Johnny Cash . Hurt
É a segunda vez que publico este clip aqui no Blogville, mas não encontro melhor substância medicinal para suportar a dor de mais um ano que passa, para enfrentar a dor de mais um ano que chega.
segunda-feira, dezembro 29, 2014
Mensagem de Ano Novo
Estou à espera de uma invasão de extra-terrestres desde que era criança. Peço desculpa pela imodéstia mas esta velha expectativa só prova que não era uma criança completamente estúpida porque, 40 anos depois, a única solução para termos um ano novo melhor do que o anterior continua a ser precisamente uma invasão de homenzinhos cinzentos com mau feitio e fuscas de potência mega atómica e cheios de fome de carne humana. Submetida a raça sapiens à lógica da sobrevivência, começaríamos decerto por servir aos ávidos conquistadores uma entrada substancial com os radicais islâmicos de todo o planeta. Assim, entre a entrada e o prato principal, sempre tinhamos a oportunidade de apreciar as virtudes inumeráveis de viver num planeta sem radicais islâmicos.
2015 também podia trazer silêncio. Aquele género de silêncio tumular, aquela espécie de silêncio que é o mais silencioso possível, sem surdinas nem fugas; um silêncio-vento-divino para calar os que estão presos e os que mandam prender e os que estão soltos e os que mandam neles. Um silêncio higiénico que emudeça os banqueiros e muito especialmente os banqueiros que faliram. Um silêncio que una, numa épica e endémica concórdia, sindicalistas e patrões, juízes e advogados, ministros e cronistas, deputados e jornalistas, médicos e pacientes, professores e alunos, heróis e vilões, vítimas e agressores, crentes e ateus, santos e filhos da puta, todos juntos numa oração sem decibéis, orgíaca elegia do ruído zero.
Alegra-me a possibilidade bem real de que no próximo ciclo à volta do sol aconteçam coisas menos boas a gente menos recomendável como o sr. Abu Bakr al-Baghdadi, o sr. Mullah Mohammed Omar, o Sr. Ali Khamenei, o sr. Kim Jong-un, o sr. Vladimir Putin, o sr. Michel Platini, e - este é de estimação - o sr. Julian Assange.
Para me dar alguma satisfação aos dias, conto também com uma previsão auspiciosa, que calculo com a exactidão de um astrólogo de corte: vem aí um ano infernal para Barak Obama.
E outrossim para José Sócrates.
Tenho fé que em 2015, alguém, num gabinete obscuro de Princeton, descubra uma solução minimamente decente, minimamente elegante, para o Problema da Costante Cosmológica, mas alerto: esta fé é tão religiosa como aquela do Deus católico. Na verdade, a minha metafísica de ateu desconfia bem que o Problema da Costante Cosmológica não tem solução (o que deveras me escangalha qualquer tipo de optimismo no futuro).
Claro, era excelente que o ano novo prometesse menos impostos e mais uma arca a rebentar de poemas do Pessoa (devo confessar que desejo isto mais que a paz no mundo e o fim da fome), e também seria superiormente agradável que o Benfica fosse campeão nacional, mas como estes desejos conseguem ser mais irrealistas que a fé católica ou o Modelo Standard da Física das Partículas, é melhor parar por aqui.
É que, muito sinceramente, não estou com paciência alguma para um ano de excessos.
2015 também podia trazer silêncio. Aquele género de silêncio tumular, aquela espécie de silêncio que é o mais silencioso possível, sem surdinas nem fugas; um silêncio-vento-divino para calar os que estão presos e os que mandam prender e os que estão soltos e os que mandam neles. Um silêncio higiénico que emudeça os banqueiros e muito especialmente os banqueiros que faliram. Um silêncio que una, numa épica e endémica concórdia, sindicalistas e patrões, juízes e advogados, ministros e cronistas, deputados e jornalistas, médicos e pacientes, professores e alunos, heróis e vilões, vítimas e agressores, crentes e ateus, santos e filhos da puta, todos juntos numa oração sem decibéis, orgíaca elegia do ruído zero.
Alegra-me a possibilidade bem real de que no próximo ciclo à volta do sol aconteçam coisas menos boas a gente menos recomendável como o sr. Abu Bakr al-Baghdadi, o sr. Mullah Mohammed Omar, o Sr. Ali Khamenei, o sr. Kim Jong-un, o sr. Vladimir Putin, o sr. Michel Platini, e - este é de estimação - o sr. Julian Assange.
Para me dar alguma satisfação aos dias, conto também com uma previsão auspiciosa, que calculo com a exactidão de um astrólogo de corte: vem aí um ano infernal para Barak Obama.
E outrossim para José Sócrates.
Tenho fé que em 2015, alguém, num gabinete obscuro de Princeton, descubra uma solução minimamente decente, minimamente elegante, para o Problema da Costante Cosmológica, mas alerto: esta fé é tão religiosa como aquela do Deus católico. Na verdade, a minha metafísica de ateu desconfia bem que o Problema da Costante Cosmológica não tem solução (o que deveras me escangalha qualquer tipo de optimismo no futuro).
Claro, era excelente que o ano novo prometesse menos impostos e mais uma arca a rebentar de poemas do Pessoa (devo confessar que desejo isto mais que a paz no mundo e o fim da fome), e também seria superiormente agradável que o Benfica fosse campeão nacional, mas como estes desejos conseguem ser mais irrealistas que a fé católica ou o Modelo Standard da Física das Partículas, é melhor parar por aqui.
É que, muito sinceramente, não estou com paciência alguma para um ano de excessos.
domingo, dezembro 28, 2014
terça-feira, dezembro 23, 2014
Uma crónica para a história.
Paulo de Almeida Sande, um dos mais notáveis cronistas do Observador (o que não é dizer pouco, já que os artigos de opinião deste jornal são, de longe, o seu argumento forte), publicou hoje um texto inspirado, que me emocionou profundamente. Quem ainda tem algum amor por este país Portugal deve ler isto.
O postal de Natal do astronauta Alexander Gerst.
Este vídeo condensa, numa sequência em time lapse de seis minutos, as 12.500 imagens fotográficas que Alexander Gerst pacientemente recolheu durante a sua estadia de seis meses na Estação Espacial Internacional.
O resultado é absolutamente magnífico. E, de certa forma, natalício.
segunda-feira, dezembro 22, 2014
Play around Australia.
Os meus amigos Susana Palma e JP Santos passaram um mês do outro lado do mundo. E este é o produto em vídeo, super-giro, que resultou da odisseia. Cinco estrelas.
sábado, dezembro 20, 2014
sexta-feira, dezembro 19, 2014
Poema do Natal no Estado Islâmico
Muahmmad, o tira-cabeças, sua as estopinhas.
O sol inclina-se já sobre o horizonte calado do deserto
mas ainda há muito que fazer.
Muhammad, o tira-cabeças, prefere enterrar crianças vivas,
mas hoje o Califa - Alá o proteja - decidiu dar novo préstimo
às suas reconhecidas qualidades.
Este biscate é mais cansativo e desagradável
que os trabalhos do costume. Muhammad prefere, de longe,
degolar jornalistas ocidentais.
Muhammad, o tira-cabeças, prefere mil vezes arrumar curdos
na vala comum (até porque isso dá direito, geralmente, a uma voltinha daquelas
com uma infiel bem escolhida).
Abu Bakr, o impiedoso - Alá abençoe o Califa - deu-lhe a ordem
e a Muhammad só resta cumprir, mas ainda assim,
preferia torturar dez xiitas.
Daqui a nada cai a noite e depois vai ser complicado
acertar com os pregos.
Muhammad, o tira-cabeças, já tem as mãos feridas, pelo repetir do martelo.
Os jornalistas ocidentais borram-se todos na altura do fim,
e choram como as crianças na vala não choram,
mas o que Muhammad não daria agora por esse cheiro a medo.
Enquanto, a esforço, prega mais um porco herético à cruz,
Muhammad, o tira-cabeças, pergunta-se:
mas onde foi o califa - Alá o salve de todo o mal - desencantar a madeira necessária
para pendurar tanto cristão?
---
Crucificações no Estado Islâmico
Eugène Delacroix, The Death of Sardanapalus, 1844, oil on canvas, 73,7 x 82,4 cm, The Philadelphia Museum of Art.
quarta-feira, dezembro 17, 2014
Mais importante que fuzilar crianças.
É com imensa tristeza e alguma indignação que constato que o Observador considera que as seguintes notícias são bem mais relevantes que o infame atentado em Peshawar:
(sic)
EUA abrem embaixada em Cuba.
Queda do Rublo leva a corrida às lojas.
Ricardo Salgado pior executivo de 2014.
Costa corrige declaração sobre Bloco Central.
Homicida manda a juízes postais das Caraíbas.
Os filmes da Disney matam. E não é pouco.
Fisco faz mega operação de controlo de inventários.
Kant ou Marx? Primeiras edições vão a leilão.
D'oh! Os Simpsnos fazem 25 anos.
O Terceiro "O Hobbit" ou o regresso à Terra Média.
Um Pai Natal assaltou um banco. E escapou.
Papel de Natal. Animação portuguesa e ecológica.
Segue-se a caixa "vaidades", que é de uma relevância jornalística extrema e só depois, quase no fim da página, é que lá se fala do crime hediondo, perpetrado na madrugada de hoje.
Este é o mundo manhoso a que me condenaram os deuses. Mas até quando, Pai Natal?
(sic)
EUA abrem embaixada em Cuba.
Queda do Rublo leva a corrida às lojas.
Ricardo Salgado pior executivo de 2014.
Costa corrige declaração sobre Bloco Central.
Homicida manda a juízes postais das Caraíbas.
Os filmes da Disney matam. E não é pouco.
Fisco faz mega operação de controlo de inventários.
Kant ou Marx? Primeiras edições vão a leilão.
D'oh! Os Simpsnos fazem 25 anos.
O Terceiro "O Hobbit" ou o regresso à Terra Média.
Um Pai Natal assaltou um banco. E escapou.
Papel de Natal. Animação portuguesa e ecológica.
Segue-se a caixa "vaidades", que é de uma relevância jornalística extrema e só depois, quase no fim da página, é que lá se fala do crime hediondo, perpetrado na madrugada de hoje.
Este é o mundo manhoso a que me condenaram os deuses. Mas até quando, Pai Natal?
O mal pelo mal.
Um só infeliz, em Sidney, e uns quantos bandidos em Peshawar, protagonizaram nas últimas horas o roteiro de sange dos jornais de todo o mundo. Sendo o sequestro de café um acto tresloucado sem grande significado para além da morte de dois reféns e da incrível displicência com que as autoridades australianas lidaram com Man Haron Monis (um fanático insandecido com um longo historial de fúrias e demências); a incrível barbaridade cometida hoje pelos Talibans no Paquistão é, porém, bem elucidativa sobre a natureza dos movimentos extremistas islâmicos que assolam o mundo, com crescente ambição, brutalidade e niilismo, desde o último quartel do Século XX.
Os simpáticos jihadistas entraram por uma escola a dentro e desataram simplesmente a fuzilar todos os alunos que encontraram. Resultado: 140 mortos, a maior parte adolescentes e crianças.
"'God is great,'" the Taliban militants shouted as they roared through the hallways of a school in Peshawar, Pakistan.
Then, 14-year-old student Ahmed Faraz recalled, one of them took a harsher tone.
" 'A lot of the children are under the benches,' " a Pakistani Taliban said, according to Ahmed. " 'Kill them.' "
Não há razão que justifique isto, a não ser a razão do mal pelo mal. E do seu poder inesgotável. E estes desgraçados exercem esse poder orgíaco porque podem. Porque nós deixamos.
Até quando, Pai Natal?
Os simpáticos jihadistas entraram por uma escola a dentro e desataram simplesmente a fuzilar todos os alunos que encontraram. Resultado: 140 mortos, a maior parte adolescentes e crianças.
"'God is great,'" the Taliban militants shouted as they roared through the hallways of a school in Peshawar, Pakistan.
Then, 14-year-old student Ahmed Faraz recalled, one of them took a harsher tone.
" 'A lot of the children are under the benches,' " a Pakistani Taliban said, according to Ahmed. " 'Kill them.' "
Início da reportagem de Sophia Salfi, CNN
Até quando, Pai Natal?
terça-feira, dezembro 16, 2014
Poema da companhia bandeira.
Se fosse eu a mandar, ah que volúpia,
vendia a TAP já
ao primeiro sucateiro que me aparecesse com uma nota de 50 euros.
E a única contrapartida do minimal caderno de encargos
era que o sucateiro transformasse já
a TAP em sucata.
E, claro, que despedisse aquela gente toda, especialmente os pilotos
(esses seriam despedidos já),
mas sem deixar, no fim, uma alminha com um emprego que fosse.
