quinta-feira, janeiro 27, 2005
O futebol profissional não é um desporto.
terça-feira, janeiro 25, 2005
O Escondidinho do Largo do Rato.
A estratégia do PS para garantir a maioria absoluta é um objecto fenomenológico de primeira grandeza académica. Quem tenha a desgraçada intenção de fazer tese sobre a jovem democracia portuguesa, deve elevar esta circustância a paradigma. Em 30 anos de Terceira República, o Estado tornou-se num tal monstro de complexa mediocridade, que Sócrates sabe bem da reduzidíssima margem de manobra que o seu governo vai ter para ser diferente dos outros. Obstinado em não dizer nada que o comprometa, o Secretário Geral do PS cala-se muito bem caladinho, deixa-se ficar escondido no labirinto do Largo do Rato e espera que Santana cometa a sua generosa média diária de dislates. Não admira que se escuse a raposa à gentileza de esclarecer os portugueses sobre a ideia que tem para conduzir a Nação, se é que tem alguma. Não admira que fuja de inócuos debates televisivos, onde se discutem coisas insignificantes como a insustentável dívida pública ou a lastimável Constituição Europeia com adversários menores, cujo potencial eleitoral não justifica o risco nem vale o incómodo.
Ora, é precisamente para que o eleitorado perceba os valores, as intenções, os programas, a capacidade e o carácter dos candidatos, que existe na democracia a figura da campanha eleitoral. Acho eu. Com esta filosofia draconiana de utilizar a lei do silêncio para atingir o objectivo da mínima governabilidade, os socialistas estão a dar uma péssima imagem da democracia contemporânea. E ainda agora começaram.
domingo, janeiro 23, 2005
sexta-feira, janeiro 21, 2005
Quarteirão (ainda a propósito do O'Neill).
Catrapás no chão de laje dor!
Assoa-se aos teus lençóis (depois de termos lá deixado o amor),
a vizinha do segundo esquerdo, criatura infeliz.
Que nojo, vizinha, que nem adivinha onde põe o nariz.
Nas traseiras correm os ratos em debandada
e os gatos atrás deles, com barafunda assanhada
enervam o perneta, que se balança na cadeira ansiosa,
liquefeito em metastase cancerosa.
A sério que gosto destes bastidores,
gosto mesmo da tua vizinha que nem adivinha os odores
do amor escarrapachado no pano.
E juro que gosto daquele fulano, que se enerva com os gatos.
quinta-feira, janeiro 20, 2005
O Cravo Bem Temperado ou como compor com a pauta toda.
"Não me preocupa a sensibilidade dos mortais.
A minha música destina-se aos ouvidos de Deus."
Johann Sebastian Bach
Da maneira que eu tenho de ver as coisas, só há dois períodos na história da música: as trevas da época Pré-"Cravo Bem Temperado” e a idade da luz que se lhe seguiu. Passo a explicar.
Em 1691 um musicólogo mais ou menos obscuro de Halberstadt, Andreas Werckmeister, publica um opúsculo no qual presenteia a humanidade com “as verdadeiras e claras instruções matemáticas” para afinar qualquer instrumento de teclas. Este revolucionário documento revelava aos músicos que era possível afinar o orgão de tal forma que este pudesse tocar, num dado momento, todas as notas. Simplesmente porque os tons e os meios tons não eram uniformes, até esta altura cada obra tinha que ser composta apenas num número limitado de notas, retirando ao compositor a possibilidade básica de escrever música fazendo recurso à integral diversidade da sua escala...
Subdividindo a oitava em doze meios-tons de rigorosa uniformidade, Werckmeister propunha uma solução user-friendly para que, de uma vez por todas, fosse possível escrever música em todos os tons.
Como sempre acontece na história das ideias, a tese iluminada de Werckmeister não encontrou receptividade imediata junto da comunidade musical europeia. Isto, até que, 30 anos mais tarde, um vanguardista do barroco percebesse que aquela era tão só a pedra filosofal da inventiva melódica.
Filho de músicos e musicólogos, amigo de construtores de orgãos, nascido e criado em plena oficina da música, Johann Sebastian Bach era, para além de tudo o resto, um muito competente mecânico. Uma bela manhã, devidamente inspirado pelas mais belas musas que já habitaram o Olimpo das artes, Johann colocou mãos à obra, afinou o seu cravo da forma equacionada por Werckmeister e começou a escrever exercícios de interpretação, levando a sua composição a um nível de complexidade cromática nunca antes experimentada. Concluídos em 1722, estes 48 prelúdios e fugas constituem uma obra de arte incomparável, não só pela mestria do contraponto e da delirante diversidade formal, mas porque usufruindo finalmente de uma liberdade técnica nunca antes imaginada, Bach deu-se a excessos de expressão estilística, justaposições caleidoscópicas de estados de alma e contemplações poéticas que deixariam qualquer Baudelaire em pranto catatónico.
Não que a intenção de Bach fosse compor uma obra prima. Tratava-se antes de um trabalho com fins lúdicos e pedagócicos e o título não deixa equívocos: “O Cravo Bem Temperado, ou Prelúdios e Fugas em todos os tons e semi-tons, ambos com a Terceira Maior ou Dó, Ré, Mi e com a Terceira Menor ou Re, Mi e Fá. Para uso e prática de jovens músicos que desejam aprender, bem como para diversão daqueles já versados no estudo.”
Na verdade, Johann sempre achou este trabalho uma obra menor, de natureza meramente académica. Apesar da modéstia dos seus sucessos em vida, Bach sabia bem (como o sabem todos os eleitos) que o seu talento permaneceria pelos concertos da posteridade e pouco desejaria ver-se celebrado como um simples professor de contraponto.
Três séculos depois, é apenasmente considerado o mais genial compositor de sempre. E o Cravo Bem Temperado contribuiu, em boa parte, para a sua coroa de glória. Afinal, não fosse o engenho divino desta obra e toda a música que foi criada depois seria muito, mas mesmo muito diferente.
terça-feira, janeiro 18, 2005
O Senado da Nação.
