Em vez de doutrinarem as criaturas em marxismo, ódio racial, ódio sexual e apocalipses climáticos, ensinem as matérias que são pagos para ensinar. Ensinem história se ensinam história. Ensinem filosofia se ensinam filosofia. Ensinem matemática se ensinam matemática. Não tentem educar as massas (a educação é tarefa dos pais e não dos professores) nem preparar os revolucionários do futuro (porque é muito provável que os revolucionários do futuro acabem por levar-vos à guilhotina que vocês ajudaram a montar). Parem já com o revisionismo histórico e a reinvenção do materialismo dialéctico e limitem-se a papaguear os ensinamentos que outros mais elevados seres humanos deixaram como legado e que vos cabe apenas repetir. De resto, refastelem-se nos vossos confortáveis e barrigudos estilos de vida e agradeçam esses privilégios aos deuses - que vos permitem a desnaturada existência, e à sociedade - que vos paga a alta burguesia.
terça-feira, outubro 20, 2020
A discoteca da minha vida #71: "Black Market Music", Placebo
"It's your fault that God's in crisis"
Se a minha lista de discos fabulosos fosse minimamente justa, os Placebo já tinham subido ao palco no século XX, só que o objectivo desta humilde iniciativa não é a justiça, mas o egocentrismo, e o disco fundamental desta banda, no contexto da minha vidinha, é o terceiro: "Black Market Music", lançado no redondo ano de 2000.
Os Placebo configuram um género de fenómeno poltergeist, mas ao contrário: sendo que a intenção de Brian Molko é inevitavelmente a de assustar a audiência com uma visão do mundo e da existência humana que deixaria Jean Paul Sartre meio envergonhado, a verdade é que o resultado final, muito por culpa dos acordes de Stefan Olsdal, é contraditoriamente elevado e inspirador. Da cave berço de todos os pesadelos, somos rápida e energicamente transportados pelo elevador da glória ao terraço de todas as possibilidades. A música desta malta é só aparentemente um elogio da eutanásia. Quando os ouvimos melhor, quando entramos neste universo denso e difícil e picaresco, percebemos que afinal se trata de um processo de redenção. "Black Market Music" não foi feito para incentivar o suicida, foi feito para o convencer a permanecer vivo. Sim, a vida é fodida. Sim, vais ter que aprender a lidar com o sofrimento. Sim, vais aparecer com um olho negro na entrevista para o emprego mais importante da tua vida. Sim, vais levar com um valente par de cornos, ou dois. Sim, os teus pais isto e aquilo. Sim, às vezes dá a sensação que há qualquer coisa de profundamente errado contigo. Sim e ainda assim: continua. Passivo-agressivo, deprimido-coitado, desperdício ontológico na sarjeta do inferno. Continua. Até que os deuses te obriguem a devolver os átomos que pediste emprestado ao universo, pega numa guitarra e continua.
Placebo. Estes rapazes não são bem uma banda. São o diabo de um monumento ao rock.
segunda-feira, outubro 19, 2020
O herói improvável.
Na etapa de ontem, a mais difícil do Giro até ao momento, João Almeida perdeu tempo para o seu mais directo adversário, Wilco Kelderman, mas, ao conservar a liderança da prova num esforço solitário e hercúleo pela cruel subida de Piancavallo acima, deixando gente consagrada como Nibali e Majka e Bilbau para trás, provou em definitivo que é um voltista e que, nos próximos anos, vamos ter um português a bater-se com os melhores profissionais do circuito internacional de ciclismo. Se o João tivesse nem que fosse um só companheiro de equipa com ele nesta derradeira subida, as coisas teriam sido muito diferentes e eu estaria aqui a prever uma vitória portuguesa no Giro. Mas a Quick Step, sendo a equipa mais vitoriosa da primeira divisão do ciclismo mundial, não está programada para ganhar competições de 3 semanas e não trouxe escaladores que acompanhem a pedalada necessária, até porque ninguém esperava que o puto de 22 anos das Caldas da Rainha tivesse pernas e condição anímica para liderar a prova, à entrada para o seu último terço.
domingo, outubro 18, 2020
A discoteca da minha vida #70: "The Hour Of Bewilderbeast", Badly Drawn Boy
E o primeiro longa duração deste século por acaso até é um daqueles que amo muito, muito especialmente: "The Hour Of Bewilderbeast", da inspirada autoria do Rapaz Mal Desenhado.