Mas sem deixar, no fim, alguém que pudesse fazer mais
uma puta de uma
greve.
vendia a TAP já
ao primeiro sucateiro que me aparecesse com uma nota de 50 euros.
E a única contrapartida do minimal caderno de encargos
era que o sucateiro transformasse já
a TAP em sucata.
E, claro, que despedisse aquela gente toda, especialmente os pilotos
(esses seriam despedidos já),
mas sem deixar, no fim, uma alminha com um emprego que fosse.
Mas sem deixar, no fim, alguém que pudesse fazer mais
uma puta de uma
greve.
segunda-feira, dezembro 08, 2014
Ver o que se quer ver em vez de ver o que lá está.
Para além da qualidade cinemática propriamente dita, o que me deslumbra neste filme que Danny Cooke realizou para a CBS e que rapidamente se disseminou nas redes sociais é o triunfo da natureza sobre as estruturas da civilização. Apesar do verde exuberante, o que lemos nas notícias e nos comentários relacionados com o filme demonstra a cegueira da maioria das pessoas em relação ao que é representado: fala-se de cinzentos, de apocalipses, de radiação, de morte, mas o que se vê não é isso. O que se vê é a natureza vigorosa e dominadora, que toma conta das avenidas, que invade os apartamentos, que esconde a decadência do horizonte urbano.
Os efeitos da radioactividade nos ecossistemas são motivo para acessas polémicas na comunidade científica há já muitos anos, e não quero neste momento entrar por aí, mas o que podemos constatar nestas belíssimas imagens da cidade fantasma de Pripyat é que, pelo menos no que diz respeito à flora, o meio ambiente manifesta-se bastante indiferente ao desastre de Chernobil. Como invariavelmente se constata, a natureza é muito mais resistente do que parece. E as estruturas da realização humana são sempre mais frágeis do que julgamos.
segunda-feira, dezembro 01, 2014
Um futuro exuberante.
Esta deve ser a mais bela curta de ficção científica que já vi na vida. Um filme de Erik Wernquist, narrado por Carl Sagan, para ver em full screen e HD, por favor.
Afeganistão: um testemunho crucial.
Lara Logan, a célebre correspondente de guerra da CBS que passou largos anos no Afeganistão, diz aqui, numa versão consensada do seu depoimento de 2012 em Chicago, muito do que é preciso ser dito sobre a infâmia da retirada das forças militares ocidentais deste palco estratégico para o combate ao terrorismo islâmico. Um testemunho eloquente e conclusivo sobre o carácter (ou a ausência dele) da presente - e moribunda - administração americana.
quarta-feira, novembro 26, 2014
Odell Beckham Jr. ou a missão impossível.
Watch and wonder: is this the best catch in history, or what?
Da banalidade do crime #2
O cliché dos últimos dez anos diz-nos que Mário Soares não deve ser levado a sério. Que está senil. Que está demente. Que é um cão raivoso.
Mas se Mário Soares não deve ser levado a sério, então os media não devem amplificar a sua voz brincalhona. Se está senil, a família devia impedir o homem de se pronunciar publicamente. Se é demente, devia ser internado. Se é um cão raivoso devia fazer-se com ele aquilo que se faz aos cães raivosos (metaforicamente, claro, que o Blogville não concorda com a pena de morte nem para cães raivosos nem para socialistas impenitentes).
Mas uma coisa é certa: o que disse hoje Soares à porta do chilindró onde - em boa hora - o juíz Carlos Alexandre decidiu colocar José Sócrates, é simplesmente criminoso. No contexto da situação actual, declarar à imprensa que o juíz é um malandro e que o processo é uma bandalheira, é criminoso. É comum ouvirmos dizer das declarações de Soares que são incendiárias. Pois bem, desta vez foram além disso. Configuram objectivamente várias ofensas à Constituição da República (artigos 13º, 25º, 26º e 32º) bem como ao seu Código Civil (art. 70º, nº1). São declarações criminosas.
Como é criminosa a incrível e despudorada violação do segredo de justiça por parte da mulher do advogado de Sócrates, ontem de madrugada, no Twitter.
Como é criminosa a opinião dos que atacam o processo para disfarçar a escandaleira.
Como é criminoso tentar convencer os portugueses que é ilegítimo julgarem politicamente Sócrates - e os socráticos - enquanto o processo não transitar em julgado (uma coisa é o processo penal, outra é o processo político).
Como é criminoso comparar o caso Tecnoforma com a dimensão das vilanias de que José Sócrates é suspeito.
Mas em Portugal vale tudo, mas mesmo tudo para que o PS não perca o seu estatuto de partido hegemónico, dono do estado, da razão e da moral. E se não salvador da pátria, porque no Largo do Rato nem se faz uso desta palavra, redentor de tudo o resto.
Há porém sinais indesmentíveis de que os portugueses estão a começar a ficar realmente fartinhos dos vermes que infestam o seu ecossistema. E estão a agir assertivamente a fim de combater, ou pelo menos colmatar, a praga. Em áreas tão distintas como a economia, a justiça e o jornalismo, é perceptível a corrente de ar fresco que tem vindo a melhorar substantivamente a qualidade atmosférica do país. E isto tem sido possível não por causa de manifestações ou de greves, não por causa de alguma decisão estratégica do regime, não por causa de alguma iluminada contribuição da Troika. Os portugueses estão a alterar o status quo estabelecido, as suas regras e a sua moral, com trabalho puro e duro. Com persistência e dignidade. Com coragem.
É preciso muita coragem para dar a José Sócrates a morada de Évora. Como vimos hoje, não é porém coisa que aconteça sem estrondo e promessas de apocalipse social. Afinal, neste momento, e também por causa das palavras criminosas de Mário Soares, é a sobrevivência do Partido Socialista que está em jogo.
Mas se Mário Soares não deve ser levado a sério, então os media não devem amplificar a sua voz brincalhona. Se está senil, a família devia impedir o homem de se pronunciar publicamente. Se é demente, devia ser internado. Se é um cão raivoso devia fazer-se com ele aquilo que se faz aos cães raivosos (metaforicamente, claro, que o Blogville não concorda com a pena de morte nem para cães raivosos nem para socialistas impenitentes).
Mas uma coisa é certa: o que disse hoje Soares à porta do chilindró onde - em boa hora - o juíz Carlos Alexandre decidiu colocar José Sócrates, é simplesmente criminoso. No contexto da situação actual, declarar à imprensa que o juíz é um malandro e que o processo é uma bandalheira, é criminoso. É comum ouvirmos dizer das declarações de Soares que são incendiárias. Pois bem, desta vez foram além disso. Configuram objectivamente várias ofensas à Constituição da República (artigos 13º, 25º, 26º e 32º) bem como ao seu Código Civil (art. 70º, nº1). São declarações criminosas.
Como é criminosa a incrível e despudorada violação do segredo de justiça por parte da mulher do advogado de Sócrates, ontem de madrugada, no Twitter.
Como é criminosa a opinião dos que atacam o processo para disfarçar a escandaleira.
Como é criminoso tentar convencer os portugueses que é ilegítimo julgarem politicamente Sócrates - e os socráticos - enquanto o processo não transitar em julgado (uma coisa é o processo penal, outra é o processo político).
Como é criminoso comparar o caso Tecnoforma com a dimensão das vilanias de que José Sócrates é suspeito.
Mas em Portugal vale tudo, mas mesmo tudo para que o PS não perca o seu estatuto de partido hegemónico, dono do estado, da razão e da moral. E se não salvador da pátria, porque no Largo do Rato nem se faz uso desta palavra, redentor de tudo o resto.
Há porém sinais indesmentíveis de que os portugueses estão a começar a ficar realmente fartinhos dos vermes que infestam o seu ecossistema. E estão a agir assertivamente a fim de combater, ou pelo menos colmatar, a praga. Em áreas tão distintas como a economia, a justiça e o jornalismo, é perceptível a corrente de ar fresco que tem vindo a melhorar substantivamente a qualidade atmosférica do país. E isto tem sido possível não por causa de manifestações ou de greves, não por causa de alguma decisão estratégica do regime, não por causa de alguma iluminada contribuição da Troika. Os portugueses estão a alterar o status quo estabelecido, as suas regras e a sua moral, com trabalho puro e duro. Com persistência e dignidade. Com coragem.
É preciso muita coragem para dar a José Sócrates a morada de Évora. Como vimos hoje, não é porém coisa que aconteça sem estrondo e promessas de apocalipse social. Afinal, neste momento, e também por causa das palavras criminosas de Mário Soares, é a sobrevivência do Partido Socialista que está em jogo.
terça-feira, novembro 25, 2014
É legítimo supor.
Extraodinário texto do grande José Gomes Ferreira, aqui. E, sim, sim, é legítimo supor o pior.
Da banalidade do crime.
“The sad truth is that most evil is done by people who never make up their minds to be good or evil.”
Hannah Arendt
Hoje à noite, logo depois de sabermos que a medida de coacção aplicada a José Sócrates era a prisão preventiva, a SIC Notícias convidou o Miguel Sousa Tavares, a Clara Ferreira Alves e o Pacheco Pereira para opinarem sobre o acontecimento. Devo dizer que o Blogville não gosta nada do Miguel Sousa Tavares e da Clara Ferreira Alves (antigas desavenças aqui e aqui, respectivamente). E o debate demonstrou bem porquê. Longe de se mostrarem minimamente chocados ou sequer surpresos com o facto de um ex-primeiro-ministro da República Portuguesa ser suspeito de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção qualificada, o Miguel e a Clara preferiram fazer uma análise crítica à forma como o processo foi conduzido até agora. E por muito que o Pacheco Pereira lhes dissesse que a questão fundamental estava, nesse preciso momento, longe de ser aquela, não houve maneira de aplacar a indignação.
O Miguel e a Clara são só duas falências entre muitas outras falências que tenho ouvido e lido nos últimos 3 dias. A hipótese altamente inconveniente mas cada vez mais provável de se demonstrar em tribunal que José Sócrates é um bandido da pior espécie - e suas nefastas consequências para a esquerda em geral e para o Partido Socialista em particular - é tão alarmante e perigosa, que não há remédio senão atirar na direcção das autoridades judiciais. E atirar a matar. Sem meiguices nem poupanças de léxico.
Quando o Ministério Público e o juíz da inquirição deviam ser louvados por terem a coragem - e a competência - de fazer aquilo que precisava de ser feito, dada a ostentação ordinária e absolutamente despudorada de José Sócrates, o que têm recebido em troca são rajadas de projécteis moralistas, como se de grandes vilões da sagrada república se tratassem.
Daqui conclui-se que o problema em Portugal não se resume à competência e ao carácter dos constituintes da classe política. Nem aos altos funcionários do aparelho administrativo. Nem aos protagonistas do poder judicial. O problema é de conjunto. É na interacção entre estes poderes e destes com a sociedade que se gera o drama que decorre no Portugal contemporâneo. E essa interacção é muitas vezes conduzida pelos media. E essa condução é uma contaminação. Contamina o comportamento das esferas de poder, tanto quanto a qualidade da opinião pública. É preciso perceber que, para além dos escândalos financeiros e institucionais do estado e da banca, o aparelho mediático português estabelecido é também palco de vários banditismos: ideológicos, sociológicos e, claro, económicos. Os Migueis e as Claras que por aí andam muito preocupados com a república dos juízes, não invocam os princípios da sua utopia de trazer por casa em nome de Portugal, mas sim de um conceito ideológico, que é, por definição, de vocação universal. Protegendo o modelo, protegem-se como podem, porque também têm que fazer pela vida, como toda a gente.
Não vejo grande diferença moral entre políticos e advogados. Entre políticos e jornalistas. Entre políticos e analistas da política. Nem me apercebo bem das assimetrias éticas entre sindicalistas e ministros, patrões e trabalhadores, vilões e heróis. Em Portugal, o espectro mediático é preenchido por uma constante de gente vulgar. Gente que tem virtudes e ganâncias e competências e defeitos como toda a gente as tem. Ora o problema é que as elites funcionais são formadas por pessoas invulgares. E é aqui que encontramos a raiz do estado a que chegaram as coisas: a sociedade portuguesa não está a saber gerar pessoas de invulgar mérito técnico, intelectual e deontológico em quantidade suficiente para a ocupação crítica das lideranças estratégicas e sectoriais. Em certo sentido, e considerando a relativa juventude da nossa democracia, podemos dizer que Portugal sofre de banalidade precoce.