Aquilo que devia ser uma conversa sobre o lastimável estado da nação, não passou de um desmaio. Muito por culpa de
FREITAS DO AMARAL , que chegou nitidamente ao estado Monty Python, um ponto ontológico de tal forma dadaísta que, a julgar pelo discurso, podiamos muito bem estar a ouvir um dirigente sindical, um bloquista ou um outro qualquer monumento à dialéctica bolorenta de Chomsky. Freitas do Amaral é um personagem que merece alguma atenção clínica. Deixado a sós com a dívida astronómica da campanha "P'ra Frente Portugal", afastado pelo partido que fundou, reduzido à insignificância pela diplomacia americana, quando em desempenho das suas funções como grande chefe da Assembleia das Nações Unidas (um dos organismos mais inócuos da história da humanidade), o homem perdeu a razão pura, a razão prática, o juízo, o bom senso e a sanidade. Um dos mais carismáticos protagonistas da direita cristã portuguesa é hoje um excêntrico que não consegue esconder o ódio. Para seu rídiculo, a primeira intervenção que teve no debate sobre a condição nacional foi dedicada à ameaça Bush. Desculpou o pesadelo da administração pública com a incompetência dos empresários e clamou por justiça social. Demonstrou um enorme autismo perante as insatisfações dos portugueses e preocupou-se sobretudo em manter coerente o seu tributo póstumo à herança ideológica de Maria de Lourdes Pintassilgo. Não foi por acaso que foi sentado à esquerda de
MÁRIO SOARES, que fez - nas palavras de um realmente sábio amigo meu - o favor imenso de se conseguir manter acordado. Não falou uma vez na Europa (logo ele - o grande europeísta) mas trouxe por duas vezes os americanos à má língua. Recusou-se a falar de soluções, preferindo invariavelmente o esquema politiqueiro que lhe agrada tanto (os velhos hábitos têm morte lenta). Fez, descaradamente, campanha eleitoral, dando um magnífico exemplo de sentido patriótico, só mesmo suplantado por
PINTO BALSEMÃO, que chegou ao cúmulo banditista de dizer: ainda bem que não são os portugueses a tomarem conta das suas contas. Entre outras vulgaridades deste calibre 55, disse o senhor também que o melhor, o melhor, não era bem um pacto de regime no decorrer do próximo mandato, mas sim um acordo de cavalheiros sobre duas ou três questões mais pertinentes, apenas possível - na sua sagaz e experimentada opinião - se for concretizado antes das eleições (a ingenuidade roça a demência). Pinto Balsemão é, na verdade, um zombie desinteressante, principalmente quando ao seu lado está um homem chamado
ADRIANO MOREIRA, velha raposa do deserto lusitano que despachou a coisa com uma mão cheia de afirmações escolásticas, do género: mudou o paradigma, vamos mudar de cuecas. Este homem foi meu professor, é um ser humano enorme, tenho carinho por ele e total confiança na sua honestidade intelectual. Mas nunca conseguiu deixar de ser um académico e o país, que nem acabou o liceu, não percebe nada do que ele diz.
Por isso, quando Miguel Cadilhe, que felizmente não pertence ao senado e estava ali em video-conferência, começou a dizer da sua verdade, pareceu-me que tinha afinal cedido à tentação de mudar de canal. Mas não. Houve de facto alguém com coragem para dizer que é preciso reduzir o Estado a dois terços e que se isso não acontecer podemos estar perante a ruptura regimental.
E só por estes dois minutos de coragem suprema, valeu a pena levar a seca do p'rós e contras desta noite, programa que, excepção feita, tenho o higiénico escrúpulo de não frequentar.
segunda-feira, janeiro 17, 2005
O Mataboches ou porque é que eu gosto tanto, tanto, tanto do O'Neill.
passarem em sucessivas vagas,
para, depois, do seu buraco, os dizimar pelas costas,
está que não pode.
Reformado da fábrica onde, até há poucos anos,
aproveitando as espertinas de ex-gaseado,
guardava as larápias sombras da noite,
o Mataboches já nem à taberna vai.
A filha, antes de sair para o trabalho,
deixa-o sentado à janela, entre canário e sardinheira,
com um mata-moscas à mão.
E o Mataboches passeia o curto-alcance dos seus olhos
do amarelo ao rosa,
vigiando mosca e varejeira.
Às vezes apanha chuva e larga a rir
(por ser regado ao mesmo tempo que as sardinheiras?)
um riso que põe o canário, espavorido,
a harpejar as barras da gaiola.
Penugem amarela rodeia o Mataboches.
Ele não dá por nada; dá a filha,
que lhe ralha e lhe faz ciúmes com o Hilário, o canoro.
Passa-se, então, um curioso ritual:
a filha tira o canário da gaiola, diz-lhe:
“Ele foi mau prò meu Hilário!”,
e enquanto o pai se agita, regouga, troca e destroca
seus gestos de meio paralítico,
ela, com um olho no velho, beija o passarinho,
alisa-lhe as penas, quase o come.
E o ritual só acaba quando o Mataboches
mistura a sua baba com o seu ranho.
O Mataboches, o do C.E.P.,
peneira o ar com o mata-moscas
e erra a última mosca.
ALEXANDRE O'NEILL
- A saca de Orelhas - 1979
domingo, janeiro 16, 2005
II - Vi em primeira mão, na CNN , as muito ansiosamente aguardadas imagens de Titan, o segundo maior satélite do Sistema Solar. O espaço interior vai ficando mais pequeno à medida que cresce a ambição humana e, lá muito de vez em quando, ainda conseguimos ter razões para atribuir o benefício da dúvida ao macaco sapiens.
III - A Carla de Elsinore anda a escrever 9 posts por dia. Qualquer blogger que se preze deve ir lá diagnosticar a febre.
IV - Depois de amadurecer bem a audição de How to Dismantle an Atomic Bomb, posso dizer que se trata de um disco fabuloso. Agora que já nem precisam de provar a sua contemporaneidade, os U2 fazem a música que, afinal, sempre gostaram de fazer (who gives a shit, anyway?).
V - Aqui entre nós: parece que há muito militante do PSD que não tem vindo a apreciar as diatribes do Professor Cavaco Silva. Este desagradável facto de dúbia estatística só vem demonstrar que o único partido que realmente ainda podia fazer qualquer coisa de digno e de corajoso por este país, está mais morto que o Oráculo de Delfos. Digo e repito: valha-nos deus - esse canalha que se diverte com a minha pátria.
sábado, janeiro 08, 2005
- - - OS DOZE CÉSARES - - - - - - - - - - - - - - - - - Livro I: Suetónio ou a lamparina de Adriano.
Mas começando pelo princípio. A forma de governo de Roma iniciou-se pela instauração de uma República governada por dois cônsules eleitos anualmente, apoiada por um colégio de senadores e esfaqueada no ano de 44 a.C. com o assassinato do general Júlio César, cujos herdeiros constituíram a gloriosa massa genética dos primeiros imperadores.