Há tanta coisa, há tantas músicas que adoro neste disco que nem sei como começar. Damon Michael Gough, aka Badly Drawn Boy, é o género de músico e compositor que nasceu para fornecer generosas doses de contentamento e consolação àqueles como eu, que gostam de canções bem dispostas, bem ritmadas, criadas para fazer as pazes com a vida enquanto testamos a agilidade das articulações, porque ninguém consegue ficar mal disposto, ou estático, enquanto ouve "Once Aroud The Block", por exemplo.
O disco, que por acaso até é o primeiro deste simpatiquíssimo autor, vale por uma embalagem extra-grande de Prozac. Vale por não sei quantas curas para a ressaca. E o bom do Damon há-de ter um lugar já reservado no paraíso, por ter feito, com a sua jovial veia, tanta gente feliz.
quarta-feira, outubro 14, 2020
Bach. Como deve ser tocado.
Xaver Varnus plays Toccata and Fugue in D minor on the great Sauer Organ of the Berliner Dom. Recorded live on the Opening Night of the "Berliner Internationaler Orgelsommer 2013".
terça-feira, outubro 13, 2020
Epitáfio
fui parido a tantos do tal,
serei enterrado no prazo normal.
Vivi a mais sinóptica das biografias,
história sem memória e voz sem audiência.
Nunca exerci poder ou trafiquei influência
e já dentro da idade foi a mediocridade
que me conservou a inocência.
Não fiz filhos por cautela
e evitei sarilhos como a febre amarela;
não sofri torturas nem conjurei vilanias.
A minha vida são dois dias
mas com uma noite apenas:
aquela em que cai cansado, enrolado enfim
no colchão das penas
que tenho de mim.
A minha vida são dois dias:
aquele em que fui nado,
aquele em que serei terminado.
Não provei doce glória ou exagerei alegrias
e às tragédias fui poupado.
Amei esporadicamente e esporadicamente fui amado;
dança de um só passo que no silêncio deste espaço
não há tango nem fado.
Deixo a mais sintética das biografias:
não fui senhor, não fui criado,
nasci em Portugal e em Portugal serei sepultado.
A minha vida são dois dias
de horas céleres e vazias;
nunca me aconteceu nada de especial,
foi discreto o meu astral
e morrerei de um qualquer mal.
A minha vida são dois dias
mas com uma noite apenas:
aquela em que adormeci ferido
na mais doce das arenas
e sonhei romano com o ser humano
que podia ter sido.
Que raça de coisa gira é esta?
O último disco dos Neighbourhood é de difícil entendimento para a inteligência dos ouvidos. Ainda não percebi bem se é um fracasso ou um triunfo. Tenho que ouvir mais vezes. Mas esta música aqui, que explica bem o carácter híbrido de "Chip Chrome And The Mono-Tones", mata-me completamente.
The Neighbourhood . Lost In Translation
A Scotland Yard como polícia política.
Numa entrevista à BBC, o youtuber Darren Grimes disse que escravatura não é o mesmo que genocídio. Vai daí, a Scotland Yard abriu uma investigação sobre o rapaz, por alegada intenção de fomentar o ódio racial.
Podemos concordar com Grimes ou não. Eu por acaso não concordo. Concordo porém com o direito que ele tem de pensar assim ou assado e de dizer o que lhe apetecer. Ao direito que temos de pensar assim ou assado e de dizer o que nos apetecer chamamos livre arbítrio (ou liberdade de expressão, se quiserem). E o livre arbítrio é, em muitos casos, protegido constitucionalmente pela nações ocidentais.
O problema é que a constituição inglesa é consuetudinária (fundamenta-se no costume e não no formalismo de um documento escrito), o que sempre foi um ponto de honra para os bifes, enquanto o mundo vivia tempos normais. Como vivemos na mais absurda anormalidade, faz agora falta aos bifes um documento constitucional que proteja malucos como Darren Grimes. Porque chegarmos ao ponto em que a polícia abre investigações sobre cidadãos por causa da opinião que têm sobre isto ou aquilo parece-me, no mínimo e para não estar para aqui a irritar-me com as minha próprias palavras, preocupante.