Hannah Arendt tentou explicar que o mal absoluto se encontra com mais frequência no seio da vulgaridade do que no contexto da excelência. José Sócrates, não sendo de todo uma figura de absolutos, é um excelente exemplo de homem mediano. E como tal, enquanto alto quadro do regime, foi porventura vítima da sua impreparação psíquica e intelectual e das terríveis tentações do poder. Motivado por uma ética ferozmente individualista, cedeu, provavelmente, à força gravítica de não ter qualidades notáveis.
Hannah Arendt
Hoje à noite, logo depois de sabermos que a medida de coacção aplicada a José Sócrates era a prisão preventiva, a SIC Notícias convidou o Miguel Sousa Tavares, a Clara Ferreira Alves e o Pacheco Pereira para opinarem sobre o acontecimento. Devo dizer que o Blogville não gosta nada do Miguel Sousa Tavares e da Clara Ferreira Alves (antigas desavenças aqui e aqui, respectivamente). E o debate demonstrou bem porquê. Longe de se mostrarem minimamente chocados ou sequer surpresos com o facto de um ex-primeiro-ministro da República Portuguesa ser suspeito de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção qualificada, o Miguel e a Clara preferiram fazer uma análise crítica à forma como o processo foi conduzido até agora. E por muito que o Pacheco Pereira lhes dissesse que a questão fundamental estava, nesse preciso momento, longe de ser aquela, não houve maneira de aplacar a indignação.
O Miguel e a Clara são só duas falências entre muitas outras falências que tenho ouvido e lido nos últimos 3 dias. A hipótese altamente inconveniente mas cada vez mais provável de se demonstrar em tribunal que José Sócrates é um bandido da pior espécie - e suas nefastas consequências para a esquerda em geral e para o Partido Socialista em particular - é tão alarmante e perigosa, que não há remédio senão atirar na direcção das autoridades judiciais. E atirar a matar. Sem meiguices nem poupanças de léxico.
Quando o Ministério Público e o juíz da inquirição deviam ser louvados por terem a coragem - e a competência - de fazer aquilo que precisava de ser feito, dada a ostentação ordinária e absolutamente despudorada de José Sócrates, o que têm recebido em troca são rajadas de projécteis moralistas, como se de grandes vilões da sagrada república se tratassem.
Daqui conclui-se que o problema em Portugal não se resume à competência e ao carácter dos constituintes da classe política. Nem aos altos funcionários do aparelho administrativo. Nem aos protagonistas do poder judicial. O problema é de conjunto. É na interacção entre estes poderes e destes com a sociedade que se gera o drama que decorre no Portugal contemporâneo. E essa interacção é muitas vezes conduzida pelos media. E essa condução é uma contaminação. Contamina o comportamento das esferas de poder, tanto quanto a qualidade da opinião pública. É preciso perceber que, para além dos escândalos financeiros e institucionais do estado e da banca, o aparelho mediático português estabelecido é também palco de vários banditismos: ideológicos, sociológicos e, claro, económicos. Os Migueis e as Claras que por aí andam muito preocupados com a república dos juízes, não invocam os princípios da sua utopia de trazer por casa em nome de Portugal, mas sim de um conceito ideológico, que é, por definição, de vocação universal. Protegendo o modelo, protegem-se como podem, porque também têm que fazer pela vida, como toda a gente.
Não vejo grande diferença moral entre políticos e advogados. Entre políticos e jornalistas. Entre políticos e analistas da política. Nem me apercebo bem das assimetrias éticas entre sindicalistas e ministros, patrões e trabalhadores, vilões e heróis. Em Portugal, o espectro mediático é preenchido por uma constante de gente vulgar. Gente que tem virtudes e ganâncias e competências e defeitos como toda a gente as tem. Ora o problema é que as elites funcionais são formadas por pessoas invulgares. E é aqui que encontramos a raiz do estado a que chegaram as coisas: a sociedade portuguesa não está a saber gerar pessoas de invulgar mérito técnico, intelectual e deontológico em quantidade suficiente para a ocupação crítica das lideranças estratégicas e sectoriais. Em certo sentido, e considerando a relativa juventude da nossa democracia, podemos dizer que Portugal sofre de banalidade precoce.
Hannah Arendt tentou explicar que o mal absoluto se encontra com mais frequência no seio da vulgaridade do que no contexto da excelência. José Sócrates, não sendo de todo uma figura de absolutos, é um excelente exemplo de homem mediano. E como tal, enquanto alto quadro do regime, foi porventura vítima da sua impreparação psíquica e intelectual e das terríveis tentações do poder. Motivado por uma ética ferozmente individualista, cedeu, provavelmente, à força gravítica de não ter qualidades notáveis.
segunda-feira, novembro 24, 2014
O artista e o astrónomo.
"Vicent Van Gogh's Starry Night is the first painting I know of where
the background is the subject of the painting. And the background is
the night sky. It elevated the cosmos to become fair game to the artist.
And I submit to you that cosmic discovery does not become mainstream
until the artist embrace it."
Neil deGrasse Tyson
The Great Debate . Arizona State University . September 2013
Neil deGrasse Tyson
The Great Debate . Arizona State University . September 2013
domingo, novembro 23, 2014
A tempestade perfeita.
As últimas 48 horas de António Costa são de pesadelo. Ontem, na véspera de assumir o cargo de Secretário-Geral do Partido Socialista, o seu camarada de armas e referência fundamental, espécie de Obi-Wan Kenobi ao contrário, é detido com aparato mediático, no aeroporto de Lisboa. Hoje, na tomada de posse, não tem remédio a não ser deixar-se espancar pelos jornalistas. Sem querer trair publicamente uma fraqueza de carácter, Costa lá vai falando de "sentimentos pessoais", mas não é capaz de dizer sequer o nome do amigo e nota-se bem que as prioridades estão mais do lado da sobrevivência pessoal do que da solidariedade fraternal. Nem as acusações de conspiração, que eram previsíveis, são bem vindas pela direcção do Partido, tendo sido proferidas apenas pelos desalinhados João Soares e Edite Estrela. É que não há uma saída sem custos políticos para a miserável situação em que se encontra este messias de trazer por casa.
Uma coisa é certa: para que Costa chegue a primeiro-ministro em 2015, vai ter agora que fazer bastante mais do que jogar às escondidas.
O problema da culpa.
Hoje, na sua coluna do Observador, Helena Matos diz muito do que há para dizer sobre a detenção de José Sócrates. Só com uma humilde objecção: se é enorme verdade que a culpa por este sujeito ter chegado a primeiro-ministro - e ter imperado como primeiro-ministro - é de todos os portugueses (o resultado de uma república não é da responsabilidade dos cidadãos que votam assim ou assado, é da responsabilidade dos cidadãos, ponto), acho sinceramente que ele também contribuiu em substância para o drama, simplesmente por ser o sujeito que é. E deve responder por isso. Afinal, não estamos nós todos, já há uns anos largos, a pagar pelo crime de lesa-pátria cometido quando o elegemos e durante a eternidade toda em que o aturámos? O José Sócrates só agora começou a liquidar a sua parte.
E depois, como aprendemos com Hannah Arendt, há sempre um problema em dividir as responsabilidades pelo limite absoluto: quando todos temos culpa, ninguém tem culpa. É uma síntese que valida a sua antítese.
E depois, como aprendemos com Hannah Arendt, há sempre um problema em dividir as responsabilidades pelo limite absoluto: quando todos temos culpa, ninguém tem culpa. É uma síntese que valida a sua antítese.
sábado, novembro 22, 2014
Elogio do chilindró.
Convenhamos, esta é uma das manchetes mais bonitas da história do jornalismo português. Quando entrei no Observador nem queria acreditar. Esta é daquelas notícias que são boas demais para serem verdadeiras. É daquelas notícias que desmentem a velha teoria de que uma boa notícia não é notícia.
A detenção de José Sócrates, para além de me deixar extremamente satisfeito (não é bonito ficar contente com as desgraças alheias mas no caso do ex-primeiro-ministro-sinistro acho que posso abrir uma excepção) é mais uma demonstração que, de facto, algo em Portugal está, finalmente, a mudar. Para melhor. Afinal, os donos disto tudo também podem ir dentro.
Só espero que o Ministéiro Público saiba o que está a fazer e que Sócrates passe uns anos valentes a ver o sol aos quadradinhos. É, mesmo assim, muito menos do que ele merece.
A detenção de José Sócrates, para além de me deixar extremamente satisfeito (não é bonito ficar contente com as desgraças alheias mas no caso do ex-primeiro-ministro-sinistro acho que posso abrir uma excepção) é mais uma demonstração que, de facto, algo em Portugal está, finalmente, a mudar. Para melhor. Afinal, os donos disto tudo também podem ir dentro.
Só espero que o Ministéiro Público saiba o que está a fazer e que Sócrates passe uns anos valentes a ver o sol aos quadradinhos. É, mesmo assim, muito menos do que ele merece.
quinta-feira, novembro 20, 2014
E agora, algo de realmente importante.
Rosetta mission selfie at 16 km | 14/10/2014 4:00 pm | ESA/Rosetta/Philae/CIVA
A missão Rosetta fez uma das mais importantes descobertas científicas da história da humanidade. Apesar de estar em falência energética, porque o sítio onde aterrou tem muito mais horas de sombra do que de sol e, assim, o seu quadro fotovoltaíco não pode contribuir para alimentar as baterias a um ritmo normal, o módulo Philae já detectou moléculas orgânicas na superfície do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. A equipa responsável pela missão ainda não revelou quais foram as moléculas encontradas e qual o seu grau de complexidade, mas esta descoberta comprova, na minha opinião sem grande margem para dúvidas, que a vida biológica é bastante comum no universo.
Não sei se algumas vez postei algo tão importante como isto, aqui no blog.
sexta-feira, novembro 14, 2014
Cem pérolas.
Este é um post muito especial. No contexto do décimo aniversário do Blogville, convidei o meu grande e velho amigo Carlos Rafael a contribuir com um post. A verdade é que o convite é redundante, na medida em que o Rafael contribui todos os dias para este blog porque é apenas a pessoa com maior influência sobre o meu ouvido nos últimos 20 anos. 90% da música que oiço e que aqui publico vem directamente ou indirectamente da constante procura pelo som perfeito deste meu amigo.
Num acto de grande generosidade, o post do Rafael inclui uma lista de 100 clips acessível a todos e que recomendo vivamente. Quem gosta de música alternativa tem muito para aprender, tem muito para apreciar, nesta playlist.
Congrats Blogville
Dez Anos de Liberdade… a verdade é que nenhum subtítulo poderia descrever melhor este fantástico blog. Dez anos passaram e posso assegurar que, salvo raras exceções, não deixei passar mais que uma semana sem vir verificar os posts do meu grande amigo. Os temas abordados têm sido os mais diversos, desde a política, à matemática, à economia e cultura, mas acho que posso considerar (e até com algum orgulho), de ter contribuído para um em específico.
Aproveito pois esta efeméride para escrever algo sobre essa paixão que nos une: A Música…
Não abdicando das minhas preferências musicais, que terão sempre que incluir os géneros Rock, Pop, Indie, Alternativa e Eletrónica (não obrigatoriamente nesta ordem), tenho dedicado algum tempo à tentativa de descobrir bandas menos comerciais. É certo que durante esta minha pesquisa, e no decorrer dos anos, muitas delas acabaram por se tornar bandas de referência, e até capazes de encher pavilhões (por exemplo os “The Black Keys”), no entanto, a grande maioria continuam no desconhecimento do comum dos mortais…
Ao longo dos tempos, o Blogville tem dado a conhecer muita dessas bandas através de posts do youtube, mas já que estamos em celebração decidi fazer uma playlist com um resumo das grandes malhas que temos tido a sorte de compartilhar.
Indie Playlist: grandes malhas By Carlos Rafael
Colectânea em actualização constante.
Uma pequena mostra do que podemos encontrar nesta colecção de pérolas:
The Drums | I Hope Time Doesn't Change Him
Reggie Wats covers Van Halen's Panama | AV Club
No | So Scared | Sofar Los Angeles
Telekinesis | Please Ask for help
The Polyphonic Spree | Hold Yourself Up
Num acto de grande generosidade, o post do Rafael inclui uma lista de 100 clips acessível a todos e que recomendo vivamente. Quem gosta de música alternativa tem muito para aprender, tem muito para apreciar, nesta playlist.
Congrats Blogville
Dez Anos de Liberdade… a verdade é que nenhum subtítulo poderia descrever melhor este fantástico blog. Dez anos passaram e posso assegurar que, salvo raras exceções, não deixei passar mais que uma semana sem vir verificar os posts do meu grande amigo. Os temas abordados têm sido os mais diversos, desde a política, à matemática, à economia e cultura, mas acho que posso considerar (e até com algum orgulho), de ter contribuído para um em específico.