Caius Suetonius Tranquillus nasceu um século e tal depois e, improvavelmente, numa cidadela romana em África - Hippo Regius - no território a que hoje chamamos Argélia.
Filho de um nobre da Ordem Equestre (segundos poderosos depois dos senadores), Suetónio cumpriu serviço militar , alistando-se no exército vencido de Otho, na guerra civil dos Quatro Imperadores.
Suetónio foi um biógrafo reputado até ao momento central do enredo, quando foi nomeado secretário privado do imperador Adriano. E é aqui é que a porca torce o rabo. Porque se a famosa biografia dos césares é o primeiro documento de ciência da história na história da humanidade, e apesar disso consegue ser sensacionalista (Pessoa diria - sensacionista) e rocambulesco e perfeitamente editável no Sunday Mirror da antiguidade clássica, a verdade, verdadinha, é que foi encomendado por um político. Ah, sim, é que Adriano, muito mais que um imperador, um engenheiro, um militar ou um filósofo, era um Político. Um político como toda a gente deveria querer ter um. E com certeza que pensou na sua posteridade. E com certeza que influenciou a narrativa do seu secretário privado. Suetónio foi assim o génio saído da lamparina que Adriano esfregou desesperadamente. E o rei entre os reis só tinha mesmo um desejo: que a história de Roma até ao século II D.C. fosse escrita segundo o seu interesse específico. Quero eu dizer que, sendo a obra uma verdadeira biblia sobre o Império Romano, é também - e como a bíblia também é - um manifesto politizado, exagerado, manipulado, partidarizado, adulterado, falsificado. E fascinante.
Pagão dos sete costados, Suetónio foi até um dos primeiros historiadores de Jesus Cristo, e, da mesma maneira que Constantino escreveu a cristandade como ainda a entendemos hoje, este foi substantivamente o homem que nos deu a ideia geral de como viviam de forma nobre e obscena, sanguinária e apaixonada, os grandes césares que vampirizaram para sempre a análise das elites e do exercício do poder.
(cont.)
quinta-feira, janeiro 06, 2005
Estória da gaivota e da lua*
Ascendo pelas marés e elevo-me através
dos ventos marítimos, na senda do teu clarão.
Guia-me essa luz fera, de estrela cratera
penetrando sobre a escuridão.
Persigo o cometa que me leve a Julieta!
Com asas de cera procuro o teu calor d'Inverno,
o teu corpo ferido com o lado escondido
pela macrofísica do inferno.
E por mais alto que me leve o sobressalto
da noite aérea, permanecerás assim distante:
não chega o meu voar para te alcançar,
derradeiro amor errante.
É cruel e é clara, a distância que nos separa;
cresce quando por maldição amanhece o dia.
Deixas-me por inteiro, aqui no candeeiro
sem luz, nem voz nem autonomia.
* Para os meus amigos António Rodrigues (autor da foto) e Pedro Serrazina (realizador do filme de animação “Estória do Gato e da Lua”)
A Febre Scalextric: uma criança com 82 kg.
Dito isto, tenho que confessar que sou uma criança.Sou uma criança porque ainda paro nas lojas de brinquedos e ainda faço aquele ar de puto guloso (a que a minha mãe não resistia) perante o banquete lúdico na paisagem.Sou uma criança porque ainda não sei de melhor programa para depois de um jantar de Sábado entre amigos que o magnífico privilégio de poder ir brincar com uma pista Scalextric a sério. E, por obra e graça dos deuses e do meu amigo Jaime Filipe, eu tenho uma. Tenho uma pista de carrinhos, senhores! Com automóveis lindíssimos do WRC, do GranTurismo de resistência e da DTM. Com boxes e mecânicos e fotógrafos e directores de corrida e espectadores. Com partida Les Mans, cronómetro aos centésimos, punhos Pro, base de relva simulada, escapatórias por todo o lado, pontes várias e cruzamentos perigosíssimos!
Psicólogos de todo o mundo rapidamente me enviariam para a Clínica dos Chalados Mor, quarto 33, gente sensata de todos os quadrantes genéticos dir-me-á: mas estás burro ou falta-te a bolha da razão? Estarão certos uns e outros. Persistirei porém no delírio: estou quase a comprar uma plataforma de condução (com banco desportivo) para curtir com realismo apurado o ColinMcrae 2005 que me proporcionam os magos da CodeMasters e os génios da Playstation. E é uma questão de tempo para ver se arranjo um Subutteo como deve ser. Com holofotes, bancadas, banco de suplentes e tudo!
quarta-feira, janeiro 05, 2005
Pássaros, vilões e heróis.
Mas se a cantiga tem os contribuintes como destinatários, o tom muda para o registo da reprimenda e os termos transformam-se rapidamente em bicadas bem afiadas; há ameaças veladas e execuções fiscais, há insultos em forma de recomendações, prisão implícita e hostilidade iminente.
Mas a alpista só azeda de todo em todo quando os ditos pinguins disparam a sua retórica de larápios na direcção dos condutores. Neste caso, o pirilipipi passa a acusação de procuradoria. Palra-se afinal para criminosos e é necessária toda a violência verbal que um piriquito pode reunir em duas ou três máximas para consumo mediático.
Ora, é preciso ser-se realmente uma aveztruz desavergonhada, um melro descarado, um autêntico corvo indecente para fingir que se ignora o simples facto de que os eleitores também conduzem, os condutores também contribuem e os contribuintes também elegem. É preciso ser um canário de má raça para esquecer que, quando se abre o bico para mentir ao eleitor e se altera a ênfase para ameaçar o contribuinte, se está a incomodar exactamente a mesma pessoa.
II - É por estas (e por outras tantas que até seria maçador enumerá-las) que sou completamente contra a invasão electrónica das minhas contas bancárias pelos bandidos do fisco. A não ser que, sempre que o Estado me deva dinheiro, eu também possa ir directamente pela net a uma conta pública, retirar com celeridade e destreza a quantiazinha que me cabe.
Começo a ficar farto de ser espoliado pelo Estado. Começo a ficar farto de ser enganado pelo Estado. Começo a ficar farto do Estado que tenho.
III - Cavaco Silva deu-me hoje uma alegria grande. O Pedrocas da incubadora queria aparecer em 8x3 ao lado dele e de outros figurões do PSD, para tentar convencer os portugueses de que é um deles (a pretensão é de cair para o lado), mas, desgraçadamente para o infante da triste figura, o Professor disse que muito obrigado pela honra dúbia mas nem pensar em utilizar a minha imagem (e, já agora, a memória de Sá Carneiro) para vender maçãs podres. Não, não e não, já disse!
