregos inexistentes e que se limitou a perder quatro vírgula nove milhões de empregos existentes. Tem razões para encarar seriamente o suicídio o irresponsável que elevou a dívida federal de 3 para 11 por cento do produto interno bruto. Sim, é natural que precise desesperadamente de uma dose farta de fluoxetina o infame que praticamente mandou fechar a NASA. O palerma que gastou não sei quantos biliões de dólares da bolsa do contribuinte para estimular um programa de "green jobs" que, só na Califórnia gerou o número astronómico de setecentos empregos e em toda a federação, menos de trinta mil. O mesmo palerma não tem, de facto, razões para sorrir quando pensa que foi anunciar o falso triunfo da mesma política nas instalações da Solyndra, empresa exemplo, financiada pela sua administração, que entretanto já tinha gasto todo o dinheiro e que anunciou a falência um ano depois do triunfante discurso. Um fraquinho incompetente que usou o desastre do Golfo para vender o seu abstruso plano ecológico e que falhou até em trazer os jogos olímpicos para Chicago, tem mesmo que estar com graves problemas de auto-estima.
Um tagarela que gosta de reinventar a história com discursos adolescentes que, sem deixarem de ser pomposos, são prolixos em referências inexactas e equívocos de colegial; um mãos largas que tornou os apparatchiks do estado nos funcionários mais bem pagos do país; um estarolas que fez crescer a dívida federal de dez triliões de dólares em 2008 para catorze triliões de dólares em 2010; um gastador crónico que está sempre a querer sacar mais dinheiro aos outros para continuar a alimentar o vício de gastar, convenhamos, não pode estar feliz.
E sim, sim, tem excelentes razões para sucumbir ao insustentável peso da existência o desgraçado do pedante que devolve aos ingleses o busto de Churchill; o ignorante que casou com outra ignorante que não sabe que lhe é interdito o contacto físico com a Rainha de Inglaterra; a criatura que é Nobel da Paz sem saber ler nem escrever e que mesmo assim não conseguiu fechar Guantanamo (Deus é grande, não é?) nem deixar de bombardear a Líbia sem o famoso beneplácito do Conselho de Segurança das Nações Unidas (só aos presidentes eleitos pelo democratas é concedido o livre arbítrio em relação a possíveis agressões internacionais); o miserável maometano que se verga perante os príncipes sauditas como um vulgar e bom súbdito, que vai permitindo ao Irão elevar-se como uma potência nuclear, que prefere a diplomacia com terroristas do que defender o seu aliado natural, o seu aliado de sempre no médio oriente: Israel.
Percebe-se bem que esteja nas lonas, sem ânimo e sem energia, o homenzinho que, sem apelo nem aviso, desactivou o escudo nuclear que protegia a Polónia, que mandou retirar do Iraque com o trabalho a meio, desonrando assim as vidas dos soldados americanos que lá se perderam; que mandou retirar do Afeganistão com o trabalho a meio, desonrando assim as vidas dos soldados americanos que lá se perderam e garantindo um triunfo de profundo alcance geo-estratégico aos radicais islâmicos.
É natural que precise de se esticar no divã do psicólogo o atrasado mental que tem feito tudo, mas tudo, para apequenar o que um dia constituiu a grandeza da América: o individualismo e a liberdade de iniciativa, a imaginação e a capacidade industrial, o voluntarismo e a volição civilizadora, a ideia de um estado de direito, magro, decente, criado pelos cidadãos para servir os cidadãos, tímido nos impostos e valente nas guerras, altruísta nos valores e imperialista na diplomacia.
Barack Obama tem boas razões para ter vergonha e tem boas razões para desistir e tem boas razões para pedir perdão aos pais fundadores, semi-deuses cuja herança veio usurpar. Em apenas 3 anos, o feiticeiro que vendia esperança aos crédulos, revelou-se o logótipo humano da desilusão global, o falso profeta, o vil herói, a promessa de polipropileno que realmente sempre foi. A cara chapada deste deprimente início de século.

Obama e Israel:




Obama e o escândalo Solyndra:


Obama em negação:


A herança de Obama:

sábado, setembro 10, 2011

Anti-Facebook: a queda.

"Caí pela escada abaixo subitamente,
E até o som de cair era a gargalhada da queda.
Cada degrau era a testemunha importuna e dura
Do ridículo que fiz de mim."

Álvaro de Campos

Vêm aí os hunos.


O maior espectáculo do mundo está de volta. Deste fim-de-semana até ao fim de Fevereiro, é porrada que ferve, à mistura com alguns ataques de brilhantismo. As long as the Devil plays quarterback, may God Bless America.

quarta-feira, setembro 07, 2011

Anti-Facebook: um recado de Gibbon.

"Os Godos reuniram os livros de todas as bibliotecas e estavam prestes a incendiar esta pilha funerária da sabedoria grega, se um dos seus chefes, dotado de um sentido político mais refinado que os compatriotas, não os tivesse dissuadido de tal desígnio com a profunda observação de que, enquanto os gregos estivessem ocupados com o estudo dos livros, jamais se dedicariam ao exercício das armas. O sagaz conselheiro raciocinou como um bárbaro ignorante. Nas mais civilizadas e poderosas nações, génios de todos os géneros têm-se desenvolvido quase ao mesmo tempo, e a idade da razão foi, regra geral, a idade da virtude e do sucesso militar."