Aproveito pois esta efeméride para escrever algo sobre essa paixão que nos une: A Música…
Não abdicando das minhas preferências musicais, que terão sempre que incluir os géneros Rock, Pop, Indie, Alternativa e Eletrónica (não obrigatoriamente nesta ordem), tenho dedicado algum tempo à tentativa de descobrir bandas menos comerciais. É certo que durante esta minha pesquisa, e no decorrer dos anos, muitas delas acabaram por se tornar bandas de referência, e até capazes de encher pavilhões (por exemplo os “The Black Keys”), no entanto, a grande maioria continuam no desconhecimento do comum dos mortais…
Ao longo dos tempos, o Blogville tem dado a conhecer muita dessas bandas através de posts do youtube, mas já que estamos em celebração decidi fazer uma playlist com um resumo das grandes malhas que temos tido a sorte de compartilhar.
Indie Playlist: grandes malhas By Carlos Rafael
Colectânea em actualização constante.
Uma pequena mostra do que podemos encontrar nesta colecção de pérolas:
The Drums | I Hope Time Doesn't Change Him
Reggie Wats covers Van Halen's Panama | AV Club
No | So Scared | Sofar Los Angeles
Telekinesis | Please Ask for help
The Polyphonic Spree | Hold Yourself Up
quinta-feira, novembro 13, 2014
Razões que nos levam longe.
Com o humor e a vivacidade que lhe são de natureza, Bill Nye explica algumas das razões que levaram um punhado de cientistas a trabalhar durante 20 anos para fazer chegar uma sonda à superfície de um cometa.
What cities would look like if lit only by the stars.
Um magnífico trabalho de especulação visual, na Wired.
O que há de belo num rochedo.
Nem tudo correu bem com a sonda Philae, que tendo conseguido acopular no 67P, não está convenientemente ancorada. Por causa da fraca força gravítica do cometa, a sonda pode muito bem soltar-se e ficar à deriva no espaço sideral, caso a equipa da ESA não consiga resolver o problema. Mas nem que seja pelas imagens absolutamente operáticas que a missão nos tem oferecido nas últimas horas, já terá valido a pena o esforço monumental.
quarta-feira, novembro 12, 2014
Como aterrar num predragulho cósmico.
Pela primeira vez na história da conquista espacial, uma sonda vai aterrar na superfície de um cometa. Depois de percorrer mais de seis mil milhões de quilómetros, a Rosetta está prestes a "largar" o módulo Philae no grande calhau 67P/Churyumov-Gerasimenko. Um sonho muitas vezes repetido em obras de ficção científica sofre assim o duro teste da realidade, dentro de uma hora.
Rosetta launched in 2004 and arrived at Comet 67P/Churyumov-Gerasimenko on 6 August 2014. It is the first mission in history to rendezvous with a comet, escort it as it orbits the Sun, and deploy a lander to its surface. Rosetta is an ESA mission with contributions from its member states and NASA. Rosetta's Philae lander is provided by a consortium led by DLR, MPS, CNES and ASI.
O cometa 67P tem várias características sensuais: transpira com o calor do sol, cheira muito mal (a ovos podres, literalmente) e canta uma estranha canção, que podemos ouvir, amplificada para o espectro do ouvido humano, aqui:
Para além das importantes oportunidades de conhecimento científico que vai proporcionar, esta missão é um pequeno mas significativo passo na direcção de um futuro de plena operacionalidade da tecnologia humana no âmbito do Sistema Solar. Caso tudo corra bem, claro.
Mais informações aqui.
terça-feira, novembro 11, 2014
Um perigo, claro e presente.
A propósito do excelente artigo que Fernando Martins publicou hoje no Observador, sobre os recentes acontecimentos na Catalunha, devo dizer que me parece preocupante a leviandade com que encaramos em Portugal uma possivel secessão catalã.
A independência da Catalunha é um cenário assustador para a Península Ibérica porque pode contribuir para a desintegração do estado espanhol. E como Castela, sózinha, não é forte no contexto ibérico (como, por exemplo, a Inglaterra o é no contexto britânico), o caos instalar-se-á muito rapidamente.
Na eventualidade de uma secessão catalã, podemos esperar movimentações mais ou menos virulentas por parte de outras forças independentistas. No caso óbvio do País Basco, há que ter em conta que este se estende ao lado francês dos Pirinéus, o que pode complicar muito o evoluir dos acontecimentos.
Mas o mais preocupante para nós, portugueses, é que é precisamente um estado espanhol forte e uma Espanha unificada que têm contribuído, mais do que qualquer outra variável, para fixar as nossas velhas fronteiras. No bordel inimaginável de uma Península Ibérica de pequenos estados-nação, Portugal teria que enfrentar, mais tarde ou mais cedo, ameaças à sua integridade territorial, algo que não acontece há muito, muito tempo. Infelizmente a história tem tendência a repetir-se, independente-
mente dos séculos que passam.
Há aqui um perigo, claro e presente.
A independência da Catalunha é um cenário assustador para a Península Ibérica porque pode contribuir para a desintegração do estado espanhol. E como Castela, sózinha, não é forte no contexto ibérico (como, por exemplo, a Inglaterra o é no contexto britânico), o caos instalar-se-á muito rapidamente.
Na eventualidade de uma secessão catalã, podemos esperar movimentações mais ou menos virulentas por parte de outras forças independentistas. No caso óbvio do País Basco, há que ter em conta que este se estende ao lado francês dos Pirinéus, o que pode complicar muito o evoluir dos acontecimentos.
Mas o mais preocupante para nós, portugueses, é que é precisamente um estado espanhol forte e uma Espanha unificada que têm contribuído, mais do que qualquer outra variável, para fixar as nossas velhas fronteiras. No bordel inimaginável de uma Península Ibérica de pequenos estados-nação, Portugal teria que enfrentar, mais tarde ou mais cedo, ameaças à sua integridade territorial, algo que não acontece há muito, muito tempo. Infelizmente a história tem tendência a repetir-se, independente-
mente dos séculos que passam.
Há aqui um perigo, claro e presente.
segunda-feira, novembro 10, 2014
Pouco a pouco, chegam ao topo.
Courteeners | How good it was
O último disco dos Courteeners, Concrete Love, é a afirmação de uma banda excepcional. Que só vai parar no olimpo do Rock. E Liam Fray, o protagonista, bem que merece o estatuto de rock star. Tem tudo o que é preciso: muito talento, bom aspecto e absoluta determinação. Vai ser difícil parar este som.
domingo, novembro 02, 2014
sábado, novembro 01, 2014
Manhattan, ou o fim da inocência.
Um dos grandes momentos da televisão contemporânea, na minha mais que modestíssima opinião, é isto aqui. Até porque prova que uma pequena produtora, com um pequeno orçamento, pode ser capaz de materializar uma ambição inacreditável: a de criar uma telenovela sobre o projecto Manhattan, a coisa mais classificada - e maldita - da história da ciência. Não estou a exagerar: basta pensarmos que o governo americano conseguiu colocar, com algum sucesso e durante 4 anos, uma boa parte dos seus cientistas mais proeminentes (e respectivas famílias) num pequeno perímetro em Los Alamos, a trabalhar numa arma do apocalipse sem que ninguém desse por isso (bom, mais ou menos).
A história da feitura da bomba atómica supera em irrealidade qualquer conto de ficção científica e é claro que a produção da WGN se preocupa mais com os valores da audiência do que com a realidade histórica, mas ainda assim, concretiza-se um drama intenso e pungente, bem projectado por uma notável direcção de actores.
A certa altura, pergunta-se a uma das heroínas da estória: acreditas em Deus? E ela diz: "claro que acredito em Deus. Até o conheci pessoalmente. Chama-se Niels Bohr." Neste momento, qualquer pessoa que goste minimamente de televisão (seja ela televisionada ou não), qualquer pessoa que goste minimamente de ciência, não vai por certo perder o episódio que vem a seguir. Afinal, estes são os personagens que acabaram de vez com a inocência humana.
Muito provavelmente, esta vai ser uma série de uma temporada apenas, mas não faz mal. Porque esta temporada apenas valeu por anos luz.
sexta-feira, outubro 17, 2014
Um nova era atómica.
No contexto dos contributos que celebram o décimo aniversário do Blogville, o meu grande e erudito amigo José Abel Aguiar traz à conversa nada mais nada menos do que a solução ideal para o problema
energético que tanto tem vindo a apoquentar a humanidade nos últimos
dois ou três séculos:
Finalmente teremos a Fusão Nuclear (não a fissão do urânio e afins, que é “potencialmente” perigosa, ou tal nos fizeram crer …) de forma simples e acessível?
Na Lockeed Martin trabalha-se a sério num sistema de propulsão aeronáutica fundamentado na fusão nuclear, um método alternativo à fissão nuclear, que, ao contrário desta, é estável e limpo e permitirá, uma vez desenvolvido comercialmente, produzir energia barata e a rodos.
Uma nova era atómica começa aqui. E nada será como dantes.
Finalmente teremos a Fusão Nuclear (não a fissão do urânio e afins, que é “potencialmente” perigosa, ou tal nos fizeram crer …) de forma simples e acessível?
Como reagirá a status quo instalado dos Puppet Masters da economia do petróleo?
Na Lockeed Martin trabalha-se a sério num sistema de propulsão aeronáutica fundamentado na fusão nuclear, um método alternativo à fissão nuclear, que, ao contrário desta, é estável e limpo e permitirá, uma vez desenvolvido comercialmente, produzir energia barata e a rodos.
Uma nova era atómica começa aqui. E nada será como dantes.
Mais informação sobre este assunto no Sploid.
segunda-feira, outubro 13, 2014
À frente no tempo.
O meu querido amigo Mike Brumble, ilustre e assimétrico colaborador do Blogville, é uma espécie de profeta da literatura. Por isso, não é de espantar que anuncie prémios Nobel com décadas de antecedência. No dia 16 de Novembro de 1998, por exemplo, publicava uma pequena recensão no Diário Económico dedicada a um romance do agora grande e subitamente glorificado Patrick Modiano, que rezava assim:
"Esqueci-me do seu rosto. A única coisa de que me lembro é do seu nome. Podia muito bem ter conhecido Dora Bruder, já que vivera nas imediações da Porta de Clignancourt e da Planície: residia no mesmo bairro e era da mesma idade. Talvez soubesse bastante sobre as fugas de Dora... Há acasos assim, encontros, coincidências que ignoraremos para sempre..."
Este é o retrato de uma busca incessante, obsessiva, dirão alguns espíritos menos contemporizadores. Dora Bruder é a principal personagem e - já agora - o título do último livro do escritor francês Patrick Modiano, recentemente vertido para português pelas Edições ASA, com tradução de G. Cascais Franco, na interessante coleção "Pequenos Prazeres". Dora Bruder é uma personagem com rosto, mas sem voz. Modiano parte de um anúncio publicado no jornal "Paris-Soir" no dia 31 de Dezembro de 1941, em que se procurava Dora Bruder, uma rapariga judia de 15 anos. E segue no seu trilho, com cruzamentos autobiográficos, e não só, de uma Paris ocupada, manchada pelo regime nazi e com Auschwitz em pano de fundo. A cidade-luz também teve o seu período de sombras e de trevas.
A palavra a Patrick Modiano: "Desde então, a Paris onde procurei reencontrar o seu rastro permaneceu tão deserta e silenciosa como nesse dia. Caminho através das ruas vazias. Para mim elas continuam assim, mesmo ao entardecer, à hora dos engarrafamentos, quando as pessoas estugam o passo em direcção às entradas do metropolitano. Não consigo deixar de pensar nela e de sentir a sua presença em certos bairros. Uma noite destas foi perto da Gare do Norte."
sábado, outubro 11, 2014
Deus está fora da equação.
"Chimpanzees and humans are closer cousins of each other than chimpanzees are to gorillas."
Richard Dawkins | Something from Nothing
As recentes declarações de Stephen Hawking sobre a inexistência de Deus como uma afirmação da ciência sobre a fé são absolutamente rídiculas, porque estão carregadas - elas próprias - de um carácter profundamente religioso. Na medida em que a Física parece cada vez menos capaz de apresentar um modelo coerente que substitua os aparelhos mitológicos milenarmente instalados, é preciso ser bastante crédulo para ir na conversa do célebre professor de Cambridge.
Esta diatribe é, no entanto e apenas, a crista da onda de um movimento de fundo, constituído por físicos high-profile como Lawrence Krauss, Neil deGrasse Tyson e Alan Guth, entre muitos outros. É curioso verificar que os mesmos cientistas que defendem um universo acidental, um "almoço grátis" de resultado zero e génese extemporânea, no contexto transcendente de um multiverso esquizofrénico e desordenado, em que tudo é possível e em que nada é certo, não deixam porém de se mostrar cada vez mais radicais e arrogantes nas suas convicções sobre a metafísica.