Cavaco Silva é neste momento - e muito mais que o titubeante Presidente da República - o único português capaz de presentear o nosso inconcebível e inqualificável primeiro ministro com a crueldade que ele merece.
IV - A propósito de termos o que merecemos: Pôncio Monteiro.
V - A despropósito da palhaçada geral e a propósito da tragédia da vida: João Amaral. Um homem grande, num mundo pequeno.
Arte e terapia.
quinta-feira, dezembro 30, 2004
Pretensão e ignorância.
sexta-feira, dezembro 24, 2004
sexta-feira, dezembro 17, 2004
Quando for grande quero ser como o Jay.
Na imagem, Jay conversa com um impecavelmente engomado e imaculadamente barbeado Michael Moore num dos mais memoráveis eventos televisivos que tive oportunidade de assistir no ano de 2004. Perante o ilustre convidado, aposto a minha reputação como jogador de matraquilhos que o nosso abstruso Herman José iniciaria a conversa perguntando-lhe logo quanto é que paga de impostos. E ainda antes que o Mike pudesse estender uma resposta, já estaria o ovo estrelado a inventar um insulto qualquer, próprio de um invejoso profissional. O Jay, que não quer saber de coisas pequenas para nada, perguntou-lhe antes: "Como é que se perdem estas eleições?" Michael Moore fez a sua pausa de buda. E com toda a tranquilidade de um homem que vive num país livre, respondeu: “os republicanpos tinham uma boa história para contar. Nós, democratas, nunca fomos grande coisa a contar histórias”. Herman José: eat your heart out.
A traição não é um crime, é um nojo. Ou o que diz Oriana.
“Há a Europa dos banqueiros que inventaram a farsa da União Europeia, dos papas que inventaram a fábula do ecumenismo, dos facínoras que inventaram a mentira do Pacifismo, dos hipócritas que inventaram a fraude do Humanitarismo. Há a Europa dos chefes de Estado sem honra e sem cérebro, dos políticos sem consciência e sem inteligência, dos intelectuais sem dignidade e sem coragem. Em suma, a Europa doente. A Europa que se vende como uma galdéria aos sultões, aos califas, aos vizires, aos janízaros do novo Império Otomano. Em suma, a Eurábia.”
Duas coisas me impressionam neste momento. Impressiona-me substantivamente a enorme falta de vergonha na cara de um homem que ainda no outro dia fazia dos Açores o eixo da coligação cristã, e que agora - vá-se lá não saber porquê - exige negociações para infestar o mundo civilizado de barbárie e intolerância. E impressiona-me deveras este fabuloso ensaio de Oriana, “A força da razão”, onde está tudo muito bem explicadinho: o Islão tiraniza, o Ocidente confraterniza. E eu, que não tenho filhos, receio pelos filhos que temos.
segunda-feira, dezembro 06, 2004
Meet Joe Black
Em Serralves, uma exposição que vai marcar a década mostra a morte vista pelos olhos de Paula Rego. A morte com dor e pânico. A morte com remorso e arrependimento. A morte insustentável, em carne viva. Horrível. Sobre tudo poderosa. Confesso que só vi morte nas telas. Confesso que saí de lá meio atordoado. Confesso que a francesinha que comi de seguida não me caiu lá muito bem. Confesso que vim a correr para Lisboa.
Partido da Pouca Vergonha
sábado, dezembro 04, 2004
Exit
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém... "
-Álvaro de Campos-
Quero dizer ao dr. Santana Lopes: faça o favor de se retirar. De se retirar o mais silenciosa e sorrateiramente que lhe for possível, dada a grandiloquência própria do seu carácter e - claro está - dessa metafórica veia de tribuno precoce. De se retirar, aliás e precisamente para a incubadora do esquecimento, para a caverna de Sócrates ou para o diabo que o carregue, desde que vá calado para o diabo, com o devido rabinho entre as respectivas perninhas de dançarino, resignado da sua incapacidade absoluta e dessa lamentável tendência para o desastre da razão. O Sr. dr. não faz falta nenhuma nem ao país, nem ao partido e muito menos a quem anda para aqui há uns desgraçados meses a aturar a sua prosápia desconjuntada e incoerente de narciso em incontinência técnica. O Sr. dr. perceba por gentileza que foi à falência e retire-se imediatamente do casino. Tenha vergonha ou mostre piedade da vergonha que temos de si e suba até à saída. Muitíssimo obrigado.
segunda-feira, novembro 22, 2004
Razão prática da bipolarização.
Guerra Junqueiro, in "Pátria", 1896
terça-feira, novembro 16, 2004
Cartas Portuguesas - A 1ª República por correspondência
terça-feira, novembro 09, 2004
O próximo paradigma perdido.
Se há herança bela e telúrgica, nobre e gloriosa, que a civilização deste início de século pariu para boa descendência da história universal, essa manifestação suprema e metalínguistica é o futebol de alta competição. Nos dias que vivemos acontecem na arena fenómenos Dostoievsky, como Mourinho - um ano depois de ser campeão europeu pelo Futebol Clube do Porto - estar em posição de conduzir o clube aos últimos lugares da competição. Acontecem fenómenos poltergeist como o mesmo Mourinho treinar os líderes da Premier League. Fenómenos verdadeiramente sobrenaturais como Tchevchenko. Fenómenos mesmo paranormais como um Real Madrid incapaz. Fenómenos esotéricos como a Selecção Grega ser campeã europeia e fenómenos naturais como a físico-química do Arsenal. Acontecem fenómenos estéticos como Nedved com uma bola nos pés. Fenómenos éticos como Luís Figo ao serviço de um clube de futebol. Fenómenos de afirmação como o de Deco no Barcelona. Fenómenos de negação como o de Thierry Henry deixar de ser, uma noite em cada ano, o melhor jogador europeu. Fenómenos fenómeno como Cristiano Ronaldo. Fenómenos Paul Auster como o Principe do Mónaco torcer pela sua equipa numa final europeia. Fenómenos vitorianos como Sir Alex Fergusson. Fenómenos platónicos como a febre do fanático, fenómenos kantianos como o imperar sobre as audiências, fenómenos hegelianos como a violência imanente. Nos dias que vivemos acontecem à volta da tribo do futebol fenómenos mediáticos, imediáticos, traumáticos; fenómenos de histeria, adolatria, entropia; fenómenos sociais, passionais, viscerais e de todo em todo fenómenos financeiros, que por isso são prolixos em género, forma, função e maravilha. Quem não gosta de futebol não percebe nada de nada porque está lá tudo: o instinto, a pulsão, a transcendência. E, claro está: o necessário génio.
quarta-feira, novembro 03, 2004
Wishful thinking
sábado, outubro 30, 2004
Diz-me tu a verdade, mestre.