Uma polícia que fiscaliza aquilo que as pessoas pensam e dizem é, necessariamente, uma polícia política. E só existem polícias políticas em estados totalitários. Logo, esta inacreditável decisão da Scotland Yard, que vem no seguimento de outras do género, coloca em questão a natureza do estado e do regime britânico.
Isto vai de mal a pior.
segunda-feira, outubro 12, 2020
A discoteca da minha vida #68: "Californication", Red Hot Chili Peppers
Da glória dos atletas à infâmia dos jornalistas.
Ontem aconteceu um fenómeno poltergeist, no Giro d'Italia. No cimo do Roccaraso, Ruben Guerreiro ultrapassou Castroviejo para ser o segundo português de sempre a ganhar uma etapa no Giro, somando à vitória os pontos que são suficientes para passar a ser o novo proprietário da camisola Azzurri (líder da montanha). Para ajudar à festa, o espectacular João Almeida, que como já tinha avisado aqui, é um ciclista com grande futuro e que está a fazer um Giro absolutamente fenomenal (já lidera a prova desde a terceira etapa) resistiu a mais um jornada de alto nível de dificuldade, perdendo uns poucos segundos para alguns dos favoritos, mas garantindo a camisola Rosa (e a Bianca também, porque é o melhor classificado entre os sub 23) por mais uns dias, e ainda com uma vantagem mais ou menos confortável, de 30 segundos, sobre o segundo classificado, Wilco Kelderman, e de 1 minuto sobre Vincenzo Nibali, o favorito entre os favoritos. E se considerarmos que a etapa mais decisiva da próxima semana será provavelmente o contrarrelógio, que pode favorecer o ciclista português, é bem possível que João Almeida chegue às altitudes alpinas da terceira semana do Giro com uma vantagem um pouquinho mais expressiva. A ver vamos.
Seja como for, para quem gosta de ciclismo, o dia 11 de Outubro de 2020 vai ficar bem na gravado na memória como um dos episódios mais importantes da história do desporto nacional. E devo confessar que vivi momentos de intensa emoção e pura alegria. Primeiro com o Ruben, depois com o João. Numa etapa só. Que pinta.
Resta uma nota sobre a merda de jornalismo que temos: no site da Bola, não há um destaque para o que aconteceu ontem. No site do Record é para aí a sétima notícia. No Público, é a nona notícia na página de desporto, porque na homepage, nada. No Observador, a homepage destaca este dia inesquecível depois de cinco notícias sobre o miserável jogo de futebol entre Portugal e a França, que eu não vi mas tenho a certeza que foi miserável como são todos os jogos de futebol da selecção nacional desde que é comandada pelo homem-depressão, rei do empata, grão duque da mediocridade, carrasco de qualquer hipótese de espectáculo, mais conhecido por Fernando Santos.
No caso do Observador, sempre recordista da imbecilidade e da infâmia, o triunfo de Nadal no Roland Garros tem mais destaque do que aquele timidamente oferecido aos feitos dos dois portugueses.
Entre um mau jogo de futebol, que termina num empate sem golos, o rotineiro triunfo de um tenista espanhol (deve ser para aí a décima terceira vez que Nadal ganha este torneio) e a glória dos dois ciclistas portugueses, os jornais optam pelo absurdo.
Mas seria de esperar outra coisa?
quarta-feira, outubro 07, 2020
A discoteca da minha vida #67: "Gran Turismo", The Cardigans
"Gran Turismo", o quarto dos 6 trabalhos de estúdio, é um daqueles discos encantados, abençoados por deus e lindíssimos por natureza, concebidos num máximo momento de inspiração e que vivem, por isso, para sempre. O que não é fácil, considerando que se trata de um trabalho de grande simplicidade, sem pretensões nenhumas nem gorduras de ambição desmedida. "Gran Turismo" é exactamente e apenas aquilo que quer ser: um descomprometido - mas eloquente - exercício de música popular.
E a prova da abismal competência dos The Cardigans é que podemos ouvi-los 22 anos depois sem correr o risco da decepção: continuam tão contemporâneos como eram. E elegantes como sempre foram.