Apesar de anunciarem com alarde a sua estupefacção perante a impenetrabilidade da natureza e a sua caótica manifestação, apesar de chegarem à conclusão triste que as suas conclusões tristes os podem lançar a todos no desemprego, apesar da grande incerteza, apesar da permanência do Mistério, estão cada vez mais convictos de que Deus não existe. E a ironia aqui é que estes físicos, já todos veteranos, só têm na verdade esta certeza. Se lhes perguntares, gentil leitor, pela composição material de 96% do universo, eles não te vão oferecer mais que hipóteses vagas e, muito provavelmente, míopes. Se quiseres saber se o universo terá um fim, eles não serão capazes de uma resposta. Se estiveres confuso com as implicações filosóficas da Teoria das Cordas, eles não vão resolver o teu problema. Se lhes falares dos paradoxos inerentes à concepção do espaço-tempo einsteiniano, eles vão calar o incómodo. Se os interrogares sobre a existência ou inexistência de buracos negros, eles vão discordar. Se estiveres intrigado com o comportamento "poltergeist" dos bosões no Condensado de Bose-Einstein, eles vão-te ensinar apenas a resignação. Enfim, se esperares que te iluminem sobre a razão de seres vivo, sobre a razão do cosmos ser como é ou da partícula ser uma partícula e uma onda ao mesmo tempo, caro leitor, podes esperar sentado. Mas se, num momento irreflectido, cometeres o erro trágico de os inquirires sobre a natureza da fé, bom Jesus, prepara-te: têm verdades absolutas para dar e vender.
Estes senhores, cujos ensinamentos persigo e que respeito muitíssimo, deviam porém saber que não cabe ao cientista a morte de Deus. Esse assassinato só é permitido a três tipos de infelizes: aos artistas, aos filósofos e, idealmente, aos teólogos (embora dentro deste grupo só possamos contar com a facção suicidária).
Aos cientistas compete, ao invés, explicar humildemente aos pobres de espírito que o cosmos é extremamente ávaro com as verdades absolutas. Que devemos moderar as nossas convicções sobre isto ou aquilo e que, na maior parte dos casos, é aconselhável guardar para nós os nossos preconceitos. Até porque, se todos os universos são afinal possíveis, haverá pelo menos um com Deus lá dentro, certo?
A citação com que abro o texto é de um biólogo notável que também faz parte desta ilustre congregação de ateus, embora sirva perfeitamente o meu argumento: a biologia do chimpanzé é mais parecida com a nossa do que com a de um gorila. O Homo Sapiens tem 60.000 anos. É um primata novo e insignificante. Pensar que este bicho rudimentar que aqui está há tão pouco tempo pode entender um universo com 13,7 mil milhões de anos e 170 mil milhões de galáxias é de uma pretensão assustadora. E é esse susto que deve educar sempre a opinião de um cientista.
Richard Dawkins | Something from Nothing
As recentes declarações de Stephen Hawking sobre a inexistência de Deus como uma afirmação da ciência sobre a fé são absolutamente rídiculas, porque estão carregadas - elas próprias - de um carácter profundamente religioso. Na medida em que a Física parece cada vez menos capaz de apresentar um modelo coerente que substitua os aparelhos mitológicos milenarmente instalados, é preciso ser bastante crédulo para ir na conversa do célebre professor de Cambridge.
Esta diatribe é, no entanto e apenas, a crista da onda de um movimento de fundo, constituído por físicos high-profile como Lawrence Krauss, Neil deGrasse Tyson e Alan Guth, entre muitos outros. É curioso verificar que os mesmos cientistas que defendem um universo acidental, um "almoço grátis" de resultado zero e génese extemporânea, no contexto transcendente de um multiverso esquizofrénico e desordenado, em que tudo é possível e em que nada é certo, não deixam porém de se mostrar cada vez mais radicais e arrogantes nas suas convicções sobre a metafísica.
Apesar de anunciarem com alarde a sua estupefacção perante a impenetrabilidade da natureza e a sua caótica manifestação, apesar de chegarem à conclusão triste que as suas conclusões tristes os podem lançar a todos no desemprego, apesar da grande incerteza, apesar da permanência do Mistério, estão cada vez mais convictos de que Deus não existe. E a ironia aqui é que estes físicos, já todos veteranos, só têm na verdade esta certeza. Se lhes perguntares, gentil leitor, pela composição material de 96% do universo, eles não te vão oferecer mais que hipóteses vagas e, muito provavelmente, míopes. Se quiseres saber se o universo terá um fim, eles não serão capazes de uma resposta. Se estiveres confuso com as implicações filosóficas da Teoria das Cordas, eles não vão resolver o teu problema. Se lhes falares dos paradoxos inerentes à concepção do espaço-tempo einsteiniano, eles vão calar o incómodo. Se os interrogares sobre a existência ou inexistência de buracos negros, eles vão discordar. Se estiveres intrigado com o comportamento "poltergeist" dos bosões no Condensado de Bose-Einstein, eles vão-te ensinar apenas a resignação. Enfim, se esperares que te iluminem sobre a razão de seres vivo, sobre a razão do cosmos ser como é ou da partícula ser uma partícula e uma onda ao mesmo tempo, caro leitor, podes esperar sentado. Mas se, num momento irreflectido, cometeres o erro trágico de os inquirires sobre a natureza da fé, bom Jesus, prepara-te: têm verdades absolutas para dar e vender.
Estes senhores, cujos ensinamentos persigo e que respeito muitíssimo, deviam porém saber que não cabe ao cientista a morte de Deus. Esse assassinato só é permitido a três tipos de infelizes: aos artistas, aos filósofos e, idealmente, aos teólogos (embora dentro deste grupo só possamos contar com a facção suicidária).
Aos cientistas compete, ao invés, explicar humildemente aos pobres de espírito que o cosmos é extremamente ávaro com as verdades absolutas. Que devemos moderar as nossas convicções sobre isto ou aquilo e que, na maior parte dos casos, é aconselhável guardar para nós os nossos preconceitos. Até porque, se todos os universos são afinal possíveis, haverá pelo menos um com Deus lá dentro, certo?
A citação com que abro o texto é de um biólogo notável que também faz parte desta ilustre congregação de ateus, embora sirva perfeitamente o meu argumento: a biologia do chimpanzé é mais parecida com a nossa do que com a de um gorila. O Homo Sapiens tem 60.000 anos. É um primata novo e insignificante. Pensar que este bicho rudimentar que aqui está há tão pouco tempo pode entender um universo com 13,7 mil milhões de anos e 170 mil milhões de galáxias é de uma pretensão assustadora. E é esse susto que deve educar sempre a opinião de um cientista.
sexta-feira, outubro 10, 2014
O cosmos acidental.
"We are an accidental universe. And so the historic mission of science, and especially physics, to show that our universe is the unique result of a certain set of fundamental principles is no longer possible. This conclusion makes theoretical physicists extremely unhappy because it means that a lot of our mission is an illusion."
Alan Lightman | Big Think
Corroborando as conclusões completamente inacreditáveis da física contemporânea, de que falei no post anterior, o Professor Alan Lightman, com um ar muito triste, anuncia, em três minutinhos apenas, o fim das ciências cosmológicas como as conhecemos. Se a génese do nosso universo é acidental e, assim, se todos os universos que podemos imaginar são possíveis - ou até mais que possíveis, prováveis - os esforços científicos, experimentais ou teóricos, que procuram determinar as leis do cosmos e entender a sua mecânica, são ilusórios, fúteis, redundantes.
E agora?
quinta-feira, outubro 09, 2014
O regresso do Princípio Antrópico.
"We live in a very special time. The only time when we can observe and verify that we live in a very special time!"
Lawrence Krauss | Life, the Universe and Nothing.
O gráfico em cima ilustra a mais louca conclusão científica das últimas décadas: o Homo Sapiens vive no momento certo da história do universo para se dedicar à cosmologia. Uns biliões de anos atrás e a densidade excessiva da matéria atómica dar-nos-ia uma visão deturpada da realidade. Uns biliões à frente, a energia negra tomará conta do universo, afastando as galáxias umas das outras de tal forma que, daqui a uns triliões de anos, um astrónomo não encontrará mais no universo que uma galáxia apenas: a Via Láctea. Todas as outras galáxias, que a Constante Cosmológica (força cósmica que contraria a gravidade ou energia negra) "empurra", em certos casos a uma velocidade superior à da luz, para longe, ficarão simplesmente para lá do horizonte observável. Para todos os efeitos do observador, desaparecem.
Não deixa de ser curioso que a civilização humana tenha surgido na convergência destas duas densidades, na altura em que elas se cruzam e equilibram para dar aos astrónomos a melhor visão possível do cosmos. Um outro universo, com uma Constante Cosmológica de densidade maior, nunca permitiria à gravidade (uma força relativamente fraca) a congregação das estrelas e dos sistemas solares e, logo, a existência de astrónomos. Uma constante cosmológica de densidade menor, em que as forças gravíticas tivessem mais protagonismo, levaria a um universo condenado a uma implosão precoce, reduzindo muito e de novo a probabilidade de desenvol-vimento de uma raça de mamíferos curiosos, que usam lentes para observar o céu nocturno.
Esta hipótese pode parecer disparatada, mas vale a pena pensarmos nisto com alguma profundidade. Se a soma de toda a matéria negativa e positiva do universo dá resultado zero, como parece ser hoje geralmente aceite, o Big Bang não precisou de energia para acontecer. Simplesmente nasceu do nada. Sendo a sua génese assim tão económica como espontânea, é apenas justo pensar que aconteceram entretanto mais big bangs que deram origem a outros universos, que se regem por leis necessariamente diferentes; e serão tantos os universos como as leis regentes que pudermos conceber, ou mais. É claro que esta hipótese - a de haverem tantos universos que qualquer sistema cosmológico é não só possível como provável, condena a ciência, como a conhecemos, à pena máxima. Neste contexto, para sermos sábios basta sermos imaginativos. Ou sabermos qualquer coisa de matemática. Não precisamos de físicos nem dos astrónomos para nada.
De qualquer forma, se existem muitos e muito diferentes universos e a Constante Cosmológica pode variar e variará em cada um deles, só naqueles em que a densidade dessa Constante está perto dos valores que observamos no nosso universo é que se poderão eventualmente formar galáxias, estrelas, planetas e... astrónomos. Podemos assim conjecturar com alguma confiança que um universo sem astrónomos será muito diverso do nosso. Logo, este nosso universo é como é precisamente porque nele existem astrónomos.
E eis que regressa o homem, esse símio de infinita pretensão, ao centro do seu cosmos.
Mas não acreditem em mim, que sou leigo. O Professor Lawrence Krauss explica tudo isto muito bem e, claro, muito melhor que eu, aqui:
Lawrence Krauss | Life, the Universe and Nothing.
O gráfico em cima ilustra a mais louca conclusão científica das últimas décadas: o Homo Sapiens vive no momento certo da história do universo para se dedicar à cosmologia. Uns biliões de anos atrás e a densidade excessiva da matéria atómica dar-nos-ia uma visão deturpada da realidade. Uns biliões à frente, a energia negra tomará conta do universo, afastando as galáxias umas das outras de tal forma que, daqui a uns triliões de anos, um astrónomo não encontrará mais no universo que uma galáxia apenas: a Via Láctea. Todas as outras galáxias, que a Constante Cosmológica (força cósmica que contraria a gravidade ou energia negra) "empurra", em certos casos a uma velocidade superior à da luz, para longe, ficarão simplesmente para lá do horizonte observável. Para todos os efeitos do observador, desaparecem.
Não deixa de ser curioso que a civilização humana tenha surgido na convergência destas duas densidades, na altura em que elas se cruzam e equilibram para dar aos astrónomos a melhor visão possível do cosmos. Um outro universo, com uma Constante Cosmológica de densidade maior, nunca permitiria à gravidade (uma força relativamente fraca) a congregação das estrelas e dos sistemas solares e, logo, a existência de astrónomos. Uma constante cosmológica de densidade menor, em que as forças gravíticas tivessem mais protagonismo, levaria a um universo condenado a uma implosão precoce, reduzindo muito e de novo a probabilidade de desenvol-vimento de uma raça de mamíferos curiosos, que usam lentes para observar o céu nocturno.