Maquievel - O Príncipe
Que maldição devora as grandes dinastias do Ocidente? Que trágico destino os desfavorece? Que praga lançaram os deuses sobre os aristóteles, os alexandres, os césares, os apóstolos, os merovíngios, os da távola redonda, os santos agostinho, os imperadores do sacrossanto império germânico-romano, os medicis, os sforza, os bórgias, os maquievel, os habsburgos, os fairfax,os cromwell, os stuart, os romanov, os bourbon, os bragança, os luíses, os salieri, os richelieu,os robespierre, os rousseau,os montesquieau, os napoleões, os bolívares, os lincoln, os príncipes de gales, os nazis, os churchill, os degaule,os roosevelt, os sovietes, os martin luther king, os kennedy?
Há um horror sublime e submerso na profundidade homérica das vidas de quem governa os povos, como há um horror imenso e imerso na dimensão trágica das vidas de quem foi governado por esta gente infeliz.
Consanguíneos desastres da ontologia, génios obscuros e distópicos - animais no zoo da falácia! - tiranos acéfalos, patetas e cobardes da história da administração pública, guerreiros ensandecidos, assasinos de suas mães e exterminadores dos filhos que fizeram em má hora, profetas da desgraça humana, líderes de um mundo escravo, estadistas da vã glória, monarcas de si mesmos, pederastas da moral - todos! Que terrível estigma contagia a gente distinta que construiu com sangue e azáfama de usurário este lado porreiro do mundo?
Porque são tão infelizes os imperadores da razão política?
Alguém me consegue explicar, mesmo que por amor de um deus ausente, porque castigam as leis da providência aqueles que, para o mal ou para o bem (activos mobiliários em comércio na bolsa de valores da história universal), assumem o desígnio de levantar a civilização?
Hã?
segunda-feira, outubro 25, 2004
Saudades do Almada
Uma geração que consente ser informada pela Manuela Moura Guedes é uma geração que nunca o foi. É uma audiência d'indigentes, d'indignos e de cegos! É um tele-público de charlatães e de vendidos, e só pode parir abaixo do zero!
Abaixo a geração!
Abaixo a Manuela!
Morra a Manuela, morra! Pim!
Uma geração com a Manuela a cavalo da moral é um burro impotente!
Uma geração com a Manuela à proa do prime time é uma canoa em seco!
A Manuela é uma cigana!
A Manuela é meio cigana!
A Manuela é um pau de virar tripas!
A Manuela saberá cantar, saberá parlamentar, saberá opinar, saberá desopinar, saberá desopilar, saberá disparatar, saberá tudo menos informar que é a única coisa que ela teima em fazer!
A Manuela pesca tanto de jornalismo que até faz notícias com a Quinta das Celebridades!
A Manuela é uma habilidosa!
A Manuela veste-se mal!
A Manuela especula e inocula os concubinos!
A Manuela é Manuela!
A Manuela é Moura!
A Manuela É Guedes!
Morra a Manuela, morra! Pim!
Não é preciso ir prá TVI pra se ser pantomineira, basta ser-se pantomineira!
Não é preciso disfarçar-se pra se ser salteadora, basta falar como a Manuela! Basta não ter escrúpulos nem morais, nem éticos, nem humanos! Basta andar com as modas, com as políticas, e com as opiniões! Basta usar o tal sorrisinho, basta ser muito delicada e usar baton e olhos espertos! Basta ser judas! Basta ser Guedes! Basta Ser Moura! Basta ser Manuela!
A Manuela é um tele-ponto dela própria!
A Manuela em génio nem chega a pólvora seca e em talento é pim-pam-pum.
A Manuela nua é horrorosa!
A Manuela cheira mal da boca!
A Manuela Moura Guedes é a minha impotência!
Morra a Manuela, morra! Pim!
A Manuela é o escárnio da consciência!
Se a Manuela é portuguesa eu quero ser espanhol.
A Manuela é a vergonha da televisão nacional!
A Manuela é a meta da decadência mental!
E ainda há quem não core quando diz admirar a Manuela!
E ainda há quem lhe estenda a mão!
E quem lhe lave a roupa!
E quem tenha dó da Manuela!
E ainda há quem duvide de que a Manuela não vale nada e não sabe nada e que nem é inteligente nem decente nem zero!
(...)
Continue a Dona Manuela a desinformar assim que há-de ganhar muito com o Share e há-de ver que ainda inspira um instalação em Serralves, uma exposição das maquetes pró seu monumento erecto por subscrição nacional da "Caras" a favor dos oprimidos da Palestina, e o Parque das Descobertas mudado para Parque da Dra. Manuela Moura Guedes, e com festas da Cidade plos aniversários, e Contraceptivos em conta "Manuela" e pasta de dentes Manuela, e BigMac’s Manuela e um jogo de Consola Manuela Ataca à Dentada, e Prozac Manuela, e autoclismos Manuela e Manuela, Manuela, Manuela, Manuela... E Ice Tea Manuela - Light.
(...)
Portugal, que com senhoras e senhores assim conseguiu a classificação do país mais atrasado da Europa e de todo o mundo! O país mais selvagem de todas as Áfricas! O exílio dos degredados e dos indiferentes! A África reclusa dos europeus! O entulho das desvantagens e dos sobejos! Portugal inteiro há-de abrir os olhos um dia - se é que a sua cegueira não é incurável e então gritará comigo, a meu lado, a necessidade que Portugal tem de ser qualquer coisa de asseado!
Morra a Manuela, morra! Pim!
sábado, outubro 16, 2004
Átila, o Flagelo de Deus.
Aéssio passara anos nos balcãs a treinar estes mesmos hunos e teve frequentemente em Átila um poderoso aliado contra as hordas visigodas. Foi aliás pelas inúmeras batalhas que travou pelo império, que Átila pensava ser o único rei do seu tempo com legitimidade para herdar - ou roubar - a púrpura romana.