Edward Gibbon | Declínio e Queda do Império Romano

Auto-Retrato como Apóstolo Paulo - 1661


De todos os auto-retratos de Rembrandt (e são uns quantos), este é o que mais me fascina. Não pelo tema do apóstolo que considero de importância marginal, mas talvez pela autenticidade com que o mestre se mostra, sem esconder a fraca figura e a usura dos anos. Mas talvez pelo olhar resignado e sábio de quem sabe já da vida o que a vida permite que se saiba, mas talvez pelas sobrancelhas arqueadas, interrogativas, num feitiço de mago antigo. Mas talvez porque sempre que vejo Rembrandt assim, pelos olhos dele, o oiço a perguntar-se: "afinal, porque raio andei para aqui metido em trabalhos?" A obra deste homem prodigioso está toda ela envolta num manto de sinceridade pungente, de verdade indomável. Mas este retrato em especial arrepia-me até ao fundo da alma. Mesmo.

terça-feira, setembro 06, 2011

Anti-Facebook: famous last words.

"Conta-se que um poeta maldito do segundo império, Theodore Pelloquet, vagabundo e bêbedo que ficou afásico, ao tentar no seu leito de morte exprimir aos seus próximos a sua última vontade só conseguiu pronunciar a primeira sílaba: abs..., sem que se conseguisse saber se queria um copo de absinto ou a absolvição dos seus pecados por um padre."

Robert Bréchon - Estranho Estrangeiro - Uma biografia de Fernando Pessoa

quinta-feira, setembro 01, 2011

Davidoff Lights


No último cigarro é que está o mistério.
A desfocada presença dos deuses ajuda ao entendimento do mundo e
há glória grande no derradeiro sopro nicotoíde
que se esfuma em sonhos brancos de solidão e desespero.
Não importa que falem os filósofos sobre a angústia sem filtro,
que protestem as multidões em baforadas de despeito:
no último cigarro é que está o mistério.
Fumar vale a pena por causa disso.
Disso de podermos consumir os deuses enevoados,
génios efervescentes à procura de uma saída da lamparina da história
que é um maço de tabaco.
Fumar faz bem aos pulmões da razão
e é com tristeza imensa e saudade grande
que nos despedimos da beata derradeira na gare mundana e ferroviária
de um cinzeiro.
Adeus, adeus, cilindro-falo, muleta da existência,
companheiro dos nervos e das insónias,
fiel depositário da confiança nenhuma, cinza pura no chão do Inverno.
Aspiro, inspiro, recebo a bênção e a libertação no carvão em fogo,
por dentro da mortalha:
no último cigarro é que está o mistério.
Photobucket

segunda-feira, agosto 29, 2011

Há um buraco no céu.


Há um buraco no tempo e eu entro.
Há um paradoxo pela memória adentro,
Um negativo inverso que se faz tarde e eu vou.
Há um epicírculo, um centro, um vórtice que se fechou,
Por onde o vácuo se esgota e a morte se dissemina.
Há um buraco escancarado na consciência assassina,
Um autismo elíptico, sinusoidal, genomático,
Um síndroma celular de gatilho automático,
Uma singularidade voraz, uma convocatória,
Uma doença de cadáveres na peste fotográfica da história.
Olho lá para o fundo e afundo-me:
É ao diabo que dedico esta dedicatória.
Regresso ao inferno com febre de me perder,
Dou-me para ser esquecido e esqueço-me de me esquecer.
Há um buraco no céu com rugas de sangue e eu entro e eu sou
Esse apocalipse que me chama para onde estou,
De volta e sem retorno, de vez e eu vou.

Há um buraco no céu e eu entro,
Há um paradoxo pela memória adentro.
Há um vórtice que me devora e a vertigem cresceu.
Há um buraco anti-matéria na súplica de Orpheu,
Um fantasma anónimo que desapareceu.
Há uma fonte que secou e não sei de que nascente nasceu.
Há uma súbita ausência de tudo o que aconteceu.
Há um um iato, um silêncio, um vazio redondo no estrondo que se deu,
Há um poço sem fundo no fim do mundo,
Há um buraco sem véu nas velas do céu,
Há um vento que beija o deserto que ardeu,
Há tanto para ganhar como o que se perdeu
E eu já não sei se a vida que existe é a vingança de Prometeu
Ou uma cratera lunar no azul que amanheceu.
Há um buraco no céu e a alegria morreu
E a alegria morreu.

sábado, agosto 20, 2011

Blues Explosion #2



Black Keys - I Got Mine

Obra prima do momento - Cinema



Das Weisse Band, de Michael Haneke. Uma fita para a eternidade.

Rocketville #0_Código Postal ou o elogio do foguetão.





Sonho com o dia em que deuses astronautas me elevem da terra,
À boleia de um opiário sideral.
Não me importa o destino nem o improvável regresso ao planetário natal.
Não quero saber das saudades:
Nas profundezas do espaço hei-de encontrar Portugal.
Anseio por que me raptem lagartos indígenas de galáxias obscuras,
Mestres e divindades e imperadores das alturas,
Almirantes rendidos às forças do mal,
Astronautas que me elevem da terra, numa boleia sideral.
Sacrifico-me às piores torturas, à agonia das imponderabilidades
E ao esquecimento final;
Quero é partir foguetão, com tonturas e fatalidades de inércia astral!
E não me venham com as saudades:
Há um cosmos de localidades
E eu, com mil diabos, hei-de encontrar Portugal.