Esta hipótese pode parecer disparatada, mas vale a pena pensarmos nisto com alguma profundidade. Se a soma de toda a matéria negativa e positiva do universo dá resultado zero, como parece ser hoje geralmente aceite, o Big Bang não precisou de energia para acontecer. Simplesmente nasceu do nada. Sendo a sua génese assim tão económica como espontânea, é apenas justo pensar que aconteceram entretanto mais big bangs que deram origem a outros universos, que se regem por leis necessariamente diferentes; e serão tantos os universos como as leis regentes que pudermos conceber, ou mais. É claro que esta hipótese - a de haverem tantos universos que qualquer sistema cosmológico é não só possível como provável, condena a ciência, como a conhecemos, à pena máxima. Neste contexto, para sermos sábios basta sermos imaginativos. Ou sabermos qualquer coisa de matemática. Não precisamos de físicos nem dos astrónomos para nada.
De qualquer forma, se existem muitos e muito diferentes universos e a Constante Cosmológica pode variar e variará em cada um deles, só naqueles em que a densidade dessa Constante está perto dos valores que observamos no nosso universo é que se poderão eventualmente formar galáxias, estrelas, planetas e... astrónomos. Podemos assim conjecturar com alguma confiança que um universo sem astrónomos será muito diverso do nosso. Logo, este nosso universo é como é precisamente porque nele existem astrónomos.
E eis que regressa o homem, esse símio de infinita pretensão, ao centro do seu cosmos.
Mas não acreditem em mim, que sou leigo. O Professor Lawrence Krauss explica tudo isto muito bem e, claro, muito melhor que eu, aqui:
Poema da cadeira de baloiço.
Tenho navios escola ancorados nos meus sonhos e caravelas a zarpar
nos poemas que ainda não escrevi.
Sou marinheiro, no abstracto.
Sou das marés, por defeito.
O Atlântico é a minha religião de ser Português
e tenho memória das odisseias que esqueci
e sou profundamente marítimo na minha quietude de doca seca
e sou profundamente aventureiro na minha cadeira de baloiço
e vou e venho do infinito para o infinito
na doce oscilação deste balanço.
nos poemas que ainda não escrevi.
Sou marinheiro, no abstracto.
Sou das marés, por defeito.
O Atlântico é a minha religião de ser Português
e tenho memória das odisseias que esqueci
e sou profundamente marítimo na minha quietude de doca seca
e sou profundamente aventureiro na minha cadeira de baloiço
e vou e venho do infinito para o infinito
na doce oscilação deste balanço.
terça-feira, setembro 30, 2014
Passageiros clandestinos da máquina do tempo.
Escapists | Blood
Dead Stars | Summer Bummer
By The Sea | Endless Days
Dead Stars | Summer Bummer
By The Sea | Endless Days
Pass the salt, Pepper.
Está no ar, através do Observador, a opinião enfadonha e fútil desta rapariga cujo pseudónimo é Lucy Pepper e que é uma escriba insuportável.
Não é insuportável porque é inglesa, senegalesa ou de Freixo-de-Espada-à-Cinta. Por aquilo que eu sei dela, a rapariga pode ser nativa do inferno e isso, por mim, está muito bem.
Não é insuportável porque vive em Portugal, onde será sempre alienígena, onde será sempre irrelevante, o que é óptimo.
Não é insuportável por ter insuportáveis opiniões filosóficas, sociais ou políticas, porque não as tem, ou se as tem, são envergonhadas.
Não é insuportável por ser uma péssima ilustradora, embora nos pudesse poupar aos arabescos com que salpica a sua prosa, já de si inepta (em Português e em Inglês).
Não é insuportável da maneira que ela pensa que é insuportável: fazer laracha com Portugal é uma tradição mais antiga que o humor Inglês e ninguém pode realmente ser maldito por causa disso.
Lucy Pepper que, obviamente, nem sequer tem a decência de assinar as suas pequenas infâmias com o nome próprio, é insuportável porque é diletante, porque é destituída, porque é banal, aborrecida, pretensiosa e completamente desprovida do espírito que caracteriza invariavelmente os grandes da sua pátria (sendo certo que a rapariga pode ser inglesa tanto como pode ser canadiana ou boliviana ou libanesa, porque o anonimato é um dificultador da geografia política).
Lucy Pepper não é Lucy Pepper: é Stratford-Upon-Haven, sem Shakespeare; é Madam Foxtrot, sem ritmo; é Miss Shallow, sem redenção; é Lady Chatterley, sem amante; é Mary Poppins, sem chapéu de chuva; é uma lástima, um íncómodo, uma irritante comichão num sítio que é impróprio nomear.
Lucy Pepper, cuja imaginação flutua entre o vácuo e o zero absoluto, está sempre a descobrir a pólvora: agora é porque Portugal não existe, depois é porque em Portugal comemos muitos ovos, a seguir é porque a calçada portuguesa dificulta a elegância dos saltos altos, antes tinha sido porque nos chamamos todos doutores e engenheiros uns aos outros e a seguir será porque somos uns fatalistas sem remédio, até que chegue O Prometido. O conjunto de banalidades espúrias com que a rapariga presenteia a audiência do Observador é verdadeiramente aterradora.
É claro que devemos sempre desconfiar de alguém que sai do seu país para ir viver noutro. A única razão válida para o fazer é a da subsistência e, acreditando que a dama Pepper é inglesa, o que está ainda por demonstrar, convenhamos: ninguém vem de Inglaterra para Portugal à procura de prosperar.
A este propósito, interrompo o discorrer da indignação para prestar homenagem à Inglaterra e aos ingleses, que recorrentemente conseguem correr com os seus nativos mais imbecis. A tragédia disto é que muitos deles acham por boa ideia arrumar os seus tristes destinos na minha pátria, que os recebe com a ansiedade do junkie e a gratidão do mendigo.
Lucy Pepper, por exemplo, não passa de uma escriba sofrível, cuja mediocridade lhe deve ter impossibilitado a desejada coluna esperta no jornal local da desventurada aldeia que a pariu.
Lucy Pepper, na verdade, é uma espécie de produto de plástico em segunda mão, versão camone e mastigada do Miguel Esteves Cardoso dos anos noventa, doçaria apimentada e insonsa (gasp!), máquina incógnita de fazer conversa de chacha, inconsciente autora de coisas que já foram, labirintozinho redundante, coisa sem jeito nenhum.
Lucy Pepper, devo-lhe dizer o seguinte: passe o sal. E a seguir, por gentileza, vá bardamerda, sim?
Much Obliged.
Não é insuportável porque é inglesa, senegalesa ou de Freixo-de-Espada-à-Cinta. Por aquilo que eu sei dela, a rapariga pode ser nativa do inferno e isso, por mim, está muito bem.
Não é insuportável porque vive em Portugal, onde será sempre alienígena, onde será sempre irrelevante, o que é óptimo.
Não é insuportável por ter insuportáveis opiniões filosóficas, sociais ou políticas, porque não as tem, ou se as tem, são envergonhadas.
Não é insuportável por ser uma péssima ilustradora, embora nos pudesse poupar aos arabescos com que salpica a sua prosa, já de si inepta (em Português e em Inglês).
Não é insuportável da maneira que ela pensa que é insuportável: fazer laracha com Portugal é uma tradição mais antiga que o humor Inglês e ninguém pode realmente ser maldito por causa disso.
Lucy Pepper que, obviamente, nem sequer tem a decência de assinar as suas pequenas infâmias com o nome próprio, é insuportável porque é diletante, porque é destituída, porque é banal, aborrecida, pretensiosa e completamente desprovida do espírito que caracteriza invariavelmente os grandes da sua pátria (sendo certo que a rapariga pode ser inglesa tanto como pode ser canadiana ou boliviana ou libanesa, porque o anonimato é um dificultador da geografia política).
Lucy Pepper não é Lucy Pepper: é Stratford-Upon-Haven, sem Shakespeare; é Madam Foxtrot, sem ritmo; é Miss Shallow, sem redenção; é Lady Chatterley, sem amante; é Mary Poppins, sem chapéu de chuva; é uma lástima, um íncómodo, uma irritante comichão num sítio que é impróprio nomear.
Lucy Pepper, cuja imaginação flutua entre o vácuo e o zero absoluto, está sempre a descobrir a pólvora: agora é porque Portugal não existe, depois é porque em Portugal comemos muitos ovos, a seguir é porque a calçada portuguesa dificulta a elegância dos saltos altos, antes tinha sido porque nos chamamos todos doutores e engenheiros uns aos outros e a seguir será porque somos uns fatalistas sem remédio, até que chegue O Prometido. O conjunto de banalidades espúrias com que a rapariga presenteia a audiência do Observador é verdadeiramente aterradora.
É claro que devemos sempre desconfiar de alguém que sai do seu país para ir viver noutro. A única razão válida para o fazer é a da subsistência e, acreditando que a dama Pepper é inglesa, o que está ainda por demonstrar, convenhamos: ninguém vem de Inglaterra para Portugal à procura de prosperar.
A este propósito, interrompo o discorrer da indignação para prestar homenagem à Inglaterra e aos ingleses, que recorrentemente conseguem correr com os seus nativos mais imbecis. A tragédia disto é que muitos deles acham por boa ideia arrumar os seus tristes destinos na minha pátria, que os recebe com a ansiedade do junkie e a gratidão do mendigo.
Lucy Pepper, por exemplo, não passa de uma escriba sofrível, cuja mediocridade lhe deve ter impossibilitado a desejada coluna esperta no jornal local da desventurada aldeia que a pariu.
Lucy Pepper, na verdade, é uma espécie de produto de plástico em segunda mão, versão camone e mastigada do Miguel Esteves Cardoso dos anos noventa, doçaria apimentada e insonsa (gasp!), máquina incógnita de fazer conversa de chacha, inconsciente autora de coisas que já foram, labirintozinho redundante, coisa sem jeito nenhum.
Lucy Pepper, devo-lhe dizer o seguinte: passe o sal. E a seguir, por gentileza, vá bardamerda, sim?
Much Obliged.
terça-feira, setembro 23, 2014
Minimal e um scotch.
Wildcat! Wildcat! | End Of The World Everyday
Tudo o que é preciso para conseguir uma excelente versão deste magnífico tema é um baixo, uma pandeireta e 4 vozes. E gelo, para o rapazinho do scotch whisky.
segunda-feira, setembro 22, 2014
Zero must equals one hundred per cent #2
"The universe is the ultimate free lunch."
Alan Guth
Parece que se calcularmos toda a energia do universo o resultado dá zero. Os contributos positivos (das galáxias aos fotões, a matéria e a radiação têm energia positiva) são anulados pelos contributos negativos (os campos gravitacionais são formas de energia negativa), de forma simétrica. E se o resultado é zero, é porque a criação cósmica é um verdadeiro "free lunch". Na verdade, não há lucros nem prejuízos energéticos no acto cosmogónico. Não há investimento nem retorno ao investimento. Para termos um big bang não precisamos de nada. Rigorosamente nada. O universo, neste contexto, pode ser visto como uma gigantesca manifestação de coisa nenhuma.
Referências:
Live Science
Wikipédia
Big Think
Zero must equals one hundred per cent #1
Feynman explica.
"What statement would contain the most information in the fewest words? All things are made of atoms - little particles that move around in perpetual motion, attracting each other when they are a little distance apart, but repelling upon being squeezed into one another."
Richard Feynman - Six Easy Pieces - 1961
No vídeo em cima, resume-se num instantinho a biografia de Richard Feynman (1918-1988). É alguém que importa conhecer porque se trata - claramente - de um dos mais geniais físicos do século XX.
Nos dois vídeos de baixo, Feynman explica, num workshop para leigos, como funciona a vertente laboratorial da física quântica, um assunto que confunde muita gente. E como a realidade se apresenta, do ponto de vista da mecânica das partículas.
O carácter informal da palestra permite-nos entrar de uma forma quase intimista na personalidade de Feynman, na sua linguagem corporal, na sua teatralidade, na sua erudição e vocação pedagógica. Enquanto o físico, que está descalço, discursa sobre a natureza probabilística da luz, irrita-se com as interrupções, engana-se nas contas, volta atrás e salta para a frente da narrativa de forma caótica, deixa cair os marcadores e está constantemente a pisar o fio do microfone. Ainda assim, percebe-se perfeitamente que estamos na presença de um monstro sagrado da ciência.
O Workshop inteiro está aqui.
Recentemente a BBC produziu um bastante competente filme com William Hurt personificando Feynman, no epílogo da sua vida, quando conseguiu descobrir e demonstrar eloquentemente a causa da tragédia do shuttle Challenger.
sábado, setembro 20, 2014
A Escócia e a Caixa de Pandora.
O problema de fundo que foi ontem em boa hora evitado à justa pelos escoceses, é o que decorre do potencial endémico que a independência desta nação poderia ter no sentido da desintegração da geografia política na Europa.