Genial estratega na melhor tradição dos grandes líderes militares romanos, Aéssio percebe rapidamente que as suas legiões se encontram em desvantagem anímica e numérica e recorre de imediato à implementação de uma estratégia diplomática que envergonharia Francis Dracon, convencendo os Visigodos de Teodoro e os Francos de Meroveu (sim, o patriarca da dinastia merovíngia de que tanto fala Dan Brown) a assumirem uma aliança com o santo império, enormidade trágica que haviam de pagar em sangue abundante nos campos Cataláunicos. Numa monumental orgia de violência e crueldade inigualável - 60.000 mortos em menos de 48 horas - decide-se o futuro do Ocidente. Apesar da mortandade assolar os dois lados da contenda, Aéssio acaba por dominar a situação, mas de forma a restabelecer o frágil equilíbrio das fronteiras do norte, permite conscientemente a fuga de Átila e do que restava do seu exército.
Como vigoroso bárbaro e obstinado conquistador que era, Átila recupera num ápice e dirige-se para Itália logo no ano seguinte. Arrasa Aquileia, Milão e Pavia e detém-se às portas de Roma para reorganizar as tropas: o trono dos césares está finalmente ao seu alcance. É então que acontece um dos mais inconcebíveis eventos da história da diplomacia. O Papa Leão, o Grande, dirige-se ao aquartelamento do Rei Huno e consegue o prodigioso feito de convencer Átila a abandonar as suas intenções de conquista e usurpação e a retirar-se - como um magnífico cordeiro no melhor rebanho de Cristo - da Península Itálica. Considerando que o Vaticano não possuia à altura algo que se assemelhasse a um exército, que este Papa tinha anteriormente atribuído a Átila a elogiosa alcunha de “Flagelo de Deus” e que nada impedia o Rei Huno de muito simplesmente o mandar cozinhar para banquete da soldadesca, a circunstância ganha estatuto lendário. Escreve-se hoje que Átila tinha motivações bem mais prosaicas para fugir de Roma. Por exemplo: o medo de uma epidemia. Seja como for, o Huno retira-se para Panónia, nas margens do Danúbio, onde acaba por morrer, vitimado pela ressaca de uma bebedeira épica (facto). Com o seu desaparecimento, o reino dos Hunos desintegra-se definitivamente. Mas fica, ao menos, esta noção utilíssima de que os impérios fazem-se e defendem-se assim: alterando alianças, ignorando acordos, pelejando imenso, morrendo à barda, traíndo muito e arriscando deveras.
segunda-feira, outubro 11, 2004
Desenrascanço: uma abordagem enciclopédica.
domingo, outubro 03, 2004
The world says no to female slavery.
Parece-me - e já lho disse - um pouco triste introduzir tão ilustre blog com uma afirmação destas. Afinal, trata-se de um manifesto contra alguém que nem merece o manifesto. E, por outro lado, é sempre um bocadinho ousado falar pelo mundo todo. A Carla assume que todos estamos de acordo sobre este assunto (inclusivamente os republicanos de New Hampshire, os boers da Cidade do Cabo,os australianos de Adelaide, os bandidos das Pampas ou o diabo que os carregue), o que não é pretensão pouca. Mas o que me incomoda mais nisto, é que a minha querida amiga não abre o blog dela manifestando o seu repúdio por terroristas, ditadores, senhores da guerra ou facínoras civilizacionais, e há por aí tantos que - reconheço - é difícil escolher um para parangona de blog. Apesar de todos os horrores últimos, a preocupação fundamental da Carla está concentrada num tipo que os americanos escolheram (e desgraçadamente vão voltar a escolher) para chefe de tribo. E, mal ou bem, os americanos lá vão tendo a sua democraciazinha, que até deixou um rasto de liberdade pela opressora e opressiva história universal da infâmia que é a rábula dos homens e das mulheres que têm vindo, século após século, a infestar o mundo. Ora, quem elegeu Bin Laden? Os talibans? Fidel Castro? Kim Jong-il? Arafat? Al Zawari, e já agora, Saddam Hussein? De que tradição de decência, dignidade e humanismo (terrível palavra) resultam estes personagens ausentes do ódio da Carla? Quem é que elegeu estes tipos todos contra os quais a prezada blogger nunca deixou vestígio de revolta e que acham, por exemplo, que as mulheres devem ser tratadas abaixo de um cão com cólera? Sim, quem deu legitimidade a esta gente de que não fala a rebeldia do Welcome to Elsinore e que persegue as pessoas porque pertencem a um determinado sexo, porque nasceram numa determinada casta, porque não acreditam num determinado deus, porque não seguem uma determinada visão da história, porque não pactuam com uma determinada fé política? Porque será, minha querida amiga, que teimas em identificar os teus inimigos no âmbito da tua civilização? Da tua civilização que te reconhece a dignidade de seres mulher, de teres opinião, de dares subtítulos idiotas aos blogs que crias em liberdade? Neste sentido, não achas que seria mais sensato defenderes o teu lado do mundo? Nem que fosse por seres mulher. Nem que fosse por seres jornalista. Nem que fosse por respeito que deves à tua própria inteligência. Desafio-te assim, a colocares como subtítulo do teu blog, o título deste meu post. Ou então, caramba, assume a burka de uma vez por todas! E se não souberes para que lado fica Meca, telefona.
Da natureza do génio.
- Ludwig van Beethoven, comment written on the finale of his String Quartet in F Major, Op. 135
Ludwig van Beethoven. O nome, gordo e grandiloquente, soa génio e ele era um. Trincado pelos maus tratos de seu pai, que o queria em criança bobo da corte como Mozart (para desgraça de todos), passado a ferro pela crueldade da vida e humilhado pelo seu próprio temperamento de touro na arena, espancado pelo desgosto de amor (ele, que só teve um amor), empalado na sua moral austera, crucificado pela surdez, garroteado pela ausência de talento do sobrinho que amava, encornado pelo irmão, vilipendiado pela doença, aprisionado em Viena, enlouquecido pela solidão; Beethoven transcendeu o desespero e gritou arte a viva voz. A um dado passo, na sua última sinfonia - a Nona - compõe para a Ode à Alegria de Schiller uma partitura que parece perdoar a humanidade e os deuses e a cruz que nos espera a todos. Mas não. O grande mestre da história da música não perdoa ninguém e muito menos os deuses. E porque é que eu sei isto? Porque ele próprio o escreveu: “Muss es sein? Es muss sein! Es muss sein!” Pois tinha que ser assim e não podia ser de outra maneira. Tinha que ser surdo o génio, tinha que ser pisado e insultado, tinha que ser castrado e enfurecido, injustiçado e diminuído, ignorado e humilhado. Não seria a arte imortal se fosse ausente das dores da vida. E não seria humano quem, mesmo assim, perdoasse o verdugo. Filósofos e escritores, biógrafos e clubes de fãs andam à séculos às voltas com o imperativo categórico do Opús 135, sem perceber coisa alguma. O palerma do Milan Kundera (meu quixotesco e falacioso herói de adolescência) até vendeu a história de que o estranho epigrama resultava de uma zanga entre o mestre e uma das suas incontáveis mulheres a dias. Disparate enorme. O que Beethoven quis deixar claro é cristalino: o que tem que ser, tem muita força. E a força da Nona Sinfonia só resulta da angústia que nos oferece o mundo, o homem e a religião. Neste sentido, creio bem que a arte, para Ludwing van Beethoven, era uma espécie de vingança.
sexta-feira, setembro 24, 2004
A culpa é minha.
Apesar disto, parece-me - no mínimo - draconiano crucificar a Ministra da Educação pelo escandaloso atraso mental e despudorado cinismo colectivo em que sobrevive uma generosa fatia do funcionalismo público nacional.
Os portugueses têm vindo pelos séculos a alimentar esta ideia de que o país é uma miséria por culpa das élites que detêm o poder político. Este modismo da psicologia social portuguesa tem muito que se lhe diga. Primeiro porque, a ser válida a tese, a sua antítese concluíria que os Ingleses creditam à brava a sua classe política pelo excelente país em que vivem. Não é, obviamente, o caso. Depois, se podemos responsabilizar quase exclusivamente D. Sebastião pelo desastre de Alcácer Quibir - e dos outros que se lhe seguiram em catadupa até à ocupação dos Filipes - não é legítimo que deixemos cair o megalítico fardo da derrocada moral, operacional e financeira do Estado Português nas almas que elegemos para tomar conta da Coisa: ao contrário dos despotismos, a democracia dá-nos a capacidade de governar, por interposição, a querida pátria.
Se os nossos políticos - já de si entidades reflexas da sociedade de que emergem - não prestam para nada, é porque andamos a escolher mal os nossos políticos. Mas da mesma forma, se as máquinas administrativas que servem a gestão política não funcionam (literalmente), não será tempo de perceber que essa responsabilidade também compete à performance profissional dos seus quadros?
Se Portugal é o caos, a culpa não será, enfim, dos portugueses?
Eu, por exemplo, sei bem que a culpa é minha. Sou preguiçoso e arrítmico. Tenho tiques disfuncionais e sofro de iliteracia em novas tecnologias. Para além do mais, pasme-se, tive a inconsciência brutal de votar no Dr. Santana Lopes para Presidente da Câmara da minha cidade, muito por culpa do Dr. Guterres, é verdade, mas ainda assim um crime de Lesa Pátria pelo qual devia ser punido pelo Dr. Bagão Felix, que - se o deixassem - viria logo muito pressuroso, cobrar-me, com juros e ameaça de penhoras, os benefícios fiscais que deduzi à colecta desde que sou um ente tributável.
Mas sim, eu sei, a culpa é minha. E quero aqui apresentar desde já as minhas mais sinceras desculpas aos alunos e seus respectivos encarregados de educação pelo abstruso facto de o ano lectivo não ter sido capaz de começar. E já agora, pela ignorância em que vivem mergulhados os filhos da nação. E só não me demito - acreditem - porque não exerço cargo público.
Fado Cacilheiro
Sou um velho cacilheiro
na doca seca a navegar.
A morte é um marinheiro
que se demora no mar.
Trago musas no porão,
antigas glórias do Tejo.
Sou uma velha embarcação
longe da maré que desejo.
Sou um velho cacilheiro
já sem carta de marear
estou perdido no novoeiro
da doca seca à praia-mar.
Trago as tágides na proa
e os dez cantos do Camões.
Sou um velho de Lisboa
com saudade das monções.
Sou um velho cacilheiro,
na doca seca a navegar.
Para quem é prisioneiro,
o tempo corre devagar.
Trago comigo essa glória
do Tejo desaguar pelo mundo.
Sou um velho sem memória
imerso em sono profundo.
Sou um velho cacilheiro,
não tenho pressa de chegar.
A morte é um marinheiro
que se demora no mar.
quinta-feira, setembro 16, 2004
Degenerescência.
Para já, o que disse este senhor(a):
<<É natural que custe muito a algumas mentes "avançadas" ouvir o que diz hoje o Dr.Mário Soares e outros, como o prof. Adriano Moreira, o prof. Freitas, etc...
É natural que estas mentes "avançadas", e contudo tão decrépitas para a idade, não gostem de ver alguém a pôr em causa os tachitos, seus e dos amigos...
Mas, o que havemos de fazer? A verdade é mais forte que a mentira, não é?!>>
Bom, não sei se esta criatura me conhece pessoalmente (parece ter a pretensão de saber a minha idade), mas perdeu uma belíssima oportunidade para fazer silêncio sobre o seu infeliz delírio. Sempre trabalhei para empresas privadas (agências de publicidade) e - como é fácil adivinhar - em nenhuma situação fui recrutado pela minha visão política. Hoje trabalho por conta própria e só dependo de mim - e da paciência dos meus clientes, que, naturalmente, não se ralam nada com as minhas opiniões sobre o Dr. Mário Soares, o Papa Inocêncio V, o ministro Colbert ou as barbas de Maomé. Tenho tachos em casa, mas também não lhes dou uso, já que como gosto apenas de fazer aquilo em que sou minimamente competente, recuso-me a cozinhar. Quanto aos meus amigos, lamento imenso defraudar as expectativas deste senhor anónimo, mas não mantenho relações afectivas com ninguém que tenha subido (ou descido) na vida por ser deste ou daquele partido político.
De qualquer forma, este senhor parece ser ingénuo ao ponto macrocósmico de pensar que os amigos do Dr. Mário Soares - olha quem! - nunca arranjaram um empregozito na vida por causa disso mesmo: de serem amigos dele. É demais caramba!