Se os escocesses ganhassem a sua independêcia, o Reino Unido vir-se-ia, num futuro mais ou menos próximo, confrontado com movimentos nacionalistas de diferente intensidade na Irlanda do Norte e no País de Gales. Em Espanha, as já problemáticas ambições independentistas de catalães, bascos e galegos subiriam de tom. Na Bélgica, os flamengos bateriam o pé aos francófonos; na Holanda, levantar-se-ia a velha questão da Frísia. Em Itália, logo se ouviriam os Corsos em protesto pela liberdade da sua ilha. Na Alemanha, os bávaros ganhariam fôlego para as suas aspirações fracturantes, enquanto os alemães que vivem em França (Alsácia e Sabóia), na Silésia (sudoeste da Polónia) e no sul da Dinamarca perguntar-se-iam se não tinha chegado a hora de voltar a entregar à Alemanha os territórios que detinha em 1914.
Os eslovenos que ficaram encurralados na Aústria, os macedónios que ficaram esquecidos na Bulgária e na Grécia, os húngaros que foram abandonados na Eslováquia, os dinamarqueses que ficaram fechados na Alemanha, os morávios que ficaram entalados entre a República Checa e a Eslováquia, os Russos da Letónia, os curdos da Turquia, os turcos da Macedónia, os dementes da Cornualha, os atrasados mentais da Bretanha, os tripeiros do Porto, os palermas da Ilha da Madeira e os imbecis de toda a parte teriam novas e ainda mais infelizes razões para incomodarem as pessoas de bom senso com as suas bandeirinhas e as suas contas por acertar. A Europa, todos sabemos, tem sempre contas por acertar e, geralmente, são contas que apenas ficam certas com muitos milhões de mortos. Basta pensar no recente processo de transformação geopolítica dos balcãs para ficarmos horrorizados com um cenário de trend independentista à escala continental.
Além disso, a última coisa que a Europa precisa, neste momento, é de se perder em identidades labirínticas, economicamente inviáveis, fechadas no seu imaginário emocional com raízes num passado que é, invariavelmente, virulento e ensanguentado. A Europa não precisa de encolher. Não precisa de se retalhar. Precisa de se transcender.
É certo que o Não escocês resolve pouco. 55% deixa muita margem de manobra para novas pressões plebiscitárias no médio-longo prazo e o resultado deste referendo não vai calar de certeza a triste massa de retardados a que costumamos chamar catalães. Um cenário de desagregação em Espanha será sempre mais grave que a implosão do Reino Unido, na medida em que a Inglaterra terá ainda assim condições para permanecer uma potência, enquanto na Península Ibérica não há uma só nação que permaneça forte contando apenas consigo própria.
Mais a mais, não vale a pena ignorar o elefante cor de rosa que está sentado no centro da arena desta conversa: a maior parte dos estados europeus não são realmente independentes, muito simplesmente porque dependem da União Europeia e de super-estruturas tecno-económicas que ultrapassam largamente a sua autonomia e capacidade executiva. Os movimentos Independentistas europeus anseiam pela autodeterminação só para depois entregarem essa liberdade aos burocratas de Bruxelas, aos adolescentes multimilionários que dominam a inovação tecnológica e aos caciques do terceiro mundo que detêm o poder fiduciário. Ora, isto não faz sentido nenhum. Se fosse escocês, preferia mil vezes depender de Westminster do que depender da Comissão Europeia, dos caprichos de um Zuckerberg qualquer ou dos infames interesses de um sheik das arábias.
Seja como for, saúdo os escoceses por terem feito o possível por manter fechada a Caixa de Pandora. E por terem dado mostras que o Reino Unido continua, afinal, na vanguarda da civilização, da democracia e do bom senso.
Se os escocesses ganhassem a sua independêcia, o Reino Unido vir-se-ia, num futuro mais ou menos próximo, confrontado com movimentos nacionalistas de diferente intensidade na Irlanda do Norte e no País de Gales. Em Espanha, as já problemáticas ambições independentistas de catalães, bascos e galegos subiriam de tom. Na Bélgica, os flamengos bateriam o pé aos francófonos; na Holanda, levantar-se-ia a velha questão da Frísia. Em Itália, logo se ouviriam os Corsos em protesto pela liberdade da sua ilha. Na Alemanha, os bávaros ganhariam fôlego para as suas aspirações fracturantes, enquanto os alemães que vivem em França (Alsácia e Sabóia), na Silésia (sudoeste da Polónia) e no sul da Dinamarca perguntar-se-iam se não tinha chegado a hora de voltar a entregar à Alemanha os territórios que detinha em 1914.
Os eslovenos que ficaram encurralados na Aústria, os macedónios que ficaram esquecidos na Bulgária e na Grécia, os húngaros que foram abandonados na Eslováquia, os dinamarqueses que ficaram fechados na Alemanha, os morávios que ficaram entalados entre a República Checa e a Eslováquia, os Russos da Letónia, os curdos da Turquia, os turcos da Macedónia, os dementes da Cornualha, os atrasados mentais da Bretanha, os tripeiros do Porto, os palermas da Ilha da Madeira e os imbecis de toda a parte teriam novas e ainda mais infelizes razões para incomodarem as pessoas de bom senso com as suas bandeirinhas e as suas contas por acertar. A Europa, todos sabemos, tem sempre contas por acertar e, geralmente, são contas que apenas ficam certas com muitos milhões de mortos. Basta pensar no recente processo de transformação geopolítica dos balcãs para ficarmos horrorizados com um cenário de trend independentista à escala continental.
Além disso, a última coisa que a Europa precisa, neste momento, é de se perder em identidades labirínticas, economicamente inviáveis, fechadas no seu imaginário emocional com raízes num passado que é, invariavelmente, virulento e ensanguentado. A Europa não precisa de encolher. Não precisa de se retalhar. Precisa de se transcender.
É certo que o Não escocês resolve pouco. 55% deixa muita margem de manobra para novas pressões plebiscitárias no médio-longo prazo e o resultado deste referendo não vai calar de certeza a triste massa de retardados a que costumamos chamar catalães. Um cenário de desagregação em Espanha será sempre mais grave que a implosão do Reino Unido, na medida em que a Inglaterra terá ainda assim condições para permanecer uma potência, enquanto na Península Ibérica não há uma só nação que permaneça forte contando apenas consigo própria.
Mais a mais, não vale a pena ignorar o elefante cor de rosa que está sentado no centro da arena desta conversa: a maior parte dos estados europeus não são realmente independentes, muito simplesmente porque dependem da União Europeia e de super-estruturas tecno-económicas que ultrapassam largamente a sua autonomia e capacidade executiva. Os movimentos Independentistas europeus anseiam pela autodeterminação só para depois entregarem essa liberdade aos burocratas de Bruxelas, aos adolescentes multimilionários que dominam a inovação tecnológica e aos caciques do terceiro mundo que detêm o poder fiduciário. Ora, isto não faz sentido nenhum. Se fosse escocês, preferia mil vezes depender de Westminster do que depender da Comissão Europeia, dos caprichos de um Zuckerberg qualquer ou dos infames interesses de um sheik das arábias.
Seja como for, saúdo os escoceses por terem feito o possível por manter fechada a Caixa de Pandora. E por terem dado mostras que o Reino Unido continua, afinal, na vanguarda da civilização, da democracia e do bom senso.
quinta-feira, setembro 18, 2014
Haikus do alto da falésia.
Da praia sobe o ruído
De ondas
E crianças.
Deus também tem cócegas.
-------
Os
Dias
Passam
Em
Slow
Motion.
Até os sonhos
Se demoram.
-------
Aqui em cima
O tempo dura mais tempo.
Dir-se-ia que a morte
Não tem pressa.
-------
É a vida que é curta
Ou é o homem que é ávido?
-------
A gaivota desliza pela corrente de ar
Com erudição e elegância.
A liberdade faz sentido estético.
-------
No alto da falésia
A baía é mais bonita
Do que lá em baixo
Me parece.
Talvez aos deuses
Pareça o mundo
Da mesma maneira.
-------
A buganvília ressuscitou
com um litro de água.
A vida quer ser vida.
-------
Ninguém faz a guerra
Depois de uma boa refeição.
-------
Haikus de Kobayashi
Haikus do Tempo Suspenso
terça-feira, setembro 16, 2014
Do alto da falésia.
O sol faz-me prazer no corpo.
Gosto de sentir a pele a tostar:
há aqui uma transferência de plasmas
- entre mim e o sol -
que é uma espécie de sexo;
que é fecunda e generosa.
Enquanto consumo a tua energia, estrela,
dou-te de volta uma utopia cosmogónica;
retribuo com fé na grande ordem do universo,
respondo com as fúrias da felicidade e as raivas da paz;
sou enfim significante para mim como para o abismo,
sábio finalmente, perante o mistério.
-------
Hoje afoguei milhares de formigas, com uma mangueirada.
Peço desculpa aos deus das formigas.
Estou arrependido.
-------
Uma tarde de sol, depois da manhã opaca.
Uma varanda com o Atlântico em frente.
Um Gordons tónico. Ou dois.
Um maço de cigarros.
Um livro de história e outro de poemas.
Um bloco de notas.
A Parker roliça que me acompanha sempre.
E à noite vou ao Canhão à procura de um dos magníficos pregados que aquela traineira ali
traz agora à doca.
-------
A mais justa filosofia de vida é a de esperar que ela passe.
-------
A noite pacífica fechou o horizonte, mas do outro lado da baía há relâmpagos que desafiam a treva.
O troar quase não me chega, porque o sussuro da maré é ensurdecedor. (E porque estou a ouvir Manchester Orchestra).
-------
Antínoo, estátua de ti mesmo, quantas muralhas ergueu Adriano para te defender?
De que império impossível vieste, com que barro improvável foi gerada
a tua beleza de negativo de deus,
serigráfica silhueta com testículos perfeitos e mamilos de criança.
Antínoo, maldição estética num tratado de anatomia, fidelíssimo soldado da batalha do fim,
ideal romano de morrer cedo para viver eterno,
supremo sacríficio em nome da vaidade dos deuses;
Antínoo. Foi para ti, já morto, que o imperador construiu o futuro.
-------
Já só escrevo para entreter os dedos.
sexta-feira, agosto 29, 2014
Dez minutos de alta competição.
Não costumo seguir a Vuelta, mas este ano é impossível ignorá-la. Muito por causa do desastre de estrelas que foi o Tour de France, esta edição contou à partida com 4 candidatos à vitória: Alberto Contador (que recuperou a tempo da fractura na tíbia), Chris Froome (que desistiu do Tour muito cedo), Nairo Quintana (depois ter ganho o Giro e de ter evitado o Tour, era o candidato natural ao primeiro lugar da geral) e Joaquim Rodriguez (porque esteve no Tour em ritmo de treino precisamente para tentar em Espanha o primeiro título numa prova de 3 semanas).
Ora, depois da Etapa de ontem, a Vuelta ganhou mais um favorito: Valverde. O chefe de equipa da Movistar, que tinha falhado com estrondo o pódio no Tour e que, aparentemente, estava na competição apenas para ajudar Quintana a conquistá-la, fez a terrível subida de La Zubia como se não houvesse amanhã: acarinhou Quintana como devia, levando-o na sua roda pela colina a cima a um ritmo desenfreado - principalmente se considerarmos as terríveis condições climatéricas e topográficas desta subida; mas quando Rodriguez ataca, a 700 metros do fim, Valverde apercebe-se de que o colombiano não tem resposta para dar e, num relâmpago de glória pura e dura, acelera por ali a fora para a vitória na etapa, deixando Froome, Contador, Rodriguez e Quintana à beira de um ataque cardíaco e a fazer contas à vida. Depois de ter liderado e destruído completamente o pelotão durante a contagem de primeira categoria que concluía a etapa, o veterano campeão espanhol ainda teve pernas para dar espectáculo. Incrível.
Estes últimos dez minutos da 6ª etapa da Vuelta são um hino ao ciclismo de alta competícão. E, sinceramente, têm mais emoção e nobreza que um campeonato do mundo de futebol inteirinho.
quarta-feira, agosto 27, 2014
Postulados da União Fraterna.
Tive na vida tantos amigos como na Europa houve guerras e mais,
muitos mais amigos terei até morrer, na proporção das guerras que o futuro guarda
para o velho continente.
Sei de amizade como poucos.
Sou um especialista e só não faço carreira académica desta erudição
porque não há nas academias um douto que saiba o suficiente sobre a amizade
para perceber que eu sei o que sei.
A amizade não é substância lírica e é difícil
escrever um poema belo,
um poema imortal e definitivo com tudo o que há para dizer.
O primeiro postulado que me ocorre
não é belo e muito menos lírico:
a amizade entre dois seres de sexo diferente é um mito.
Maricas e fufas à parte (não me atrevo a teorizar contextos étnicos),
a amizade entre dois seres do mesmo sexo é a única possível
porque um amigo não pode ser alguém a quem faças um broche e
há sempre sexo entre duas pessoas de sexo diferente,
mesmo quando essas duas pessoas não se querem sexualmente:
A negação da possibilidade de sexo é sexual como tudo.
O segundo postulado ainda é mais deprimente:
A amizade é uma abstração e não sobrevive à realidade impositiva
do ego.
É uma força vital enquanto motriz do amor próprio.
Gosto mais de mim por ser amigo de Cicrano.
Decorre daqui um terrível Terceiro Postulado:
quanto mais apaixonada é uma determinada amizade,
mais volátil é a sua breve história.
Como a paixão romântica, o encantamento fraterno é de curta duração
- convenhamos, ninguém consegue fazer com que eu goste de mim por muito tempo.
O Quarto Postulado é óbvio: o equilibrio necessário à satisfação concomitante
dos egos envolvidos na relação é tão precário
como o das colunas de Hércules.
O Quinto Postulado é lapidar: um bom amigo é um excelente substituto
para o psicólogo
e se há desgraçados que consultam psicólogos é porque não souberam fazer amigos
e só devem frequentar o consultório o tempo suficiente para aprender a fazê-los.
O Sexto é proverbial: os amigos não são para as ocasiões.
Apesar do Quinto Postulado, nenhuma amizade resiste a uma overdose
de utilitarismo.
Podes embebedar-te todas as noites com o mesmo amigo.
Podes telefonar-lhe todos os dias, com uma anedota nova.
Podes viver com ele, trabalhar com ele, ir às putas com ele,
Podes infectar a vida dele com as tuas manias, os teus desejos, os teus gostos, mas
não deves abusar dos queixumes e das solicitações,
dos monólogos e das vaidades,
das preocupações e das falências,
dos medos e das angústias, afinal, nunca te esqueças:
tu existes para que o teu amigo se sinta bem com ele próprio (Segundo Postulado)
e como é que um amigo consegue fazer isso perante a tua constante
choradeira?
O Sétimo Postulado é um anexo do Sexto:
nunca peças dinheiro emprestado a um amigo. Os bancos estão lá precisamente
para te salvar dessa catástrofe.
O dinheiro, como o sexo, é um corpo cancerígeno no organismo da amizade.
Enquanto estás a dever dinheiro a um amigo, a amizade fica em suspenso.
E depois de lhe teres pago, nada vai ser como dantes, porque ele, num certo dia,
emprestou-te x.
Porque tu, num certo dia,
lhe pediste y.
De certa forma, pedir dinheiro a um amigo é como
abrir o motor de um automóvel:
sai sempre mais caro do que se está à espera.
O Oitavo Postulado é o reflexo do Sétimo:
Nunca emprestes dinheiro a um amigo. No máximo dos máximos, recomenda-lhe
um agiota.
Quando emprestas dinheiro a um amigo e ele te paga,
nunca vai reconhecer que de qualquer forma tu o ajudaste ou, ao contrário,
vai manifestar constantemente a sua gratidão
com acrescidas solicitações fiduciárias.
Não há amigo mais pedinchas que aquele orgulhoso por pagar a tempo e horas.
O amigo que não paga, ao menos, terá um vestígio de vergonha por não te ter pago
e assim, a possibilidade de te voltar a pedir dinheiro emprestado é reduzida.
Neste caso, porém, ficarás numa situação muito difícil:
se reclamas o dinheiro que lhe emprestaste, estarás a submetê-lo
a uma dose de humilhação absolutamente interdita
(conforme os Segundo e Quarto postulados)
e a submeter-te a ti próprio à calúnia: ofendido na sua sensibilidade de vigarista,
o teu amigo envenará a opinião pública com acusações de mesquinhez e avarice.
Mas se fazes de conta que não foste espoliado, aumentarás drasticamente
a possibilidade de novos pedidos de empréstimo.
E um amigo que não paga à primeira, não vai pagar à segunda, não é?
Ainda por cima, é muito mais fácil recusar um empréstimo logo à primeira tentativa.
Se emprestares agora e te recusares depois, o teu amigo vai sentir essa negativa
como uma inversão do trend afectivo que até aí vos unia. Ou pior ainda:
vai querer saber porque mudaste de estratégia!
O Nono Postulado diz assim: podes ir para a cama
com o parceiro sexual do teu amigo,
mas nunca por nunca lhe digas a verdade.
Mesmo que o teu amigo saiba perfeitamente que o encornaste à grande,
não há conversa, não há confissão, não há arrependimento expresso
nem vergonha assumida
que te salve do ódio e que o compense da humilhação.
Se queres manter a amizade, fica caladinho.
O Décimo Postulado avisa: sempre que ouvires alguém dizer
que o homem é um ser eminentemente social, desconfia.
Deve ser alguém que está desesperado por fazer amigos
e se há alguém no mundo que não serve para ser teu amigo - acredita -
é exactamente o infeliz que precisa disso como ninguém.
O Décimo Primeiro Postulado é terminal:
se pensas que a amizade te vai salvar do horror da vida
estás redondamente enganado.
Como tudo o resto na miserável existência a que foste condenado pelos deuses,
a amizade é uma abundante fonte de frustações, problemas e agonias.
Quando esperares lealdade, serás traído;
quando contares com a tolerância, serás julgado;
quando precisares de companhia, serás abandonado e
quando exigires a verdade, serás iludido.
O Décimo Segundo Postulado é de uma exigência atroz:
se não deres o teu máximo, se não te entregares completamente,
se não ofereceres, de mão beijada, tudo o que tens de melhor
àquele outro que é objecto do teu desejo fraterno
nunca saberás o que é um amigo a sério,
nunca irás experimentar o doce e grato prazer da amizade incondicional,
intensa, calorosa, generosa, épica,
aquele género onírico, utópico e contrafactual de amizade que, na verdade,
só existe na tua mente delirante.
A amizade é absolutamente contraproducente
e este é o Décimo Terceiro e último Postulado.
muitos mais amigos terei até morrer, na proporção das guerras que o futuro guarda
para o velho continente.
Sei de amizade como poucos.
Sou um especialista e só não faço carreira académica desta erudição
porque não há nas academias um douto que saiba o suficiente sobre a amizade
para perceber que eu sei o que sei.
A amizade não é substância lírica e é difícil
escrever um poema belo,
um poema imortal e definitivo com tudo o que há para dizer.
O primeiro postulado que me ocorre
não é belo e muito menos lírico:
a amizade entre dois seres de sexo diferente é um mito.
Maricas e fufas à parte (não me atrevo a teorizar contextos étnicos),
a amizade entre dois seres do mesmo sexo é a única possível
porque um amigo não pode ser alguém a quem faças um broche e
há sempre sexo entre duas pessoas de sexo diferente,
mesmo quando essas duas pessoas não se querem sexualmente:
A negação da possibilidade de sexo é sexual como tudo.
O segundo postulado ainda é mais deprimente:
A amizade é uma abstração e não sobrevive à realidade impositiva
do ego.
É uma força vital enquanto motriz do amor próprio.
Sou amigo de Beltrano porque ele tem para mim uma qualidade rara:
a de me fazer sentir bem comigo.
Ou de outra maneira:a de me fazer sentir bem comigo.
Gosto mais de mim por ser amigo de Cicrano.
Decorre daqui um terrível Terceiro Postulado:
quanto mais apaixonada é uma determinada amizade,
mais volátil é a sua breve história.
Como a paixão romântica, o encantamento fraterno é de curta duração
- convenhamos, ninguém consegue fazer com que eu goste de mim por muito tempo.
O Quarto Postulado é óbvio: o equilibrio necessário à satisfação concomitante
dos egos envolvidos na relação é tão precário
como o das colunas de Hércules.
O Quinto Postulado é lapidar: um bom amigo é um excelente substituto
para o psicólogo
e se há desgraçados que consultam psicólogos é porque não souberam fazer amigos
e só devem frequentar o consultório o tempo suficiente para aprender a fazê-los.
O Sexto é proverbial: os amigos não são para as ocasiões.
Apesar do Quinto Postulado, nenhuma amizade resiste a uma overdose
de utilitarismo.
Podes embebedar-te todas as noites com o mesmo amigo.
Podes telefonar-lhe todos os dias, com uma anedota nova.
Podes viver com ele, trabalhar com ele, ir às putas com ele,
Podes infectar a vida dele com as tuas manias, os teus desejos, os teus gostos, mas
não deves abusar dos queixumes e das solicitações,
dos monólogos e das vaidades,
das preocupações e das falências,
dos medos e das angústias, afinal, nunca te esqueças:
tu existes para que o teu amigo se sinta bem com ele próprio (Segundo Postulado)
e como é que um amigo consegue fazer isso perante a tua constante
choradeira?
O Sétimo Postulado é um anexo do Sexto:
nunca peças dinheiro emprestado a um amigo. Os bancos estão lá precisamente
para te salvar dessa catástrofe.
O dinheiro, como o sexo, é um corpo cancerígeno no organismo da amizade.
Enquanto estás a dever dinheiro a um amigo, a amizade fica em suspenso.
E depois de lhe teres pago, nada vai ser como dantes, porque ele, num certo dia,
emprestou-te x.
Porque tu, num certo dia,
lhe pediste y.
De certa forma, pedir dinheiro a um amigo é como
abrir o motor de um automóvel:
sai sempre mais caro do que se está à espera.
O Oitavo Postulado é o reflexo do Sétimo:
Nunca emprestes dinheiro a um amigo. No máximo dos máximos, recomenda-lhe
um agiota.
Quando emprestas dinheiro a um amigo e ele te paga,
nunca vai reconhecer que de qualquer forma tu o ajudaste ou, ao contrário,
vai manifestar constantemente a sua gratidão
com acrescidas solicitações fiduciárias.
Não há amigo mais pedinchas que aquele orgulhoso por pagar a tempo e horas.
O amigo que não paga, ao menos, terá um vestígio de vergonha por não te ter pago
e assim, a possibilidade de te voltar a pedir dinheiro emprestado é reduzida.
Neste caso, porém, ficarás numa situação muito difícil:
se reclamas o dinheiro que lhe emprestaste, estarás a submetê-lo
a uma dose de humilhação absolutamente interdita
(conforme os Segundo e Quarto postulados)
e a submeter-te a ti próprio à calúnia: ofendido na sua sensibilidade de vigarista,
o teu amigo envenará a opinião pública com acusações de mesquinhez e avarice.
Mas se fazes de conta que não foste espoliado, aumentarás drasticamente
a possibilidade de novos pedidos de empréstimo.
E um amigo que não paga à primeira, não vai pagar à segunda, não é?
Ainda por cima, é muito mais fácil recusar um empréstimo logo à primeira tentativa.
Se emprestares agora e te recusares depois, o teu amigo vai sentir essa negativa
como uma inversão do trend afectivo que até aí vos unia. Ou pior ainda:
vai querer saber porque mudaste de estratégia!
O Nono Postulado diz assim: podes ir para a cama
com o parceiro sexual do teu amigo,
mas nunca por nunca lhe digas a verdade.
Mesmo que o teu amigo saiba perfeitamente que o encornaste à grande,
não há conversa, não há confissão, não há arrependimento expresso
nem vergonha assumida
que te salve do ódio e que o compense da humilhação.
Se queres manter a amizade, fica caladinho.
O Décimo Postulado avisa: sempre que ouvires alguém dizer
que o homem é um ser eminentemente social, desconfia.
Deve ser alguém que está desesperado por fazer amigos
e se há alguém no mundo que não serve para ser teu amigo - acredita -
é exactamente o infeliz que precisa disso como ninguém.
O Décimo Primeiro Postulado é terminal:
se pensas que a amizade te vai salvar do horror da vida
estás redondamente enganado.
Como tudo o resto na miserável existência a que foste condenado pelos deuses,
a amizade é uma abundante fonte de frustações, problemas e agonias.
Quando esperares lealdade, serás traído;
quando contares com a tolerância, serás julgado;
quando precisares de companhia, serás abandonado e
quando exigires a verdade, serás iludido.
O Décimo Segundo Postulado é de uma exigência atroz:
se não deres o teu máximo, se não te entregares completamente,
se não ofereceres, de mão beijada, tudo o que tens de melhor
àquele outro que é objecto do teu desejo fraterno
nunca saberás o que é um amigo a sério,
nunca irás experimentar o doce e grato prazer da amizade incondicional,
intensa, calorosa, generosa, épica,
aquele género onírico, utópico e contrafactual de amizade que, na verdade,
só existe na tua mente delirante.
A amizade é absolutamente contraproducente
e este é o Décimo Terceiro e último Postulado.
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