Seja como for, eu percebo bem as patologias que consubstanciam o comentário esquizofrénico: não se pode dizer nada do sumo pontífice da esquerda nacional, que ficam logo muito ofendidos os camaradas, injuriando toda a gente com os mesmos dogmas pequenos que lhes preenchem a existência filosófica, içando imediatamente as bandeiras da verdade e da mentira como se fossem os donos de uma e de outra. Agora, como a malta não tem culpa nenhuma do deficit em inteligência e do desmaio da razão, peço-lhe encarecidamente que nos poupe, senhor anónimo. Seja económico no dislate e invista mais no psicólogo. Vai ver que compensa.
quarta-feira, setembro 15, 2004
Decadência.
quinta-feira, setembro 09, 2004
Os Sonetos da Cidade Fantasma - Canto III
Uma cidade assim calada de buzinas,
sem os escapes abertos das motoretas,
é terra sagrada para anjos e poetas,
santo silêncio para jograis e ardinas.
Até esse bairro chique de Alvalade
(sempre tão ufano, tão sofisticado),
ficou deserto, quase envergonhado,
do tempo em que suava de vaidade.
E o Largo do Município sem limusinas,
sem fato nem gravata, mudo e calado,
seria um triunfo para as varinas!
Por isso digo e repito: foi de esteta
a manhã em que acordei espantado,
para o espectro da cidade deserta.
terça-feira, setembro 07, 2004
Sobre o Horror.
2 - Mesmo assim, são as vozes contra Vladimir Putin - e não contra os terroristas - que mais se levantam na Europa. Quantas crianças é que vão ter que morrer nas escolas do mundo ocidental para que os seus pais estejam finalmente preparados para morrer no campo de batalha? Que mais tem que fazer Ben Laden - e outros muitos como ele - para ser perseguido como o inimigo fundamental?
O problema psico-social dos últimos 60 anos na Europa é que - ainda traumatizados pelos horrores da guerra - os seus povos não conseguem perceber que existem causas de civilização que superam o valor da vida individual. Em honra dos milhões que morreram defendendo essas causas nas costas da Normandia como nas fronteiras francesas do fim do século XVIII, nas prisões de Joanesburgo como na batalha de Gettysburg, em Álamo como em Dunquerque, na cruz de Pilatos como nos fornos de Auschwitz; em honra daqueles que sacrificámos durante séculos, é preciso entender que nos esperam novos sacrifícios. A liberdade sempre foi muito cara e o preço não baixou com a soma das eras. Dir-me-ão que esta é a lógica do terrorista. Eu direi: é precisamente pela natureza do inimigo que temos pela frente que devemos assumir o imperativo categórico. O mesmo aliás que no decorrer do Século XX, nos pareceu válido quando entricheirámos a morte para deixar vazio de poder o absolutismo habsburgo, para derrubar a loucura de Hitler ou para combater o imperialismo comunista.
3 - Por cá, a proverbial imbecilidade que domina a comunicação social portuguesa fez da morte um festim, da ignorância um banquete e do horror a especialidade da casa. Os monstros que perpetraram um dos mais tenebrosos factos da história moderna da humanidade, foram sujeitos à filologia do absurdo pelos jornalistas de serviço, que lhes chamaram “guerrilheiros”. Nem raptores, nem bandidos e muito menos terroristas, mas apenas um termo tão neutro que dá vómitos. Se eu fosse de esquerda, sentir-me-ia insultado pelo facto de nomearem estes homens com a mesma sintaxe que se tratava Che Guevara. Como não sou de esquerda, fico todo arrepiado, como quem vê o fim.
Em directo no Canal 1, José Rodrigues dos Santos mostrou uma evidente incredulidade, até mesmo indignação (muito mal disfarçada), quando o correspondente em Moscovo lhe disse que os russos perceberam e, na sua maioria difícil, aprovaram o comportamento governamental. Habituados a co-existir com estados imperiais, os russos sabem de história. Rodrigues dos Santos, vitima de seu país e de si mesmo, habituado somente a ler teleponto das oito às nove da noite, não sabe de coisa nenhuma.
Nota de rodapé: agora o homem está doente, mas quando recuperar gostaria que Bill Clinton explicasse melhor ao mundo porque raio andou sempre a moer o juízo de Putin a propósito da Tchechénia. Enquanto isso, ficarei com a suspeita de que não são só os republicanos a alimentar amizades inconvenientes no Médio Oriente.E, pelo sim, pelo não, vou enviar um email ao Michael Moore para saber se ele quer fazer um filme sobre isso.
quinta-feira, setembro 02, 2004
Manifesto.
a) Este é um blog sem pretensão a blog. Já tive um desses que não me trouxe felicidades. Que me consumiu o tempo que não tenho para ser consumido.
b) Estou-me completamente nas tintas para o facto de ter apenasmente como leitores a minha santa mãe querida e mais dois ou três sujeitos da minha amizade. Não escrevo para que me leiam, escrevo porque o mundo me castiga com insultos.
c) Filosoficamente, este blog respeita a visão sobre a condição humana que toda a gente pode ler em melhor nas máximas de Schopenhauer, Nietzsche e Bachelard; nas páginas escritas por John Steinbeck, Stendhal, Àlvaro de Campos, Erico Veríssimo, Franz Kafka, Jorge Luís Borges, Marguerite Yourcenar, James Joyce, Seutónio, Edward Gibbon e Aldous Huxley; nas telas de Velasquez, Bosch, Francis Bacon, Edward Hopper, nas pautas torturadas por Wolfgang Amadeus Mozart, Ludwig Von Beethoven, Johann Sebastian Bach (que só compunha música para os ouvidos de Deus), Vivaldi (em vez de Verdi), Rossini e Strokes (por ausência de Tubes); nos olhos telescópicos de Lars Von Trier, Stanley Kubrick, David Fincher, Cecille B. de Mille, Hitchcock; no terror dos Czars e no desdém dos Habsburgos e no pragmatismo elegante dos Medicis e no saber intuitivo de Albert Einstein, Isaac Newton, Von Braun, Godel, Heisenberg, Kepler, Galileu, Stephen Hawking, Bartolomeu de Gusmão e - claro está - Homero, Platão, Cristo, Da Vinci, Kant, Winston Churchill e Júlio César.
d) Este blog é, assim, um manifesto contra o humanismo. Essa coisa horrível de gostar de pessoas porque são pessoas, como horrível será amar a vida só porque se está vivo.
e) Por isso, este blog só linka blogs de pessoas de quem gosto, raríssimas excepções que faço à regra, mais o blog do Pacheco Pereira (que é uma fraqueza minha).
f) Este blog não tem afinal valores, nem tão pouco uma missão. Tem só o esperma dos dias. A espuma do tempo. O desinteressado e desinteressante pasmo perante o abismo.
Tudo o resto é devaneio - a suprema arte do século XXI.